Investigação , identificação e estudo da prevalência da sintomatologia das doenças músculo-esqueléticas em Cirurgiões-dentistas da cidade de Guarulhos , Brasil.



INTRODUÇÃO
O trabalho do Cirurgião-dentista envolve numerosos fatores de risco para a saúde(1) onde há uma extensa lista de danos a todos os sistemas orgânicos, entre eles os problemas músculo-esqueléticos, que são muito freqüentes. Pesquisadores e organizações de várias partes do mundo têm destacado a equipe odontológica como grupo de risco em relação ao desenvolvimento de distúrbios osteomusculares(2). Entre esses distúrbios, destacam-se as lombalgias. A dor lombar tem sido particularmente bem estudada entre os trabalhadores da saúde, sendo resultado de traumas cumulativos(3-4). As lesões dorsais ocupacionais ocorrem mais freqüentemente quando é realizado o cuidado direto ao paciente, especialmente o levantamento desses(5-8). Muitos desses profissionais retornam ao serviço, apesar de continuarem apresentando os mesmos sintomas(8).
A literatura científica aborda particularmente questões relacionadas às dores lombares, sendo que não se tem conhecimento de estudos nacionais abrangendo especificamente os sintomas músculo-esqueléticos nas diferentes regiões corporais entre os profissionais. . Dentro desse contexto, o presente estudo teve por objetivos investigar se cirurgiões-dentistas apresentaram outros sintomas músculo-esqueléticos além da dor lombar e identificar determinados fatores que podem contribuir para o desenvolvimento desses sintomas.

METODOLOGIA
Descrição dos sujeitos
No presente estudo foram incluídos 100 cirurgiões-dentistas do sexo masculino que trabalhavam consultórios particulares que atendem pacientes com variado grau de dependência física, da cidade de Guarulhos, Brasil.. Foram excluídos os profissionais que estavam em licença saúde ou outro tipo de afastamento durante o período da coleta de dados. A participação neste estudo foi voluntária e todos os sujeitos que concordaram em participar assinaram termo de consentimento.
Instrumentos de coleta de dados
O estudo foi norteado por um questionário composto por duas partes: a primeira continha questões sobre determinadas características demográficas e ocupacionais, e a segunda avaliava as queixas músculo-esqueléticas.
Dados demográficos e ocupacionais: contém questões sobre idade, estado civil, categoria profissional, turno e unidade de trabalho, tempo que trabalha em odontologia e no consultório, horas trabalhadas por semana, e atividades ocupacionais consideradas como causas de lombalgia. Essa parte do questionário foi desenvolvida tendo como suporte teórico outra investigação(3). Essa parte do instrumento foi submetida à apreciação de três doutores , sendo um do curso de Odontologia da Universidade Camilo Castelo Branco , um da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo e um curso de Fisioterapia da Universidade Braz Cubas para a avaliação de sua objetividade, adequação e conteúdo. Realizou-se também um teste piloto com 20 dentistas que não estavam envolvidas no projeto. Posteriormente, foram realizadas algumas modificações, obtendo-se a versão final do instrumento.
Sintomas músculo-esqueléticos: para avaliar as queixas osteomusculares, utilizou-se um instrumento derivado do Standardized Nordic Questionnaire(9). Esse instrumento é utilizado internacionalmente e foi desenvolvido para padronizar pesquisas sobre investigações músculo-esqueléticas. Tem como um dos objetivos principais avaliar distúrbios osteomusculares dentro de uma abordagem ergonômica. O questionário contém uma figura humana vista pela região posterior, dividida em nove regiões anatômicas: região cervical, ombros, região torácica,
cotovelos, punhos/mãos, região lombar, quadril/coxas, joelhos, tornozelos/pés. As questões estão relacionadas com cada área anatômica e verificam se os respondentes tiveram dores nos últimos 12 meses e sete dias; procuram também investigar se essas pessoas precisaram faltar ao serviço ou procurar auxílio médico nos últimos 12 meses devido aos mesmos sintomas. A escolha desse questionário deve-se ao fato de já ter sido validado na cultura brasileira, e também por ser considerado instrumento simples, com questões diretas e de fácil compreensão (10).
Coleta e análise dos dados
Os dados foram coletados por meio de entrevista individual por um dos autores no período de 01 de dezembro de 2008 a 28 de fevereiro de 2009. Os participantes foram entrevistados nos seus respectivos locais de trabalho. Os dados foram inseridos e tabulados no programa Microsoft Excel, versão 2007,procedendo-se análise estatística. Realizou-se análise descritiva das variáveis. Verificou-se também se existia associação entre as variáveis: idade, estado civil, , turno, tempo que trabalha em odontologia e no seu próprio consultório e horas trabalhadas por semana com a presença de sintomas músculo-esqueléticos nos últimos 12 meses. Para isso, compararam-se os grupos com dor e sem dor, nas diferentes regiões corporais, utilizando o teste Qui-quadrado. Quando os valores esperados foram menores que 5, utilizou-se o teste exato de Fisher, sendo considerada significativa a associação quando o p-valor < 0,05. A análise estatística foi executada com auxílio do programa The SAS System for Windows, versão 6.12, 1996.

RESULTADOS
Dados gerais e demográficos
Entrevistou-se o total de 100 cirurgiões -dentistas, representando taxa de participação de 100%. A idade média das participantes era de 36,5 anos (D.P. = 9 e idades entre 25 e 58 anos). Cerca de 50% das entrevistados possuem companheira. O tempo de trabalho em odontologia foi em média 10,7 anos, sendo que especificamente no consultório atual foi de 6,2 anos. Em relação às horas trabalhadas por semana, verificou-se que 54,3% dos respondentes relataram trabalhar mais de 40 horas semanais distribuídos em diferentes períodos.
Sintomas músculo-esqueléticos
Independentemente da região afetada, 93% das participantes referiram algum tipo de sintomas osteomusculares nos últimos 12 meses, e 62% nos últimos sete dias.
A Figura 1 mostra a prevalência de sintomas músculo-esqueléticos anual e semanal.
As participantes apresentaram as mais elevadas taxas de distúrbios osteomusculares nos últimos 12 meses nas seguintes regiões anatômicas: lombar (59%), ombros (40%), joelhos (33,3%) e região cervical (28,6%). Em relação à presença de dor nos últimos 7 dias, a região lombar continuou sendo a mais citada (31,4%), seguida pelos ombros (16,2%). É importante destacar a elevada presença de dor em áreas não relacionadas com a coluna vertebral em um período de 12 meses, tais como ombros (40%), joelhos (33,3%) e punhos/mãos (24,8%).
Para avaliar indicadores de gravidade dos sintomas, pesquisou-se o absenteísmo e a procura por auxílio médico, que podem ser analisados na Figura 2.
A dor lombar foi a queixa mais freqüente para justificar a ausência no trabalho e procura de auxílio médico. Dos respondentes, 13,3% referiram ter se ausentado do trabalho devido a dor lombar, e 25,7% visitaram um médico pelo mesmo problema em um período de 12 meses. Observou-se também que 24,7% das participantes referiram ter procurado ajuda médica devido a dor nos joelhos e ombros. De uma forma geral, 29,5% faltaram ao serviço e 47,6% consultaram um médico tendo como justificativa os problemas osteomusculares.
Atividades ocupacionais e fatores associados
As participantes também responderam quais as atividades ocupacionais que elas achavam que causavam dor lombar. Os procedimentos mais citados estavam relacionados com a movimentação e transporte de pacientes. As trabalhadoras relataram, em primeiro lugar, movimentar pacientes (87,6%) e, em seguida, o transporte dos mesmos (49,5%).
Em relação aos fatores de risco, não foi encontrada associação estatisticamente significante entre as variáveis: idade, estado civil, categoria profissional, turno e unidade de trabalho com os sintomas osteomusculares nos últimos 12 meses nas diferentes regiões anatômicas. Observou-se menor tempo de trabalho em serviço de enfermagem e na unidade atual de trabalho entre as trabalhadoras com ocorrência maior de dor nos joelhos (p=0,0272) e dor lombar (p=0,0332), respectivamente. A relação inversa à esperada entre tempo de exposição e sintomas é certamente decorrente de viés de sobrevivência típico do desenho transversal. Essa hipótese fica reforçada diante do grau de incapacidade que implica a dor nessas regiões corporais, com repercussão sobre a permanência na atividade laboral. A mesma limitação incapacitante não se verifica com a dor em punho/mãos, que se mostrou mais freqüente entre as pessoas com maior número de horas semanais trabalhadas (OR=3,72; 1,26
DISCUSSÃO
No presente estudo, procurou-se ampliar os conhecimentos sobre as queixas músculo-esqueléticas na equipe de enfermagem brasileira. Salienta-se que o estudo foi realizado somente com auxiliares e técnicas de enfermagem que trabalhavam em enfermarias em que havia pacientes com alto grau de dependência física. Essas duas categorias profissionais executam os mesmos tipos de atividades ocupacionais.
Os resultados demonstraram que os dentistas relataram elevada ocorrência de sintomas músculo-esqueléticos em diversas regiões do corpo num período de 12 meses (71%) e de sete dias (52%). Estudos internacionais confirmam esses dados, revelando a importância desse problema entre profissionais da saúde (11-13). Em um estudo(14) realizado com a equipe de saúde prestando cuidados, na Holanda, encontrou-se prevalência de 63% de queixas osteomusculares.Em relação às regiões mais citadas como responsáveis por sintomas músculo-esqueléticos nos últimos 12 meses, a lombar ficou em primeiro lugar, seguida pelos ombros, joelhos e região cervical. Estudo(2), realizado em profissionais de saúde de um hospital, da Suécia, encontrou achados similares, mostrando sintomas principalmente na região lombar (65%), seguida pelos ombros (60%) e região cervical (53%). Pesquisa similar(11) verificou a prevalência de sintomas na região lombar (56%), nos ombros (53%), na região cervical (48%) e nos joelhos (30%). Os dados encontrados no presente estudo demonstram que os trabalhadores da área de saúde brasileiros apresentam taxas similares de prevalência de distúrbios osteomusculares comparados com países desenvolvidos. As regiões corporais mais atingidas parecem ser a lombar, ombros, cervical e joelhos. Os instrumentos utilizados não permitiram avaliar a intensidade dos sintomas.
Em relação à avaliação da capacidade funcional, a dor lombar demonstrou ser uma das maiores causas de absenteísmo e de procura por ajuda médica entre os participantes do presente estudo. A questão da influência das lombalgias em produzir incapacidade ao trabalho e absenteísmo tem sido bem documentada pela literatura científica(15). No entanto, novas pesquisas precisam abordar a severidade dos sintomas nas outras regiões corporais.
Pesquisas internacionais têm mostrado que as afecções músculo-esqueléticas são causadas por inúmeros fatores individuais, físicos e psicossociais. Dentre esses, os fatores ocupacionais têm sido muito estudados, sendo que apresentam valores diferentes de acordo com a área corporal envolvida. No presente estudo, verificou-se que os participantes acreditam que a dor lombar é causada principalmente por procedimentos relacionados com a movimentação e as condutas odontológicas. Estudos já têm comprovado a importante participação do descuido na observação do trabalho ergonômico e as lesões na região dorsal em odontológos e outros profissionais(7-8).
Outros estudos têm procurado avaliar as possíveis causas de problemas osteomusculares em trabalhadores da área da saúde, levando em consideração as diferentes regiões corporais envolvidas(11,16). Os resultados ainda geram controvérsias, mas apóiam a idéia de que os fatores ocupacionais na Odontologia são diferentes, dependendo da região corporal afetada, pois o desenvolvimento de atendimento clínico especializado ,como cirúrgicos, protéticos e ortodônticos podem lesar com maior prevalências áreas corporais diferentes do profissional.
Outro fato singular foi a associação entre carga horária prolongada com a queixa de dor em punhos/mãos. O risco de dor nessa região é válido e também, provavelmente, subestimado, tendo em vista que trabalhadores com dor incapacitante, caso estivessem presentes neste estudo, aumentariam o valor do Odds Ratio. Os dados encontrados justificam a necessidade de novas pesquisas considerando as diferentes áreas corporais. Também não se pode esquecer a importância dos fatores psicossociais ocupacionais relacionados com a presença de distúrbios osteomusculares na área de saúde, que não foram considerados na pesquisa(17).
Novos estudos precisam ser executados com outros profissionais de odontologiae em outros locais de trabalho. A comparação dos resultados com outras pesquisas são de difícil execução, visto que utilizam diferentes instrumentos, levam em consideração períodos diferentes para avaliar a prevalência, e estudam inúmeras categorias profissionais que diferem entre os países. Outros estudos precisam ser realizados avaliando a intensidade dos sintomas e considerando os aspectos organizacionais do processo de trabalho na área da saúde.

CONCLUSÕES
Os resultados demonstram que é elevada a ocorrência de sintomas músculo-esqueléticos em múltiplas regiões corporais, atingindo principalmente a região lombar, ombros, joelhos e região cervical. A dor lombar continua sendo o fator principal de absenteísmo e procura por auxílio médico. Os procedimentos relacionados com o atendimento clínico de pacientes são considerados os principais causadores de dor na região lombar, indicando que as atividades de cuidado direto aos pacientes podem ser fator de risco para o Cirurgião-dentista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Autor: EDSON COSTA


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