UMA PERSPECTIVA SEMIÓTICA SOBRE LEITURA NA SALA DE AULA



Uma perspectiva semiótica sobre leitura na sala de aula

A atividade deleitura não poderá mais ser considerada, nosso século,como mera e simples decodificação de letra por letra, palavra por palavra a fim de extrair as informações do texto. Mais do que isso, ler trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. Assim, podemos entender o motivo pelo qual muitos alunos não leem de forma competente, ou seja, não é dado a eles os instrumentos necessários para o ato da leitura.

Pensando nestes instrumentos que muitas vezes faltam aos alunos, busca-se na semiótica em sua vertente francesa, representada por Algirdas Julien Greimas uma alternativa teórica que torne o trabalho com o texto mais aprofundado. Segundo essa teoria, duas formas se complementam na definição de texto. De um lado, entendemos o texto pela sua organização ou estruturação que faz dele um todo de sentido, e de outro lado, levamos em consideração a comunicação que se estabelece entre um destinador e um destinatário.

Assim, Barros (2005) mostra que o texto pode ser entendido de duas formas: a primeiracomo objeto de significação, encaminhando seu estudo para a análise dos mecanismos que o estruturam, ou seja, que tecem um todo de sentido. A segunda concebe o texto como objeto de comunicação entre dois sujeitos, e a análise, nessa concepção, coloca o texto em relação ao contexto sócio-histórico que o envolve.

Todo texto manifesta um plano de conteúdo através de um plano de expressão. Barros (2005) salienta que o(s) sentido(s) do texto podem ser examinados através do plano de conteúdo sob a forma de um percurso gerativo, isto é, o leitor – enunciatário, passa por um processo de entendimentoa partir do seu contato com a superfície do texto que pode ser constituído por material verbal e/ou não-verbal.

Em outros termos, o processo gerativo refere-se à produção do texto, na análise tenta-se recuperar, por meio da leitura, esse percurso que teria dado origem ao texto. É importante ressaltar que esse percurso não é uma fôrma onde os textos são submetidos, mas como mostra Fiorin (1997), "é um simulacro metodológico que nos permite ler, com mais eficácia, um texto." Segundo o autor,

"Esse modelo mostra aquilo que sabemos de forma intuitiva, que o sentido do texto não é redutível à soma dos sentidos das palavras que o compõem nem dos enunciados em que os vocábulos se encadeiam, mas que decorrem de uma articulação dos elementos que o formam: que existem uma sintaxe e uma semântica do discurso." (Fiorin 1997:31).

Então, o percurso gerativo de sentido, por conceber o texto como um processo de produção de sentidos, analisa-o do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto enriquecendo-o semanticamente. Três patamares, contendo cada um uma sintaxe e uma semântica, constituem o percurso: estruturas fundamentais – base estrutural do texto - estruturas narrativas – estados e transformações estão ligados a personagens e objetos -e estruturas discursivas – lugar onde ocorrem as projeções da enunciação (pessoa, espaço e tempo) no enunciado.

Na semântica da estrutura fundamental, nível mais profundo de um texto, a significação se dá como uma oposição semântica mínima a versus b, como por exemplo, liberdade versus submissão, vida versus morte, etc. Inscrito no texto está uma qualificação semântica, isto é, uma categoria oposta é eufórica porque recebe valoração positiva, já a outra é disfórica porque recebe valoração negativa. É importante notar que essa qualificação será determinada no contexto discursivo e não pelo leitor - enunciatário do texto.

A sintaxe da estrutura fundamental trabalha com duas operações: a negação e a asserção. Ao longo de um texto essas operações ocorrem se estabelecendo as seguintes relações: afirmação de a, negação de a, afirmação de b; afirmação de b, negação de b, afirmação de a. Para Fiorin (1993), é importante detectar a estrutura fundamental de um texto, pois "ela permite dar uma unidade profunda aos elementos superficiais que, à primeira vista, parecem dispersos e caóticos".

O segundo patamar é a estrutura narrativa, nível intermediário de um texto. Para a Semiótica, a sintaxe da estrutura narrativa simula a história do homem em busca de valores para a vida e de sentido para os contratos sociais geradores dos conflitos humanos. Nessa perspectiva, entende-se por narrativa o percurso de mudança de estados operada por um sujeito transformador que age no e sobre o mundo em busca de valores que estão investidos nos objetos. (Barros, 2005).

A sintaxe narrativa apresenta dois tipos de enunciados elementares: em primeiro lugar têm-se os enunciados de estado que estabelecem, entre um sujeito e um objeto, uma relação de junção (disjunção ou conjunção). Em segundo, tem-se os enunciados de fazer que mostram as transformações, as passagens de um enunciado de estado inicial a um estado final.

Conforme Fiorin (1997), esses enunciados se articulam entre si e formam seqüências narrativas, se agrupando em quatro fases distintas, tais como manipulação, competência, performance e sanção. Vejamos cada uma das fases:

·Manipulação: um sujeito (papel narrativo) age sobre outropara induzi-lo a querer ou dever fazeralguma coisa. Há quatro tipos de manipulação: tentação, intimidação, sedução e provocação.

·Competência: o sujeito do fazer recebe um saber e um poder que aparecem no nível superficial do discurso sob variadas formas.

·Performance: o sujeito do fazer executa sua ação, ocorrendo a mudança de um estado a outro.

·Sanção: o sujeito da ação recebe seu castigo ou recompensa.

No entanto, Fiorin (1995) ressalta que essa seqüência não é uma "fôrma onde se faz caber a narrativa". Dessa forma, é necessário entender que certas fases estão pressupostas e que certos textos enfatizam algumas fases em relação às outras.

A semântica da estrutura narrativa trata dos valores (elementos semânticos) inscritos nos objetos que é tudo aquilo que o sujeito adquire ou perde, por isso não pode ser confundido com uma coisa. Assim, esses objetos podem ser de dois tipos: modais, sendo objetos necessários para adquirir outros objetos, são modais o querer, o dever, o saber e o poder fazer; valor, sendo objetos que o sujeito deseja adquirir, quando o sujeito quer ou deve, sabe ou pode, adquire ou perde tem-se objetos de valor.

Nesse sentido, salienta Fiorin (1995) que a articulação entre o nível fundamental e o nível narrativo se dá no momento em que "os conteúdos da estrutura fundamental são caracterizados nos objetos da estrutura narrativa". Como exemplo dessa articulação, uma narrativa pode apresentar casa concretizando o valor conforto, já em outra, casa pode mostrar o valor status social.

Antes de passar ao terceiro patamar é relevante, neste ponto da teoria semiótica, resgatar o conceito de enunciação postulado por Emile Benveniste, onde o autor salienta que a enunciação é colocar a língua em funcionamento por um ato individual de utilização. Além disso, toda enunciação implícita ou explicitamente pede um alocutário, dessa forma a língua se acha empregada na enunciação para expressar uma certa relação com o mundo. Por isso, esta teoria revela tamanha importância nas reflexões sobre leitura.

O terceiro patamar do percurso gerativo de sentido é a estrutura discursiva. Segundo Barros (2005), esse é o patamar mais superficial do percurso, ou seja, é o mais próximo da manifestação textual. O sujeito da enunciação converte as estruturas narrativas em estruturas discursivas quando faz escolhas de pessoa, de tempo, de espaço, de figuras. Por isso, a enunciação define-se como a instância de um eu-aqui-agora, onde o sujeito é sempre um eu que opera no espaço do aqui e no tempo do agora, deixando no discurso as marcas da enunciação.

A sintaxe discursiva apresenta dois aspectos importantes: as projeções da enunciação no enunciado e as relações entre enunciador e enunciatário. As projeções da enunciação são justamente as marcas de actorialização, espacialização, temporalização deixadas no enunciado. A actorialização reveste, através da categoria de pessoa, os actantes narrativos. A espacialização instaura no enunciado o espaço, que é determinado em função doaqui. Ele pode estar implícito no enunciado, ou pode ser explicitado, determinandoo algures (em algum lugar) ou o alhures (em outro lugar). Por fim, a temporalização instaura o tempo no enunciado e tem a enunciação como momento de referência.

Segundo Silva (2006) , esse mecanismo de projeção da pessoa, do tempo e do espaço no discurso é chamado de embragem e debreagem que podem ser actanciais, temporais e espaciais. Debreagem é a projeção, no texto, da pessoa, do tempo e do espaço. Embreagem é a operação inversa de neutralização dessas categorias e pressupõe uma debreagem anterior, produzindo um efeito de "retorno à enunciação".

Adebreagem pode ser subdivida em dois tipos. A primeira é a debreagem enunciativa, que instaura no enunciado as pessoas da enunciação (eu-tu), o espaço (aqui) e o tempo (agora) produzindo o efeito de sentido da subjetividade. Já o segundo tipo de debragem, a enunciva, instala no enunciado as pessoas (ele), o espaço (lá ou alhures) e o tempo (então) criando, assim, o efeito da objetividade.

A embreagem também é actancial, espacial e temporal, pois consiste natroca de uma pessoa pela outra, de um espaço por outro e/ou de um tempo por outro. Por exemplo, a terceira pessoa pode tomar o lugar da primeira e vice-versa ou um verbo no presente pode expressar uma ação no passado.

Todos esses mecanismos expressam as relações entre enunciador e enunciatário, onde ocorre um jogo de persuasãoatravés de procedimentos argumentativos que visam levar o enunciatário a admitir como válido o que está sendo comunicado, pois como mostra Fiorin (1997) a finalidade de todo ato de comunicação não é informar, mas convencer o outro a aceitar o que está sendo dito. Por isso, pode-se afirmar que todos os discursos têm um componente argumentativo, já que todos têm o objetivo de persuadir.

Para isso, o enunciador usa procedimentos argumentativos como a ilustração e as figuras de pensamento. Não é intenção deste trabalho pormenorizar cada um destes procedimentos, mas vale destacar que na ilustração, o narrador enuncia uma afirmação e dá exemplos com a finalidade de comprová-la e as figuras de pensamento são estratégias de fazer crer, que através de contratos enunciativos estabelecem um acordo entre o enunciado e a enunciação enunciada. (Barbalho 2006: on line).

Ainda nas estruturas discursivas, agora na semântica, tem-se o sujeito da enunciação que dissemina os temas e figurativiza-os, assegurando assim, a coerência semântica do discurso. Dessa forma, são dois os procedimentos semânticos do discurso: a tematização e a figurativização. Barros (2005) mostra que tematizar um discurso é formular os valores de modo abstrato, ou seja, reveste-se os esquemas narrativos com temas a fim de se concretizar o sentido. Afigurativização usa principalmente elementos da realidade concreta (figuras) para dar mais concretude ainda ao sentido. Temas e figuras criam percursos temáticos e figurativos, por meio dos quais podemos reconhecer de que está tratando o texto.

Nessa perspectiva, é interessante ressaltar que o trabalho proposto na semiótica visa demonstrar a organização que existe no interior do texto. Por isso, é preciso tomar textos reais na análise, pois Benveniste (1989) diz que "antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade de língua". É por este motivo também que frases soltas, inventadas pelo professor, nas aulas de língua materna não contemplam um verdadeiro trabalho com a língua viva e real. Assim, a escola só cumprirá seu papel de formar sujeitos sociais leitores da realidade em que se inserem se criar verdadeiros ambientes de uso da língua, subsidiando com instrumentos que capacitem os estudantes ao se depararem com qualquer tipo de texto.

REFERÊNCIAS

BARROS, Diana Luz Pessoa. Teoria semiótica do texto. São Paulo: ática, 2005.

BENVENISTE, Emile. Problemas de lingüística geral II. São Paulo: Pontes, 1989, pg. 82-84

FIORIN, José Luiz. "A Noção de Texto na Semiótica". In: Organon/ Revista do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, URGS, Porto Alegre: Faculdade de Filosofia, 1995. Vol. 9, nº 23.

FIORIN, José Luiz. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1993.

FIORIN, José Luiz. Elementos da análise do discurso. São Paulo: Contexto, 1997.

SILVA, F. M. Leitor: de destinatário a destinador. Estudos Lingüísticos (São Paulo), v. 1, p. 809-817, 2006.


Autor: Kelli Ribeiro


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