POSITIVISMO E MARXISMO



POSITIVISMO E MARXISMO: uma indicação de análise

 

 

Antonio Roberto Xavier*

 

*Professor dos cursos de Licenciatura em História e Pedagogia da UVA; dos curos de Pós-Graduação da FVJ e INTA; Mestre em Políticas Públicas e Sociedade e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela UECE; Especialista em História e Sociologia da URCA e Graduado em História pela UECE.

 

RESUMO:

 

O presente artigo tem por objetivo, em princípio, compreender e explicitar os fundamentos teóricos do positivismo e do marxismo. Analisa-se a expansão e a influência de cada uma dessas vertentes clássicas do conhecimento no mundo ocidental contemporâneo. Por último, articula-se as vertentes do positivismo e do marxismo, contrapondo-as, a fim de se extrair um novo modelo de síntese produtivo.

 

Palavras-chave: Positivismo, Marxismo, Ciência, Materialismo, Idealismo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 I - Introdução

 

O presente artigo objetiva discutir duas vertentes clássicas do conhecimento exaustivamente debatidas e estudadas no âmbito acadêmico. As vertentes do Positivismo e do Marxismo foram desenvolvidas em seus respectivos contextos por teóricos que visavam compreender e explicar o mundo ocidental em desenvolvimento à base de um racionalismo lógico herdado do mundo moderno.

 

É válido ressaltar, em linhas gerais, que essas duas vertentes clássicas do conhecimento estão vinculadas às origens de um tradicional dualismo idealismo-materialismo. Especificamente o positivismo é pertinente ao idealismo e o marxismo está vinculado ao materialismo. Através de uma ou outra dessas vertentes o sujeito pesquisador observa um objeto captando-lhe a realidade aparente. Ao intensificar seu trabalho de investigação sobre esse objeto e, dependendo da concepção dispensada, o sujeito definirá, ao final, a maneira de olhar e de interpretar seu objeto de pesquisa.

 

Aborda-se neste trabalho os fundamentos originários, a expansão e as influências de cada uma das vertentes em discussão sobre o mundo ocidental moderno e contemporâneo. Procura-se fazer contrapontos entre essas duas vertentes levando-se em consideração os contextos nos quais o positivismo e o marxismo estão inseridos.

 

Devido à importância dessas duas correntes clássicas do conhecimento, sobretudo no mundo acadêmico, pretende-se, contribuir com a publicação deste texto. Sabe-se que este trabalho é apenas o pontapé inicial para posteriores abordagens de maior fôlego, entretanto, acredita-se que pela forma resumida e linguagem acessível apresentada neste ensaio o leitor obterá informações sistemáticas acerca de duas vertentes clássicas do conhecimento freqüentemente debatidas e analisadas no mundo acadêmico.

 

II - POSITIVISMO: Origem, fundamentos e expansão.

  

A palavra Positivismo foi utilizada inicialmente, por Augusto Comte (1798 – 1857), na França para definir uma diretriz filosófica marcada pela “adoração” à ciência e pela sacralização do método científico. Contudo, as bases positivistas foram lançadas muito antes com o advento dos fundamentos empiristas a partir do ideário da chegada do Estado Moderno desde o século XVI.

           

O positivismo, apesar de ter se apresentado de diferentes formas em todo o ocidente, a partir, sobretudo da segunda metade do século XIX, refletia no âmbito filosófico, a preferência do capitalismo pelo desenvolvimento da sociedade industrializada. Em outras palavras o positivismo defendia, confiavelmente, que o progresso por meio da industrialização guiado pela técnica e a ciência – tese do capitalismo - traria benefícios gerais para a sociedade contemporânea. Vale dizer em linhas gerais, que a tendência positivista, nos termos de COTRIM (1988), tem como característica geral à extração da ciência e a preocupação de defender as conquistas da revolução industrial, sem se importar com as conseqüências sociais que afetariam a vida de milhões de trabalhadores.

 

Opondo-se aos filósofos socialistas, que pregavam uma revolução das instituições sociais, o defensor do positivismo Augusto Comte, reivindicava a necessidade de uma reorganização completa da sociedade através de uma reestruturação intelectual das pessoas e a instituição da ordem de maneira soberana. Para isso, na filosofia positiva de Comte destacam-se: a lei dos três Estados, a classificação hierarquizada das ciências e a reforma intelectual da sociedade.

 

O positivismo Comtiano explica a Lei dos três Estados relacionando-a com a evolução histórica e cultural da humanidade. Essa Lei define cada concepção principal e cada ramo de nossos conhecimentos, os quais devem passar hierárquica e necessariamente por três Estados historicamente diferenciados: Estado teológico ou fictício, Estado metafísico ou abstrato e Estado científico ou positivo. O Estado teológico representa o ponto de partida da inteligência humana, o Estado metafísico é o Estado de transição entre o primeiro e o terceiro ou a modificação geral do primeiro, o terceiro é o último Estado, ou seja, é o cientifico ou positivo é o estágio maduro, fixo e definitivo da evolução racional da humanidade.          

 

Baseado na Lei dos três Estados, o ser humano é capaz de prever os fenômenos naturais, podendo assim modificar a realidade diante disso. Dito isto, a ciência positiva estabelece o lema: ver para prever, ciência daí previdência, previdência daí ação. Neste caso, o conhecimento cientifico possibilitaria não só a mudança da realidade, mas também a possibilidade do domínio do homem sobre a natureza. Essas transformações, proporcionadas pelo conhecimento cientifico tem como objetivo o progresso. Este, porém deve estar subordinado à ordem. Decorrente deste fato surgiu o novo lema positivista para a sociedade: Ordem e Progresso. Este lema, inclusive, impresso na bandeira nacional do Brasil, foi sugerido pelo republicano positivista, Benjamin Constant.

 

A segunda fundamentação da obra de Comte: a classificação das ciências que aborda a hierarquização das ciências partindo do Estado dos fenômenos mais simples e gerais em direção aos mais complexos e específicos, definindo a seguinte ordem: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Sem o estudo hierárquico dessa educação cientifica, o ser humano não atingiria o Estado maduro da racionalidade positiva. Caso o conhecimento não seguisse essa lógica e suscetibilidade corria o risco de se produzir uma perda irreparável na formação racional do ser humano.

 

Por último, a terceira fundamentação da obra Comtiana: a reforma da sociedade seguiria a reorganização intelectual, a moral e finalmente a política. Entre outras abordagens, a terceira parte da obra de Comte destaca que uma das tarefas da filosofia positiva seria restabelecer a ordem na sociedade capitalista industrial, que havia sido quebrada pela Revolução Francesa. De forma reacionária e conservadora, consoante o pensamento de QUINTANEIRO, BARBOSA e OLIVEIRA (2001), Comte defende a legitimidade da exploração industrial, concorda com a estratificação da sociedade em classes sociais, inclusive a existência de capitalistas e proletários.

 

Entretanto, o objeto a ser debatido neste ensaio não é só a filosofia positivista propriamente dita, mas o debate das concepções positivistas diante das ciências sociais, e, em particular, diante do Marxismo. Para isto, elencou-se três premissas básicas que estruturam o positivismo, segundo LÖWY (1987):

 

A sociedade é regida por leis naturais, ou seja, leis invariáveis, independentes da vontade e da ação humana, isto é, na vida social, reina uma harmonia natural.

A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimilada pela natureza (naturalismo positivista) e ser estudada pelos mesmos métodos e processos empregados pelas ciências da natureza.

As ciências da sociedade, assim como as da natureza devem limitar-se à observação e à explicação dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando previamente todas as pré-noções e preconceitos.

 

É neste sentido que o positivismo pretende tratar as ciências humanas, ou do “espírito”, ou seja, aplicando os mesmos métodos utilizados para as ciências naturais, ignorando as diferenças cruciais existentes entre matéria e espírito ou natureza e “materialismo histórico” da humanidade.

 

O positivismo pode ser compreendido como um amplo movimento que dominou grande parte da cultura européia a partir do século XIX até a Primeira Guerra Mundial. Essa corrente pode ser encontrada nas diversas esferas da sociedade Moderna e Contemporânea nas manifestações filosóficas, políticas, pedagógicas, literárias e historiográficas. Trata-se de um sistema filosófico que pretende imprimir uma orientação antimetafísica e antiteológica, pregando que a única maneira que se pode chegar ao conhecimento é através dos fatos e dados empíricos.

 

Em suma, o positivismo, através do modelo científico-natural procura explicar as esferas sociais humana, utilizando-se das mesmas categorias explicativas das ciências físicas e biológicas, tais como: materialismo, evolucionismo, mecanicismo, naturalismo, determinismo, neutralidade científica, entre outras. Portanto, o positivismo, num sentido metodológico, evoca o primado da ciência natural, isto é, o único método capaz de nos proporcionar o conhecimento é o método das ciências naturais. É neste sentido que a corrente positivista sugere que o método das ciências naturais (relação causa e efeito) seja aplicado também às ciências humanas e tende a considerar, a partir de uma tradição iluminista, os fatos empíricos como única base e meio para se chegar ao conhecimento verdadeiro e a fé na racionalidade científica como solução dos problemas humanos.

 

Vinculado ao idealismo, o positivismo além de delegar à ciência a função de resolver, no decorrer do tempo, o problema social da humanidade, está fundamentado nas seguintes premissas básicas: o positivismo, além de uma tendência vinculada ao idealismo filosófico representa nele parte do idealismo subjetivo; sua origem não é espontaneamente do século XIX, com Augusto Comte, as bases do positivismo remontam ao empirismo da Antigüidade. Todavia, segundo DIEZ e HORN (2004), suas pilastras sustentadoras são lançadas, sem dúvida, nos séculos XVI, XVII e XVIII, a partir do empirismo de Bacon, Hobbes e Hume, especificamente.  

 

III - MARXISMO: Origem, fundamentos e expansão.

   

 Karl Marx nasceu em Trier, Alemanha, a 5 de maio de 1818 e morreu em 14 de março de 1883. Marx faz parte do grupo seleto dos clássicos do pensamento sociológico. A análise que ele faz acerca da sociedade capitalista e suas formulações teóricas provocaram uma imensa influência no pensamento sociológico a ponto de ter se tornado um marco referencial no mundo ocidental. É a partir desse marco que inúmeros pensadores desenvolveram e, ainda, desenvolvem suas teorias no sentido de confirmar ou negar as questões elencadas por ele.

 

Marx era herdeiro do ideário iluminista e acreditava que a razão era um instrumento de apreensão da realidade e de construção de uma sociedade mais justa, capaz de possibilitar a realização de todo o potencial de perfectibilidade existente nos indivíduos.

 

No contexto temporal de Marx (séc. XIX), três referenciais teóricos influenciavam as idéias dos pensadores: o Positivismo idealista de Comte – doutrina filosófica de orientação antimetafísica e antiteológica, pregava que a única forma de se chegar ao conhecimento seria através de fatos concretos e dados empíricos -, a Filosofia especulativa de Hegel – baseada nas idéias universais fornecidas pelo espírito e a Economia clássica de Smith e Ricardo como expressão materialista positivista.

 

A teoria de Marx é o Materialismo Histórico e seu objeto o Modo de Produção. Marx acreditava que para se apreender a realidade factual, pois, esta era que interessava ao seu método, necessário se faz que o sujeito ativo utilize o raciocínio em busca da essência do objeto por meio de leis, categorias e idéias. Marx baseia-se num método objetivo na busca da realidade e esta, depende, a priori, da concepção do sujeito. De acordo com GADAMER (1998), para Marx a realidade surge com um sentido essencial a ser perseguido pelo sujeito. Na sua concepção os seres que vemos são apenas aparências da realidade. A essência paira no conceito. Todavia, as aparências contêm a essência do objeto, mas, para se alcançar essa essência é necessário uma lapidação profunda desse objeto através de um trabalho constante de pesquisa. É preciso que se perceba a exterioridade que encobre a realidade que está fora do ser. Neste sentido é que Marx parte do abstrato para o concreto, do simples para o complexo, do imediato para o mediato, pois, em seu entender todo ser está envolto de mediações e a realidade não têm sentido em si mesma. É o sujeito quem dá sentido a realidade.

 

Embora defensor do materialismo filosófico Marx refutava o “antigo materialismo” positivista, pois, o julgava mecanicista, antidialético e anti-histórico. Ao contrário, o materialismo de Marx e Engels, refere-se à teoria filosófica que destacava a importância dos seres objetivos como elementos constitutivos da realidade do mundo. Todavia, essas partes materiais, os seres concretos, também possuíam uma parte imaterial, representada pelas nossas idéias, sentimentos e consciência das coisas. Esses seriam reflexos da realidade material, reflexos ativos e dialéticos, pelos quais a realidade influencia os reflexos e vice-versa. É dessa forma que o marxismo de Karl Marx está vinculado ao materialismo. Etimologicamente pode-se afirmar que o Marxismo é um sistema doutrinário materialista e dialético que tem por finalidade perscrutar a realidade objetivamente através do trabalho constante de investigação-pesquisa.

 

Com efeito, o modelo científico-natural de objetividade positivista não é operacional para as ciências sociais, pois, a sociedade não é imutável nem mecânica. Assim, como em Weber, encontra-se em Marx a rejeição de se conceber uma ciência da sociedade neutra, ou seja, livre de julgamentos de valores, referências e pressupostos políticos e sociais como assegurava o Positivismo comtiano e seu seguidor assíduo Durkheim, pai da Sociologia positivista enquanto disciplina científica. Vale dizer que todo processo de conhecimento cientifico social está embevecido de ideologias e utopias de uma ou outra classe ou grupo social. É neste sentido que o marxismo surge em oposição à pretensa neutralidade exposta pelo positivismo na seguinte síntese:

 

O marxismo foi a primeira corrente a colocar o problema do condicionamento histórico e social do pensamento e a “desmascarar” as ideologias de classe por detrás do discurso pretensamente neutro e objetivo dos economistas e outros cientistas sociais. Restava resolver a questão espinhosa da aplicação do materialismo histórico a si mesmo – esboçada por Marx, mas insuficientemente desenvolvida (LÖWY, 1987, p. 99).

 

Para Marx não havia determinismo ou pré-destinação dos seres humanos, pois, partindo do real o ser humano é conduzido o tempo inteiro pelas suas condições de existência, formação e transformação do mundo, ou seja, o ser humano é determinante do mundo em que vive. Desta forma, a realidade não tem sentido em si mesma, mas é o sujeito quem dá sentido a essa realidade. Desse modo, qualquer proposição que busque definir qual a dimensão estrutural da sociedade ou que busque o sentido último subjacente às ações individuais, no dizer de GADAMER (1997), deve ser excluída das ciências sociais. Embora se reconheça que, inicialmente, Marx tenha sido influenciado pela filosofia hegeliana, posteriormente, Marx contando com a colaboração de seu fiel amigo Engels fazem uma crítica sistemática e rigorosa à concepção idealista de história, de mundo, de Estado, de homem e de ciência. Essa crítica se estende também à teoria política francesa e à economia clássica inglesa de cunho idealista-positivista. É a partir desse quadro crítico que Marx e Engels definem o Materialismo histórico como núcleo científico e social desembocando na teoria marxista e demarcando a história como ciência por meio da teoria e método científico fundamentado em dois aspectos básicos, conforme Diez e Horn (2004):

                        

1)      O nível de desenvolvimento das forças produtivas de uma dada sociedade permite entender as relações sociais e de produção e sua estrutura econômica, e que a base econômica da sociedade é o fundamento das superestruturas legais e jurídicas, formas de consciência;

2)      A História é a ciência da observação e da determinação objetiva do real e busca descobrir as leis, tanto as leis da ciência como as leis da natureza.

   

Dessa maneira Marx e Engels rompem com a tradição idealista e mecanicista dos historiadores e filósofos que os antecederam. Além disso, Marx ao se opor ao idealismo absoluto de Hegel procura analisar a vida social através de leis e mudanças que regem os fenômenos e parte do estudo dos fatos concretos com a finalidade de expor o movimento do real em seu conjunto como um todo. Ao contrário de Hegel, que acreditava ser o espírito o determinante dos acontecimentos do mundo ou a história da humanidade, Marx parte do estudo dos indivíduos reais e concretos, de suas condições materiais de existência e de suas ações sobre o mundo e as coisas do mundo. Para o pensador alemão, conforme QUINTANEIRO, BARBOSA e OLIVEIRA (2001), as relações materiais que os homens estabelecem e o modo como produzem seus meios de vida formam a base de todas as relações sociais. Esse era o método específico de abordagem para explicar e entender a vida social da humanidade evocado por Marx.

 

IV – POSITIVISMO E MARXISMO: alguns contrafogos.

   

Enquanto o positivismo nega ou ignora o condicionamento histórico-social do conhecimento, quando não coloca a questão da relação entre conhecimento cientifico e classes sociais, encapando assim ao campo conceitual e técnico do positivismo, o marxismo assegura que a história da humanidade é a história da luta de classes sociais. Neste sentido é, que metodologicamente, o positivismo torna-se antagônico em sua análise sociológica.

 

A pretensão ideológica positivista de Comte objetivando defender a ordem industrial da burguesia foi definida pelo economista político e contemporâneo de Comte, Jean Batista Say, na obra: Tratado de Economia Política, de 1803:

 

As leis gerais que regulam as ciências políticas morais existem a despeito das disputas...elas derivam da natureza das coisas tão negativamente quanto as leis físicas do mundo...as leis naturais que, sistema de sociabilidade moderno devem determinar a indispensável concentração das riquezas entre os chefes industriais (p. 15-16).

 

Comte acreditava na submissão dos proletariados aos senhores burgueses, de tal forma, que elege a doutrina positivista como reguladora e preparadora dos proprietários capaz de os convencerem a respeitar e mesmo reforçarem as leis naturais da concentração do poder e da riqueza. Esta tese despertou Marx, no primeiro livro de O Capital, que inicialmente escreveu: “Augusto Comte e sua escola procuraram demonstrar a eterna necessidade dos senhores do capital; eles teriam tão bem quanto e com as mesmas razões, por isso demonstrar a eterna necessidade dos senhores feudais” (p. 631).

 

 

A doutrina positivista ideária do iluminismo, exerceu influência sobre vários pensadores desde o século XIX até aos nossos dias, especialmente no campo da sociologia, inicialmente, chamada de física social. Nesta vertente é Durkheim quem dá prosseguimento ao estudo da Sociologia enquanto disciplina científica positivista procurando adequar-lhe aos princípios das leis naturais ao tratar os fatos sociais como coisas e, ao serem coisas, esses fatos naturais devem se submeter às leis naturais. A defesa desse pensamento está explícita na obra As Regras do Método Sociológico, de Émile Durkheim.  

 

O positivismo apresenta-se de forma sutil e com tal abrangência de abordagem que suas idéias, ainda, estão na ordem de discursos do dia de muitas instituições, programas e planos de governos. Muitas vezes, conscientes ou inconscientes muitos educadores acabam por aplicar o positivismo em suas atividades de tal forma que sempre esperam um resultado de seu corpo discente satisfatório ou não. Não que se esteja condenando esse método, mas o que se há de refletir é com relação à rigidez com a qual ele é aplicado a ponto de gerar uma certa discriminação com relação à construção e produção de conhecimentos.

 

Mas não é só isso. As idéias positivistas podem ser verificadas em muitos sociólogos do século XIX até aos nossos dias. A ideologia positivista estabelece um sistema conceitual e axiológico em defesa da ordem estabelecida. É a inauguração da transmutação da visão de mundo e de Augusto Comte. Não se pode, portanto, considerar o positivismo Comtiano como mero continuísmo iluminista, pois:

 

Considerar como alguns autores o fazem a obra de Comte simplesmente como a continuação da metafísica naturalista da filosofia do iluminismo e de S. Simon, como coroamento sistemático de um movimento que remonta ao século XVIII, significa passar ao marco da novidade e da especificidade do positivismo Comtiano, que representa precisamente o ponto de vista reconhecido da escola positivista moderna nas ciências sociais (LÖWY, 1987, p. 22).

 

A abrangência positivista é tão significativa que atinge até mesmo os próprios críticos do positivismo como é o caso de Karl Marx. Consciente ou inconsciente pode-se perceber passagens positivistas em Marx. Comentando a respeito deste fato o pensador Alemão Ralf Dahrendorf, em sua última obra Reflexões sobre a Revolução na Europa, publicada no Brasil em 1991, por Jorge Zahar Editor, observa que Marx ao evocar a marcha inexorável da história, elevando o socialismo como algo conseqüente das crises cíclicas do capitalismo, ele está sendo positivista ou pré-determinista objetivista da historia (p. 60). A outra questão que se vê emblemática em Marx é o relativismo. Isto ocorre quando Marx eleva a Classe do Proletariado como mais adequada no sentido dessa classe ter uma ideologia mais coerente em relação à sociabilidade solidária entre os trabalhadores. Por que a visão de mundo proletária seria mais favorável ao conhecimento social que a visão de mundo das outras classes? Não é isso um profetismo? Sem dúvida a história tem demonstrado que o “ofício de profeta é perigoso”. Sobre esse fato BOBBIO (2000), comenta:

É por isto que as previsões feitas pelos grandes mestres do pensamento sobre o curso do mundo acabaram por se revelar, no final das contas, quase sempre erradas, a começar daquelas feitas por aquele que boa parte da humanidade considerou e ainda considera o fundador de uma nova e infalível ciência da sociedade, Karl Marx (p. 30).

 

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Constata-se que tanto o Positivismo como o Marxismo são tendências ideológicas historicamente construídas para atender demandas racionais do homem em seus respectivos contextos. Essas vertentes de pensamento foram e, ainda são pujantes na sociedade ocidental como um todo. É a partir dessas tendências que o pesquisador debruça-se sobre seu objeto de pesquisa para ao final tirar suas conclusões sobre a realidade perquirida.

 

Compreende-se que o pesquisador atual não pode prosseguir em seus trabalhos investigativos com uma visão preconceituosa acerca das diversas tendências de pensamento originadas, sobretudo a partir dos clássicos. Não se pode ter uma visão completamente negativa com relação a uma ou outra tendência de pensamento. Com efeito, é preciso reconhecer que essas vertentes proporcionaram e ainda proporcionam suas contribuições para diversos e importantes debates no âmbito da pesquisa cientifica. Assim conclui LÖWY (1987):

 

É absolutamente verdadeiro que a ciência não pode progredir sem a liberdade de crítica, debate, confronto entre escolas diversas e confrontação permanente de pontos de vista distintos entre pesquisadores, tanto no interior de uma visão social de mundo, como entre cientistas ligados a opções axiológicas e político–sociais contraditórias. A ausência de um tal debate, o enfraquecimento ou a interdição da crítica não podem senão conduzir, de forma inexorável à esterilização do pensamento cientifico, ao dogmatismo, ao obscurantismo e / ou a unidimensionalidade: poderiam ser multiplicados os exemplos “(p. 56).

 

Com base na referência acima citada, parte-se do pressuposto de que o pesquisador não pode e nem deve desprezar ou usar prenoções e / ou preconceitos com relação às diversas vertentes clássicas de pensamento. O que se deve buscar é o debate, a crítica e a análise plurifacetada a partir das diferentes concepções, visões de mundo, utopias e ideologias nos diferentes contextos de cada estrutura e/ou conjuntura temporal. É preciso sempre o movimento dialético dessas categorias para se afirmar ou se superar as diversas concepções racionais, a fim de se chegar a uma síntese plausível, coerente e adaptável às realidades em cada tempo. Em suma, vale dizer:

 

Os marxistas “desmascararam” todas as outras correntes de pensamento, desvelando, sob a máscara de objetividade, universalidade e neutralidade, a sua verdadeira face: um ponto de vista de classe tendenciosa e parcial; eles se recusam, entretanto, a retirar sua própria máscara e a revelar sua própria “face social” (Idem, p. 83).

 

Por fim, acredita-se que o mais coerente não é abraçar uma ou outra tendência como única e certa do ponto de vista cerrado e bitolado, mas procurar aplicar a práxis de cada uma levando-se em consideração às diversas e heterogêneas demandas e realidades sociais nos diferentes contextos. É com base nessas vertentes clássicas de pensamento que o pesquisador procura ampliar e definir seu objeto de pesquisa visando compreender e contribuir para o aprofundamento do conhecimento.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 8. ed. revista e ampliada. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

COMTE, Augusto. Cours de philosophie positive: Société Positiviste. Paris: 1984, tomo VI.

COTRIM, Gilberto. Filosofia para uma geração consciente: elementos da história do mundo ocidental. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.

DIEZ, Carmem Lúcia Fornari e HORN, Geraldo Balduíno. Orientações para elaboração de projetos e monografias. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura et al. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.

LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. São Paulo: Busca vida, 1987.

MARX, Karl. Capital: Crítica de la economia política. Buenos Aires: Editorial Cartago, 1973 (3 vols.).

QUINTANEIRO, Tânia, BARBOSA, Maria Lígia e OLIVEIRA, Márcia Gardênia. Um toque de clássicos: Durkeim, Marx e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

DAHRENDORF, Ralf. Reflexões sobre a Revolução na Europa. Jorge Zahar Editor, 1991.

SAY, Jean B. Traité d’Économie Politique. “Discours Préliminare”. Paris: Calman-Levy, 1972.  

 

 

 


Autor: Antonio Roberto


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