O Ato Administrativo e o Controle de Mérito



O ATO ADMINISTRATIVO E O CONTROLE DE MÉRITO

Elaborado em 08.2009

Neiva de Fatima Techy Stec

Aluna do Curso de Pós Graduação do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar

Introdução

O ato administrativo faz parte do gênero atos da Administração Pública, sendo uma espécie de ato praticado pela Administração Pública Direta ou Indireta. Os atos da Administração Pública subdividem-se em: Ato Administrativo, Ato de Direito Privado, Ato Material e Ato Político. Vamos nos ater mais detalhadamente ao Ato Administrativo.

Ato Administrativo é todo o ato jurídico que decorre do exercício da função administrativa sob um regime jurídico de direito público. Todo ato administrativo deve produzir efeitos jurídicos e diferencia-se, portanto, do ato material, pois, este não produz efeitos jurídicos.

Todo ato administrativo é também um ato de execução e decorre do exercício da função administrativa. Para que o ato administrativo seja reconhecido como tal, são necessários alguns requisitos essenciais:

Competência – o ato deve ser realizado por uma pessoa competente, ou seja, que ocupe um cargo ou emprego público, cuja competência permita a produção de determinado ato. Quem estabelece esta competência é a lei e, sendo assim, a competência sempre decorre de um ato vinculado. O agente público não pode abrir mão de sua competência por ser esta irrenunciável ou inderrogável.Quando necessário, o administrador público deve agir. A competência é, portanto, um elemento vinculado do ato administrativo.

Finalidade – A Constituição Federal, no caput do artigo 37, elenca alguns princípios (explícitos) inerentes à Administração Pública, a saber: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. A finalidade aproxima-se muito do princípio da Impessoalidade, no sentido de que a prática do ato administrativo requer uma atitude objetiva, visando atingir o interesse público. Para o professor Celso Antonio Bandeira de Mello, a finalidade seria um princípio decorrente do princípio da Legalidade. O autor entende que, além de um elemento do ato administrativo, haveria uma finalidade pública específica para cada ato administrativo. Finalidade é, portanto, o resultado que se espera alcançar com a prática do ato.

Diferencia-se a finalidadedomotivo. Enquanto a finalidade surge depois que o ato administrativo é praticado, o motivo antecede a prática deste ato.

Forma – é a materialização do ato administrativo, a maneira como ele se exterioriza. Todo ato administrativo tem forma e, normalmente, se caracteriza pela forma escrita, já que deste modo, seria mais fácil o seu controle. Para a prática de um ato administrativo, deve-se observar a forma prescrita em lei, não se aceitando a completa liberdade de forma.

Motivo – são os pressupostos ou razões de fato e de direito que levaram à prática do ato. Os motivos antecedem a prática do ato e todo o ato administrativo, ao ser praticado tem explicitado em si um motivo, seja de fato (o que realmente aconteceu), seja de direito (previsão legal). Porém, nem todo ato administrativo tem motivação, ou seja, a narrativa deste mesmo ato. Para o professor Marçal Justen Filho, motivo é o mesmo que causa do ato e em sua obra Curso de Direito Administrativo, o autor ensina que: "o motivo é a causa jurídica eleita pelo agente para produzir o ato".

Objeto – é o efeito jurídico imediato, é aquilo que o ato administrativo declarar, o que ele determinar (o verbo, o comando, a ordem). Este objeto deve ser lícito, possível e moralmente adequado. É o próprio ato administrativo. O objeto, assim como o motivo, pode ser um elemento vinculado ou discricionário. Para o professor Celso Antonio Bandeira de Mello, o objeto é a causa do ato administrativo.

O ato administrativo possui ainda alguns atributos:

Presunção de Legitimidade e Veracidade – a presunção de legitimidade (ou legalidade) e veracidade está presente em qualquer ato administrativo. É, todavia, uma presunção relativa, pois admite prova em contrário.

Imperatividade – significa que a Administração Pública, por causa das prerrogativas que tem, pode impor obrigações sem necessitar da concordância do particular. Prerrogativas são privilégios que a Administração Pública tem em suas mãos, um poder de império frente aos cidadãos.

Autoexecutoriedade – ou executoriedade pressupõe que própria Administração Pública pode, por meios diretos, cumprir ou executar as suas decisões sem a necessidade de ordem judicial. A Administração Pública decide e ela mesma executa as suas decisões.

Existem ainda dois institutos trabalhados dentro do princípio da Legalidade:

Vinculação – o legislador, ao elaborar a lei, já disse exatamente como deve ser o comportamento do administrador público e este não tem liberdade de escolha, devendo executar o ato como está previsto em lei.

Discricionariedade – significa que o legislador tem consciência de que não pode dar sempre a melhor solução para todas as situações, pois a realidade é muito mais dinâmica do que este poderia prever. Sendo assim, o legislador dá alguma liberdade ao administrador público para decidir da melhor forma possível e este faz uma apreciação subjetiva sem, no entanto, fugir da razoabilidade e da proporcionalidade.

Mérito Administrativo e Controle do Ato Administrativo

Para conceituar mérito administrativo, iremos nos valer dos ensinamentos do professor MEIRELLES (1990) em sua obra Direito Administrativo Brasileiro, em que profere:

O conceito de mérito administrativo é de difícil fixação, mas poderá ser assinalada sua presença toda a vez que a Administração decidir ou atuar valorando internamente as conseqüências ou vantagens do ato. O mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar.

O professor ensina ainda que "nos atos vinculados não há faculdade de opção do administrador e que, portanto, não se pode falar em mérito. Já nos atos discricionários, nos quais observamos, além dos elementos vinculados (competência, finalidade e forma), encontramos ainda o motivo e o objeto e, relativamente a estes, a Administração tem liberdade ao decidir, sem possibilidade de correção judicial, salvo quando caracterizado o excesso ou desvio de poder". Ainda segundo o professor MEIRELLES (1990), "nos atos discricionários, não caberia ao judiciário rever os critérios adotados pelo administrador, porque não existiriam padrões de legalidade para aferir essa atuação. Todavia, o ato poderia ser revisto e anulado pelo Judiciário, desde que, se vislumbre nele qualquer ilegalidade resultante de abuso ou desvio de poder".

Também nesta seara de controle do ato administrativo, a professora DI PIETRO (2004) leciona:

Controle Administrativo é o poder de fiscalização e correção que a Administração Pública (em sentido amplo) exerce sobre sua própria atuação, sob os aspectos de legalidade e mérito, por iniciativa própria (quando a autoridade competente constatar a ilegalidade de seu próprio ato ou de ato de seus subordinados) ou mediante provocação (pelos administrados por meio dos recursos administrativos). O controle sobre os órgãos da Administração Direta é um controle interno e decorre do poder de autotutela que permite à Administração Pública rever os próprios atos quando ilegais, inoportunos ou inconvenientes. Esse poder é amplamente reconhecido pelo Poder Judiciário em cujo âmbito foram formuladas as súmulas 346 e 473 do STF; nos termos da primeira, 'a Administração Pública pode declarar a nulidade se seus próprio atos'; e, em conformidade com a segunda, 'a Administração Pública pode anular seus próprio atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial'. Se a Administração está sujeita à observância da lei e à consecução do interesse público, não há por que negar-lhe o controle sobre os próprios atos para assegurar a observância dos princípios a que ela se submete, em especial, da legalidade e da predominância do interesse público. Mesmo porque, não o fazendo, se sujeita ao controle pelos demais Poderes, aumentando o ônus do Estado na missão suprema de tutela do direito.

O professor GASPARINI (2008) nos instrui também:

O ato administrativo, ou dito mais largamente, todo e qualquer comportamento da Administração Pública, está sujeito aos controles administrativo e judicial. O primeiro é realizado pela própria Administração Pública no exercício do poder de autotutela e o segundo é realizado pelo Poder Judiciário, que somente atua se provocado, visando a legalidade de tais atos e comportamentos. A submissão dos comportamentos da Administração Pública ao controle jurisdicional é uma decorrência de Estado de Direito. Por isso, com razão, assegura Celso Antônio Bandeira de Mello que 'de nada valeria proclamar-se o assujeitamento da Administração à Constituição e às leis, se não fosse possível, perante um órgão imparcial e independente, contestar seus atos com as exigências delas decorrentes, obter-lhes a fulminação quando inválidos, e as reparações patrimoniais cabíveis'. Destarte, todo e qualquer ato ou comportamento da Administração Pública atentatório ao Direito pode e deve ser revisto por qualquer dos citados controles, visando sua retirada do ordenamento jurídico por afronta à legalidade, sem prejuízo de eventuais indenizações. Isso, no entanto, não é tudo, pois os atos administrativos também estão sujeitos a exames do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas competentes.

O professor FREITAS (1999), em sua obra O Controle dos Atos Administrativos e Seus Princípios Fundamentais, nos ensina:

Em especial, o Direito Administrativo demanda uma decifração renovada que se mostre apta a transcender as querelas semânticas que o distancie de variantes superadas, em sede teórica, de escolas hermenêuticas passadistas. Note-se bem: se se insiste em aprimorar a noção de controle, quer-se fortalecer a noção de que nenhum ato administrativo está a ele imune, especialmente, no plano judicial. Tal assertiva não significa, à evidência, controle total nem adesão a modelos alternativos ou invasão de mérito. Toda e qualquer solução e todo e qualquer controle apenas terão legitimidade se se cingirem às fronteiras legítimas do sistema. Ter-se-á, pois, de ver o ato administrativo como estando, em maior ou menor grau, vinculado, mas não apenas à legalidade, senão que à totalidade dos princípios regentes das relações jurídico-administrativas, como bem advertia George Vedel, inexiste a pura discricionariedade.

Sobre este assunto, a professora MEDAUAR (2004), em sua obra Direito Administrativo Moderno, esclarece que:

O contraponto entre os aspectos de legalidade e mérito do ato administrativo aparece sobretudo no tema do controle jurisdicional da Administração, ao se discutir o alcance deste controle. Menciona-se classicamente que ao Judiciário descabe o exame do mérito dos atos administrativos. Em obras contemporâneas sobre poder discricionário, aponta-se a tendência a considerar que o contraponto legalidade-mérito encontra-se atenuado no momento presente, pela amplitude dos parâmetros do exercício do poder discricionário e pela consideração de bases mais amplas da legalidade.

Conclusão

Diante do exposto, indaga-se quem poderia, afinal, fazer o controle de legalidade do ato administrativo.

Ao analisarmos o pensamento de cada um destes renomados doutrinadores, podemos concluir que a Administração Pública deve ser a primeira a respeitar o princípio da legalidade e em virtude de seu poder de autotutela, pode e deve anular atos ilegais de ofício. Também o Poder Judiciário, quando provocado, pode fazer o controle de legalidade do ato administrativo.

Com relação ao ato vinculado, sua análise se dá com base na lei, para que se possa fazer o controle de legalidade. No que concerne ao ato discricionário, pode-se também fazer um controle de legalidade relativamente a cada um de seus elementos.

O mérito do ato administrativo é um juízo de conveniência e oportunidade que o administrador público faz quando tem diante de si o instituto da discricionariedade, em outras palavras, só existiria mérito quando houvesse discricionariedade. Sendo assim, num primeiro momento, a própria Administração Pública pode, ex officio ou se provocada, controlar o mérito do ato administrativo.

Na verdade, melhor solução que buscar o Poder Judiciário para o controle do ato administrativo, seria valorizar este ato administrativo, uma vez que a Administração Pública sempre pode reformar o mérito. Já na via judicial, segundo o entendimento majoritário, pode-se analisar no máximo a legalidade, já que o Poder Judiciário não faz controle do mérito.

Referência Bibliográfica:

MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1990

DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004

GASPARINI, D. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008

FREITAS, J. de.O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999

BITTENCOURT, M. V. C. Manual de Direito Administrativo 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005

MELLO, C. A. B. de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006

JUSTEN FILHO, M. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005

MEDAUAR, O. Direito Administrativo Moderno. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004


Autor: Neiva Stec


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