Estudo multicêntrico das alterações urinárias e da qualidade de vida de uma população feminina da zona leste da cidade de São Paulo, Brasil



1 INTRODUÇÃO

A incontinência urinária foi definida pela International Continence Society (ICS), em 2002, como toda perda involuntária de urina, clinicamente demonstrável, que causa problema social ou higiênico.
A mesma International Continence Society, ao longo dos últimos anos, veio buscando uma padronização para a terminologia dos diferentes sintomas que afetam o trato urinário inferior e definiu a incontinência urinária (IU) como “qualquer queixa de perda involuntária de urina” (ABRAMS e cols., 2003). A IU é um problema comum, que afeta homens e mulheres de todas as idades, sendo que aproximadamente 200 milhões de pessoas no mundo apresentam algum tipo de perda urinária.
A IU é um problema mundial que acomete com freqüência a população feminina, aproximando-se de 10% na população geral e superior a 30% nas mulheres acima de 60 anos, sendo mais freqüente nesta faixa etária (MOREIRA YASUDA e KIMURA, 2001). Afeta mais as mulheres do que os homens, sendo que uma em cada quatro mulheres tem alguma queixa de IU ao longo da vida (ORTIZ, 2004). Ela constitui um problema de saúde importante sendo uma das doenças mais comuns no mundo ocidental, afetando 10 milhões de mulheres nos Estados Unidos, gerando um custo anual de cerca de 10,8 bilhões de dólares (BEGLIOMINI, 1997).
De acordo com GROSSE e SENGLER (2002), os custos da incontinência urinária são muito difíceis de serem quantificados, haja visto que o peso nas despesas de saúde depende do nível sócio-econômico. Estima-se que o custo com proteções varia de 1,2 a 2 bilhões; a internação hospitalar pelas complicações da incontinência representariam 4,5 bilhões; o custo com tratamentos específicos, cirurgias, medicamentos, reeducação seria de 1 bilhão. As estimativas apontadas estão baseadas em estatísticas norte-americanas.
De uma maneira geral, a epidemiologia da IU feminina varia muito, provavelmente pelo tamanho das amostras estudadas, as faixas etárias e as modalidades das coletas de dados (GROSSE e SENGLER, 2002).
Segundo MINASSIAN e cols. (2003), a prevalência da IU feminina é de 27,6% porém, dependendo da faixa etária, da classificação e do diagnóstico utilizado, pode variar de 4,8% a 58,4%. Mulheres adultas que vivem na comunidade podem apresentar IU entre 15 e 45% e, nas institucionalizadas, a IU pode ultrapassar 50% (WILSON e cols., 2001)
A IU é uma doença multifatorial que não coloca em risco a saúde vital do indivíduo mas provoca grande impacto social (WILSON e cols., 2001).
A aceitabilidade da incontinência varia consideravelmente segundo as culturas, os países, os modos de vida, as faixas etárias. Atualmente, na mulher jovem, a incontinência urinária, mesmo mínima, pode ser vivenciada de forma dramática, assim como na idosa é causa comum de isolamento.
Todas as pesquisas confirmam que pelo menos 70% das mulheres atingidas por diversos distúrbios miccionais nunca falaram de seu problema a um médico. São raras as mulheres que falam espontaneamente da incontinência. Se os profissionais da saúde não levantarem a questão, estarão ignorando um problema que atinge 2 milhões de mulheres na França (GROSSE e SENGLER, 2002).
O custo moral, o custo psicológico da IU ainda é pouco conhecido.
Diante das diversas alterações sociais, pessoais e emocionais das mulheres frente a perda urinária, medidas de avaliação da qualidade de vida (QV) têm sido recomendadas. Desde 1997, a ICS preconiza que medidas de qualidade de vida devam ser incluídas em todas as pesquisas clínicas sobre IU, como um complemento aos tradicionais parâmetros clínicos (BLAIVAS e cols., 1997).
A qualidade de vida está relacionada com a percepção do indivíduo sobre sua condição ou doença e subseqüente tratamento. Isto inclui aspectos físicos, psicológicos e sociais; satisfação e percepção do estado de saúde; implicações sobre a função sexual e intimidade, reprodutividade pessoal como cuidar da casa e da família e ocupação profissional que também são fatores diretamente relacionados à qualidade de vida.
As escalas de qualidade de vida específicas, validadas para incontinência, são indiscutivelmente um auxílio valioso e preciso para um melhor conhecimento do impacto social que constitui a incontinência urinária, de acordo com o contexto sócio-cultural da população investigada (GROSSE e SENGLER, 2002).


1.1 JUSTIFICATIVA DO TEMA

Embora a IU não coloque diretamente a vida das pessoas em risco, é uma condição que traz implicações médicas, sociais, psicológicas e econômicas. Estima-se que pode afetar adversamente a qualidade de vida em 20% das mulheres de meia idade e 45% das mulheres mais idosas (HUNNSKARR e VISSNESS, 1991; CHIVERTON, 1996; SALEH e cols., 2004). Cabe ressaltar que, atualmente, muitas mulheres estão inseridas no mercado de trabalho e são socialmente ativas e que as perdas urinárias, quando existentes, provavelmente provocam um grande impacto nas atividades profissionais e domésticas (SWITHINBANK e ABRAMNS, 1999; HANNESTAD e cols., 2000; ORTIZ, 2004).
A maioria das mulheres considera a incontinência um problema sério e aproximadamente 1/3 ficam extremamente incomodadas com os sintomas (FULTZ e cols., 2003). Mulheres mais jovens referem limitações em níveis físico (carregar objetos, praticar esportes); comportamental e ocupacional, alteração da vida sexual e o medo da perda urinária que resultam em situações de ansiedade e isolamento (MINASSIAN e cols., 2003; ORTIZ, 2004; SALEH e cols., 2004).
A incontinência urinária feminina é uma condição altamente prevalente, afetando as atividades de vida diária das mulheres, causando constrangimento nos mais diferentes graus e isolamento.
Por ser uma condição que pode afetar adversamente o cotidiano, torna-se relevante, então, abordar o impacto na qualidade de vida de mulheres com sintomas de incontinência urinária, em populações diferentes, de culturas diferentes e de diferentes níveis sócio-econômicos. Além de colaborar para o conhecimento do panorama brasileiro, este estudo poderá ser utilizado para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento, seja de forma individual ou em grupo, nas redes pública e privada e também nas empresas, onde cada vez mais a mulher está inserida.

1.2 OBJETIVOS GERAIS
- Verificar a prevalência de sintomas urinários em mulheres no climatério e pós-menopausa;
- Verificar o impacto na qualidade de vida de mulheres no climatério e pós-menopausa que apresentam sintomas urinários.

1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Verificar a prevalência de sintomas urinários de acordo com a fase biológica.
2. Verificar a prevalência de sintomas urinários de acordo com a etnia.
3. Verificar a prevalência de sintomas urinários de acordo com a história obstétrica.
4. Verificar isoladamente a freqüência de perdas, a quantidade e o quanto a perda urinária interfere na vida diária.
5. Verificar o impacto da incontinência urinária na qualidade de vida destas mulheres.
6. Comparar os escores de impacto da incontinência urinária na qualidade de vida de mulheres no climatério e na pós-menopausa e segundo algumas faixas etárias.
7. Quantificar as situações de perda urinária.

1.4 MATERIAIS E MÉTODO
DESENHO DO ESTUDO
Estudo descritivo, do tipo coorte transversal.

1.5 METODOLOGIA
No período de maio de 2003 a junho de 2004, 71 mulheres ingressantes no grupo de fisioterapia para mulheres nos períodos do climatério e pós-menopausa, na Clínica de Fisioterapia de Itaquera, na cidade de São Paulo, responderam sobre sintomas urinários na própria ficha de avaliação fisioterápica (Anexo 1). As que apresentavam sintomas foram informadas, verbalmente e por Carta de Informação (Anexo 2), sobre a pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento (Anexo 3) e responderam ao International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ – SF) (Anexo 4). Este questionário é composto de três questões que avaliam freqüência, gravidade e em que proporção a perda urinária interfere na vida diária. Estas três questões fornecem um escore que pode variar de 0 a 21. Quanto pior a qualidade de vida, maior é o escore. Este questionário, através de um conjunto de oito itens de auto-diagnóstico, também quantifica as situações de perda urinária (TAMANINI e cols., 2004).
O grupo de fisioterapia para mulheres no climatério e pós-menopausa consiste de atividades educacionais (de orientação) e atividades práticas (cinesioterapia específica) 01 vez por semana, onde as mulheres são admitidas mediante encaminhamento médico, têm sua pressão arterial aferida antes e depois das atividades e recebem um tratamento inspirado na Escola de Coluna – nesta proposta Escola de Climatério. São assistidas pelos alunos do último ano do curso de Fisioterapia da Universidade Camilo Castelo Branco, da cidade de São Paulo, na área de estágio de Fisioterapia , sempre na presença do supervisor de estágio e a tabulação dos dados e organização estrutural da monografia de responsabilidade do docente de TCC.
Todas as mulheres que relataram sintomas urinários, além de realizarem exercícios semanais, em grupo, específicos para o assoalho pélvico, entre outros, receberam várias orientações de auto-cuidados do assoalho pélvico, hábitos urinários e de higiene íntima e foram orientadas e encaminhadas para consulta ginecológica investigativa e posterior tratamento fisioterápico individual na clínica-escola, na mesma área de estágio.
No decorrer deste período, ocorreram algumas desistências na participação do grupo semanal (por abandono, caracterizado por 03 faltas consecutivas) e em torno de 21% das pacientes (10) realizaram tratamento fisioterápico individual, onde também houve abandono de 02 pacientes (20%).
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Camilo Castelo Branco (Anexo 5).

CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
- mulheres nas fases do climatério e pós-menopausa com idade superior a 45 anos de idade
- mulheres com sintomas de incontinência urinária.

CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
- idade inferior a 45 anos de idade
- mulheres sem sintomas de incontinência urinária
- mulheres portadoras de doenças e seqüelas de acidentes neurológicos.



2 REVISÃO DA LITERATURA

O assoalho pélvico é um conjunto de estruturas que ocupa a parte inferior da pelve e é composto por músculos, ligamentos e fáscias, dispostos de modo a sustentar as vísceras pélvicas, proporcionar uma ação esfincteriana para a uretra, vagina e reto, além de permitir a passagem do feto a termo (DOLAN, 2003). A maior parte do seu apoio é fornecida pelos diafragmas pélvico e urogenital. O primeiro consiste dos músculos elevadores do ânus, responsável por 90% deste diafragma, e o músculo isquiococcígeo, constituindo os 10% restante do diafragma pélvico. Os músculos elevadores dividem-se nos feixes pubococcígeos e ileococcígeos. Os pubococcígeos se dividem nos músculos pubo- retal, pubo- vaginal e pubo- coccígeo propriamente dito, formando um amplo apoio muscular que se origina da superfície posterior dos ramos superiores do púbis, da superfície interna da espinha isquiática e da aponeurose do obturador. As fibras musculares se inserem ao redor da vagina e do reto formando os esfíncteres funcionais (uretra, vagina, reto). O diafragma urogenital está localizado na área triangular entre a tuberosidade isquiática e a sínfise pubiana, e é constituído pelos músculos transversos profundos do períneo e a cunha perineal, composta pelos músculos transversos superficiais do períneo, bulboesponjosos, isquiocavernosos, feixes do músculo pubo- retal do elevedor do ânus e esfíncter da uretra, além dos revestimentos aponeuróticos internos e externos (SCHUSSLER e cols., 1994). O suprimento nervoso da região é dado pelo nervo pudendo que é formado pelas raízes de S2 a S4 (2° a 4° raízes sacrais).
Estas estruturas que compõem o assoalho pélvico estão relativamente ancoradas no corpo perineal, que é uma estrutura entre a vagina e o ânus, reforçada pelo tendão central do períneo para o qual convergem os músculos bulboesponjosos, músculos isquiocavernosos, músculos transversos superficiais do períneo e o esfíncter anal (MARINELLI e cols., 2002).
O assoalho pélvico constitui grupo de músculos, fáscias e ligamentos que exercem a função de sustentação e suspensão dos órgãos pélvicos participando da continência urinária e fecal (OLIVEIRA e cols., 2004). Entretanto, a identificação de receptores de estrógeno e progesterona na uretra, nos ligamentos e músculos do assoalho pélvico caracteriza estas estruturas como hormoniodependentes. Na mulher em sua vida reprodutiva, a ação estrogênica está relacionada com a melhora da função esfincteriana uretral, aumentando a vascularização do plexo venoso da submucosa da uretra (SMITH e cols., 1990).
O mecanismo da continência urinária na mulher é mantido por múltiplos mecanismos estruturais e fisiológicos que regulam o fechamento da uretra e suportam tanto a bexiga quanto a junção uretrovesical, além de manterem a integridade neurológica do detrusor (músculo liso da bexiga). O fechamento efetivo da uretra é produzido por três sistemas diferentes: o esfíncter interno involuntário (colo da bexiga), os músculos do esfíncter externo voluntário (uretra) e a coaptação da mucosa produzida pelo plexo vascular da submucosa uretral. A sustentação anatômica dessas estruturas deriva primariamente da fáscia pubocervical, que se liga aos músculos elevadores do ânus do assoalho pélvico. A incontinência urinária tem ainda, a fisiopatologia apenas parcialmente compreendida, acredita-se que a abertura e o fechamento da uretra proximal sejam regulados pela série de estruturas que a rodeiam, como os ligamentos pubo-vesico-uretral, os músculos pubococcígeos (porção mediana do elevador do ânus), a parede vaginal suburetral e o tecido conectivo que as mantêm unidas. O desequilíbrio ou função inadequada de uma destas estruturas pode ser responsável pelo desencadeamento da incontinência urinária (PALMA e RICCETO apud NETTO, 1999; PEYRAT e cols., 2002; SIRACUSANO e cols., 2003; MORENO, 2004).
Entretanto, inúmeros fatores podem afetar a integridade das estruturas responsáveis pelo mecanismo da continência. Entre os fatores predisponentes estariam a paridade elevada e os partos vaginais mal conduzidos, sugerindo trauma ou dano neuromuscular ao assoalho pélvico; a redução de hormônios circulantes, situação comum na pós-menopausa; as alterações neurológicas ou bioquímicas da parede vesical, muitas vezes associadas ao processo do envelhecimento; a presença de doenças predisponentes como diabetes melitus, entre outras. Ainda como fatores predisponentes destacam-se aqueles que favorecem o aumento crônico da pressão intra-abdominal, como o tabagismo; a doença pulmonar obstrutiva crônica, pela tosse crônica, a obesidade; a constipação, pelo esforço constante ao evacuar; infecções urinárias recorrentes, que irritam a parede vesical e uretral; cirurgias ginecológicas e urológicas prévias; uso de medicamentos que afetam o trato urinário e o próprio estilo de vida, como alimentação e tipo de ingesta líquida (BURGIO e cols., 1991; PALMA e RICCETO apud NETTO, 1999; HANNESTAD e cols., 2000; PEYRAT e cols., 2002; SIRACUSANO e cols., 2003; MINASSIAN e cols., 2003; ORTIZ, 2004).
Dentre os vários tipos de IU feminina, a mais freqüente é a incontinência urinária de esforço (IUE), definida como a “queixa de perda involuntária de urina quando a pressão vesical excede a pressão uretral, na ausência de contração do detrusor” (ICS, 2002). Portanto, a perda urinária está associada às atividades e esforços físicos, onde há um aumento súbito da pressão intra-abdominal.
Em termos práticos, a IUE pode ocorrer em duas situações distintas, embora algumas vezes elas possam coexistir. A primeira situação é denominada IUE anatômica ou hipermobilidade do colo vesical e uretra proximal (HERRMANN e PALMA, 2000). Numa situação normal de repouso, a pressão uretral é maior que a pressão vesical, determinando a continência. No entanto, na vigência de uma hipermobilidade, quando ocorre aumento da pressão abdominal durante os esforços, esta pressão não é transmitida igualmente pela uretra e bexiga, de maneira que a pressão vesical torna-se maior que a pressão uretral, ocorrendo perda urinária, por deslocar o colo vesical, inserção da uretra na bexiga, da sua posição habitual que é até um centímetro abaixo do ramo inferior da sínfise púbica. Por ser considerada uma incontinência relacionada principalmente às estruturas anatômicas, a integridade dos músculos do assoalho pélvico, da fáscia endopélvica e dos ligamentos, é uma condição determinante para a manutenção do colo vesical e uretra proximal em posição intra-abdominal, colaborando o mecanismo extrínseco da continência.
A segunda condição é denominada IUE esfincteriana, decorrente de lesão do mecanismo esfincteriano intrínseco da uretra, onde a pressão uretral é constantemente baixa e a perda urinária ocorre geralmente aos mínimos esforços e até ao repouso. Nesta situação, a hipermobilidade é pouco presente, pois geralmente o colo vesical se encontra fixo, com fibrose peri-uretral. Pode estar associada a cirurgias prévias para IUE, traumas, hipoestrogenismo, malformações congênitas, mielodisplasias, entre outras (PALMA e RICCETO apud NETTO, 1999; HERRMANN e PALMA, 2000; RUBINSTEIN, 2001).
A grande maioria dos casos de incontinência urinária é explicada pela teoria de Enhoring, na qual atribui a gênese da incontinência urinária ao posicionamento extra-abdominal do colo vesical. A topografia do colo vesical abaixo da borda inferior da sínfise púbica permitiria a transmissão da pressão intra-abdominal, que ocorre durante os esforços, apenas à bexiga e não à uretra. Isso ocasionaria aumento da pressão intravesical sem concomitante evento na pressão intra-uretral, o que predispõe à perda urinária (MITRANO apud MORENO, 2004).
Porém, esta teoria não explica os casos em que as mulheres incontinentes não apresentem alterações topográficas do colo vesical e nem nos casos de mulheres continentes que têm uma maior mobilidade do colo vesical. Devido a estes fatos, outra teoria foi elaborada – a teoria da integralidade de Petrus Ulmsten (MITRANO apud MORENO, 2004).
Esta teoria baseia-se na composição do tecido conjuntivo, apontando que quase todos os sintomas urinários teriam sua etiologia baseada na frouxidão da parede vaginal ou de seus ligamentos de suporte, representando expressões diferentes do mesmo reflexo de micção prematuramente ativado. Essa nova teoria veio ressaltar a importância das fáscias e dos ligamentos pélvicos para a continência urinária. Como o principal componente do tecido conectivo dessas estruturas é o colágeno, muitos pesquisadores procuram alterações quantitativas e qualitativas no colágeno da matriz extracelular das pacientes incontinentes, na tentativa de esclarecer a fisiopatologia envolvida nos distúrbios urinários (MITRANO apud MORENO, 2004).
A segunda causa mais comum de IU é a urge-incontinência, que é a perda involuntária de urina associada com forte e repentino desejo miccional (ABRAMS e cols., 2003). Trata-se da instabilidade do músculo detrusor, músculo este que não deve contrair na fase de enchimento vesical. Quando este músculo contrai na fase de enchimento da bexiga, temos o desejo imperioso de urinar, com conseqüente perda involuntária de urina, de acordo com a quantidade de urina presente na bexiga. A perda urinária pode variar desde algumas gotas até todo volume vesical. Freqüentemente, esta sintomatologia é desencadeada pela contração não-inibida do músculo detrusor enquanto a paciente tenta inibir a micção. De acordo com a ICS, a presença de contração, espontânea ou provocada, do músculo detrusor, observada durante o período de enchimento vesical no exame urodinâmico, correspondem à hiperatividade do detrusor. Como na maioria das vezes esta hiperatividade não tem causa definida, ela é classificada como hiperatividade idiopática do detrusor. Pode se referir ainda a uma condição de causa neurológica, como após um acidente vascular cerebral ou pacientes com Doença de Parkinson, sendo então denominada como hiperatividade neurogênica do detrusor (ABRAMS e cols., 2003).
Entretanto, a urge-incontinência é considerada como um sintoma irritativo do trato urinário inferior e pode estar associada a outros sintomas, também classificados como irritativos. Os outros principais sintomas irritativos são a polaciúria (aumento da freqüência urinária diurna), a urgência miccional (forte desejo miccional), a noctúria (duas ou mais micções noturnas) e a enurese (perda urinária espontanea durante o sono). Quando estes sintomas estão presentes, eles são classificados clinicamente como a “síndrome da bexiga hiperativa”. Entretanto, exceto a urge-incontinência e a enurese, estes outros sintomas nem sempre determinam a perda urinária. Os sintomas do trato urinário inferior são muito comuns, não só entre as mulheres mais idosas, quanto nas jovens e de meia idade. Aproximadamente 50% das mulheres com IU queixam-se de IUE, sendo mais comum entre 25 e 49 anos de idade (HANNESTAD e cols., 2000), aumentando linearmente com a idade (MINASSIAN e cols., 2003). Levando-se em consideração o estado hormonal da mulher, cerca de 26% das pacientes no período reprodutivo apresentam IUE e esta prevalência eleva-se para 30 a 40% naquelas que já se encontram na pós-menopausa (PALMA e RICCETO apud NETTO, 1999). Os sintomas irritativos estão presentes em cerca de 17% da população adulta (CHAPPLE, 2004), sendo que a urgência miccional, que representa um dos principais sintomas da bexiga hiperativa, é responsável por cerca de 11% das queixas (HANNESTAD e cols., 2000). Entretanto, muitas mulheres de meia idade e mais velhas, apresentam queixas mistas, ou seja, 36% têm associação de perda urinária por esforço e sintomas irritativos (HANNESTAD e cols., 2000).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) o climatério pode perdurar entre 45 e 55 anos de idade, onde a menopausa, ou seja, após decorrido um ano do último fluxo menstrual é o evento marcador biológico desta fase, caracterizada pelo hipoestrogenismo (POLDEN, 2000).
No climatério, o hipoestrogenismo também é visto como fator implicado na gênese da IU (FRANÇA, 2000). O trofismo da mucosa e do tecido conjuntivo periuretral e da bexiga, assim como o coxim periuretral e o tônus muscular são influenciados pelos níveis de estrogênios circulantes. Além disto, os receptores estrogênicos da uretra estão em íntimo contato com os receptores alfa adrenérgicos uretrais. Desta forma, quando ocorre a ligação do estrogênio ao seu receptor, devido a grande proximidade, ocorre ativação dos receptores alfa adrenérgicos, gerando uma maior continência uretral, impedindo a perda urinária. A falta estrogênica diminui a ativação dos receptores alfa adrenérgicos, gerando o escape urinário. A esta queda de estrogênio, sucede-se a perda de apoio dos órgãos pélvicos, por alterações do tecido conjuntivo e colágeno interferindo nos mecanismos da incontinência urinária. Na relação entre incontinência urinária e presença de colágeno, parece ser evidente que a alteração relacionada ao tecido conjuntivo não está na bexiga, e sim, nos elementos de sustentação e suspensão da mesma. No ligamento redondo uterino detectou-se cerca de 25% a menos de colágeno, especialmente tipo II, em mulheres incontinentes assim como menor quantidade de colágeno na fáscia vesico-vaginal e nos ligamentos uretrossacrais, quando comparadas a mulheres continentes (FRANÇA, 2000).
A segunda causa mais comum de IU nas mulheres na pré-menopausa, e principal causa nas mais idosas, é a hiperatividade idiopática do detrusor, entretanto, pode estar associada a IUE em 12 a 21% dos casos (HANNESTAD e cols., 2000).
Vários estudos realizados em mulheres jovens, nulíparas e nuligestas apontam a presença de incontinência urinária: 17% para Jolleys, 40% para Scott, 57% para Wolin, 52% para Nemir que observou que destas, 30% apresentavam eliminações involuntárias mínimas, porém diárias (GROSSE e SENGLER, 2002).
Para NYGAARD (1990) apud GROSSE e SENGLER (2002), a taxa de incontinência varia de 10% na mulher jovem, desportiva, praticante de natação até cerca de 40% na praticante de corrida ou ginástica aeróbica intensa. Isso leva até 20% das esportistas a abandonar a atividade, 40% a mudar de modalidade e 60% das mulheres jovens recorrem ao uso de absorventes.
Para muitos autores, como WALL (1993), o trauma obstétrico é um fator desencadeante de distúrbios do assoalho pélvico e evidenciam danos à inervação da musculatura estriada do assoalho e ao mecanismo esfincteriano uretral após o parto. Durante o parto normal pode haver o tensionamento excessivo do tecido conjuntivo local e danos das junções neuromusculares, podendo ou não ser reversíveis. Assim, pode haver uma denervação parcial e diminuição da força de contração voluntária comprometendo a contração do assoalho pélvico simultaneamente aos aumentos de pressão intra-abdominal, reflexo importante na prevenção de perdas urinárias (HVIDMAN e cols., 2002; SARTORE e cols., 2003).
Porém, para CHALIHA e cols. (2002), a gestação, por si só, representa um fator de risco para o surgimento de sintomas urinários. Mc LENNAN e cols. (2000) relatam que a prevalência da IU aumenta com a paridade e é maior na raça branca.
BEGLIOMINI (1997) relata que a incontinência urinária de esforço tem um predomínio, na fase pós-menopausa, em cerca de 30 a 40% das mulheres e no período reprodutivo em cerca de 26% delas.
DEMATTÉ e cols. (2000) relacionam a incontinência urinária de esforço com a idade, biotipo constitucional, etnia, estado endócrino, o número de partos vaginais, intercorrências obstétricas e ginecopatias associadas.
Nos Estados Unidos, a IU é responsável por aproximadamente 2% dos gastos com a saúde e cerca de 7 milhões de dólares foram gastos na comunidade e mais de 3 bilhões de dólares em asilos para a assistência à IU. O custo anual envolvido com o manejo da IU é estimado em 16,3 bilhões de dólares, dos quais 12,4 bilhões são destinados aos programas femininos de prevenção, diagnóstico, tratamentos e complicações (WILSON e cols., 2001).
Os distúrbios do trato urinário na mulher, tanto no período reprodutivo quanto na pós-menopausa, têm importância por sua alta incidência e influência negativa na qualidade de vida dessas mulheres. Essas mulheres, silenciosamente, têm uma baixa auto-estima tornando-se deprimidas, angustiadas e irritadas. Freqüentemente sentem-se embaraçadas demais para falar sobre o seu problema. Além disso, há o inevitável fator envelhecimento, que faz com que algumas mulheres adiem a procura por um serviço especializado para o tratamento, pois acreditam ser comum ou esperado que uma mulher idosa apresente perda urinária. Apenas quando a qualidade de vida está demasiadamente comprometida pela incontinência urinária, elas procuram o serviço médico (GUARISI e cols., 2001).
Mesmo sendo uma condição relativamente comum entre as mulheres, ainda é um assunto que causa constrangimento e muitas se sentem inibidas em falar sobre isto (SALEH e cols., 2004). Cerca de 20 a 59% das mulheres que têm algum tipo de IU, em especial a IUE, procuram tratamento (GUARISI e cols., 2001; SIRACUSANO e cols., 2003), havendo forte relação com a freqüência e intensidade da perda, ou seja, aquelas que têm perdas mais severas são as que buscam assistência (BURGIO e cols., 1991).
Segundo alguns autores (TEMML e cols., 2000) o impacto da IU sob diferentes aspectos na qualidade de vida pode ser categorizada em: normal, leve, moderado e problema severo. Em um estudo com 1.262 mulheres na faixa etária de 50 anos, 47,4% das mulheres consideravam a perda urinária como um problema leve, 11,6% como um problema moderado e 6,7% como problema severo. Cerca de 34,3% não apresentavam alteração na qualidade de vida, demonstrando a variação individual da percepção frente a perda urinária.
Existem na literatura inúmeros questionários que abordam a qualidade de vida, sendo utilizados como instrumentos de forma genérica ou específica. Um dos questionários genéricos, como SF-36, tem como inconvenientes suas dimensões muito gerais, que podem ser pouco sensíveis às alterações clínicas que as pacientes com incontinência venham apresentar. Já os questionários específicos têm aspectos próprios da gravidade e do impacto dos sintomas urinários na vida das mulheres e recentemente no Brasil foram traduzidos e validados dois questionários específicos, o King’s Health Questionnaire (KHQ) e o International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF) (TAMANINI e cols., 2004). O ICIQ é um questionário que pode ser aplicado ou auto-administrável, que avalia o impacto da incontinência urinária na qualidade de vida e qualifica a perda urinária das mulheres. É composto de três questões que avaliam a frequência, a gravidade e o impacto da incontinência urinária, além de um conjunto de oito itens de auto-diagnóstico relacionados às causas ou situações de incontinência urinária vivenciadas pelas mulheres.














3 RESULTADOS

Foram analisadas 71 fichas de avaliação fisioterápica de mulheres participantes do grupo de fisioterapia nos períodos do climatério e pós-menopausa. Destas, 48 apresentavam um ou mais sintomas de incontinência urinária (gráfico 1 ).

Gráfico 1: Prevalência de sintomas urinários

Das 48 mulheres participantes da pesquisa, 30 estavam na fase do climatério e 18 estavam em pós-menopausa (gráfico 2).

Gráfico 2: Prevalência de sintomas de incontinência urinária conforme a fase biológica.

Das 30 mulheres que estavam no período pós-menopáusico, 24 estavam neste período há mais de 5 anos e 6 estavam em pós-menopausa há menos de 5 anos (gráfico 3).


Gráfico 3: Prevalência dos sintomas urinários conforme o tempo de hipoestrogenismo.

Das mesmas 30 mulheres que estavam em pós-menopausa, 19 eram de etnia branca, 10 de etnia negra e 01 amarela (gráfico 4).

Gráfico 4: Distribuição da prevalência de sintomas urinários, em mulheres na pós-menopausa, conforme a etnia.

Nas 18 mulheres que estavam na fase do climatério e que apresentavam sintomas urinários, 10 eram de etnia branca e 08 de etnia negra (gráfico 5).


Gráfico 5: Distribuição da prevalência de sintomas urinários, em mulheres no período do climatério, conforme a etnia.

Destas 18 mulheres climatéricas e com sintomas urinários, 12 tiveram até 03 partos vaginais e 6 tiveram mais do que 03 partos vaginais (gráfico 6).

Gráfico 6: Antecedentes obstétricos relacionados com queixas urinárias em mulheres climatéricas.

Das 30 mulheres pós-menopausadas e com queixas urinárias, 12 tiveram até 03 partos vaginais e 18 tiveram mais que 03 partos vaginais (gráfico 7).


Gráfico 7: Antecedentes obstétricos relacionados com queixas urinárias em mulheres pós-menopausadas.

Responderam ao questionário de qualidade de vida 48 mulheres com uma média de idade de 62,1 (DP=14,3) anos, variando de 46 a 86 anos. Dezoito estavam no climatério e 30 na pós-menopausa. Quando avaliada isoladamente a questão que aborda com que freqüência a mulher perdia urina, a maioria (67%) relatou perder urina diversas vezes ao dia, 12,5% relataram uma perda diária, 12,5% referiram perda uma vez por semana ou menos e duas mulheres referiram duas perdas por semana ou perda o tempo todo (gráfico 8).

Gráfico 8: Distribuição da freqüência de perdas urinárias, segundo o relato das mulheres (n=48)
Quando investigada isoladamente a quantidade de urina que as mulheres achavam que perdiam, 18 mulheres relataram perder uma pequena quantidade, 20 mulheres relataram uma perda moderada e a minoria, 10 mulheres, achavam que perdiam uma quantidade severa de urina (gráfico 9).

Gráfico 9: Distribuição das mulheres, segundo o relato da quantidade de perda urinária (n=48).

Em relação ao quanto a perda urinária interfere na vida diária, a escala análoga visual (EAV), que varia de 0 a 10, mostrou que na grande maioria (38 mulheres) o valor atribuído foi de no mínimo 6, sendo que destas, 15 mulheres consideravam a perda urinária como um sintoma que interferia muito na vida diária, atribuindo a nota máxima que é 10. Dez mulheres atribuíram valor igual ou menor a cinco (gráfico 10).

Gráfico 10: Distribuição das 48 mulheres, segundo o valor atribuído na escala análoga visual adaptada para o grau de comprometimento social (EAV 0-10).
Observando os escores do impacto da incontinência na qualidade de vida, calculados a partir da somatória das respostas dos itens sobre a freqüência de perdas, a quantidade de perda e a interferência deste sintoma na vida diária, o gráfico 11 demonstra que dez mulheres apresentaram escores de até 11. Trinta e oito mulheres apresentaram escore 12, ou superior, sendo que apenas uma apresentou o escore 21, que representa o pior escore do impacto de qualidade de vida.

escore 0-21
Gráfico 11: Distribuição das mulheres segundo os escores do impacto da qualidade de vida (n=48).

Quando comparado o escore do impacto da qualidade de vida das mulheres num período do climatério com aquelas que estavam na pós-menopausa, observou-se uma semelhança dos valores médios dos escores que foram respectivamente de 13,9 (DP ± 5) e 14,5 (DP ± 5,1).



Gráfico 12: A média do escore na qualidade de vida das mulheres no período do climatério e pós-menopausa (n=48).

Quase todas as mulheres relataram perda urinária em mais de uma situação, sendo principalmente na tosse e/ou espirro e nas atividades físicas e/ou domésticas, responsáveis por 64,7% e 67% das queixas, respectivamente. Quase metade (48%) relatou episódios de urge-incontinência, ou seja, 23 mulheres perdiam urina antes de chegar ao banheiro. As queixas menos relatadas foram a enurese (a perda urinária durante o sono) em 8,5%, perdas sem razão óbvia em 12,5%, perda o tempo todo em 10,5% e perdas ao se vestir em 6,3% (gráfico 13). Quase todas as mulheres relataram mais de uma queixa. Apenas 12 mulheres apresentaram uma queixa isolada.



Gráfico 13: Distribuição das mulheres, segundo situações que provocam perdas urinárias (n=48).















4 DISCUSSÃO

Os diversos estudos possuem o mérito de revelar a extensão da incontinência urinária e suas implicações médicas, sociais, econômicas e psicológicas.
Sabe-se que a aceitação da incontinência varia consideravelmente, segundo diversos fatores (cultura, idade, atividade, país). Essas variações explicam o fato de que, certas mulheres subestimam sua incontinência considerando-a banal, normal, não digna de ser mencionada ou, ainda, de pessoas que, mesmo diante de um sofrimento real, não querem revelar sua incontinência. Em contrapartida, algumas pessoas superestimam o fenômeno, até na ausência de incontinência objetivamente identificável.
Não se deve esquecer que a incontinência urinária pode colocar a saúde da mulher em risco, uma vez que pode aumentar a incidência de vulvovaginites e micoses, uma vez que a urina banhando o trato genital serve de substrato para a multiplicação de vários microorganismos. Apesar de que o seu grande impacto diz respeito ao constrangimento social. Mesmo mínima, a incontinência pode ser vivenciada de forma dramática: associação com a senilidade, medo de ficar molhada, de cheirar mal, modificação dos hábitos diários e vestimentários, medo do isolamento. Mais do que a freqüência ou a extensão da incontinência, é o simples fato de ser incontinente que tem um efeito mais negativo sobre a qualidade de vida (GROSSE e SENGLER, 2002).
Os questionários de qualidade de vida específicos para incontinência constituem um valioso instrumento para todo profissional envolvido, principalmente para o fisioterapeuta (reeducador) pois permitem definir melhor a incontinência e a ação da reeducação sobre seu principal componente: o impacto social.
A qualidade de vida (QV) é um conceito multidimensional que incorpora aspectos sociais, físicos e mentais e, portanto, está relacionada com a percepção do indivíduo sobre sua condição ou doença e subseqüente tratamento (GROSSE e SENGLER, 2002). A IU e seus sintomas associados podem repercutir negativamente não só na saúde física, mas nos aspectos psico-sociais. Entretanto, o impacto destes sintomas varia e está intimamente ligado a percepção individual que cada um tem frente à severidade, tipo e quantidade de perda de urina (SWITHINBANK e ABRAMS, 1999; GROSSE e SENGLER, 2002; FULTZ e cols., 2003).
Neste estudo, observou-se que de 71 mulheres ingressantes num programa de fisioterapia em grupo, específica para as fases do climatério e pós-menopausa, mais da metade (67%) apresentavam um ou mais sintomas relacionados a incontinência urinária. Destas 48 mulheres (67%), 30 estavam no climatério e 18 estavam na pós-menopausa.
Segundo WALL (1998), na pós-menopausa a paciente está fortemente predisposta a IUE devido ao hipoestrogenismo ter efeitos significativos sobre o colágeno que compõe as fáscias, ligamentos e músculos do assoalho pélvico. Assim como pelo fato dos mecanismos responsáveis pela pressão uretral (mucosa uretral, vascularização, musculatura lisa e estriada) também serem hormoniodependentes (FRANÇA, 2000; GROSSE e SENGLER, 2002).
Para MITRANO apud MORENO (2004), para manter-se a continência urinária é importante que a pressão uretral exceda a pressão vesical tanto no repouso quanto no esforço, sendo a sua redução um dos principais fatores envolvidos na gênese da IUE. Além disso, o colágeno está bem diminuído na fáscia de mulheres com IUE.
Também observou-se que nas climatéricas mas, principalmente nas pós-menopausadas, os antecedentes obstétricos tiveram relação com a prevalência dos sintomas. Respectivamente, 33% e 60% tiveram acima de 03 partos vaginais.
PARAZZINI e cols. (2003) observaram, numa pesquisa com 1062 mulheres com diagnóstico de IUE ou Hiperatividade do Detrusor, que o parto vaginal e o trauma perineal aumentam o risco de IUE e incontinência mista.
Para BURGIO e cols. (1991); PALMA e RICETTO apud NETTO (1999); SIRACUSANO e cols. (2003) e ORTIZ (2004) a paridade elevada, os partos vaginais mal conduzidos, a redução dos hormônios circulantes (situação comum na pós-menopausa) e as alterações neurológicas ou bioquímicas da parede vesical, muitas vezes associadas ao processo de envelhecimento, são fatores importantes que afetam a integridade das estruturas responsáveis pelo mecanismo da continência.
Observou-se que tanto as mulheres climatéricas (60%) quanto as pós-menopausadas (64%) da cor branca tiveram mais queixas urinárias quando comparadas com mulheres da cor negra ou amarela.
Para DEMATTÉ e cols. (2000) tanto a idade quanto biotipo constitucional, etnia, estados endócrinos e antecedentes obstétricos estão relacionados com a IUE.
Mc LENANN e cols. (2000) relatam que a prevalência da incontinência urinária aumenta com a paridade e é maior na raça branca.
Também para GRODSTEIN e cols. (2003), mulheres brancas entre 50 e 75 anos de idade, multíparas têm maior prevalência de incontinência urinária quando comparadas a mulheres negras com as mesmas características.
AVIS e cols. apud DE LORENZI (2005) demonstraram, num estudo sobre sintomatologia climatérica, que mulheres japonesas e chinesas apresentaram menos sintomas urinários e vasomotores quando comparadas com as afro-americanas; já as hispânicas referiram mais perda urinária e secura vaginal.
GIRÃO (2002) afirma que os efeitos do hipoestrogenismo no trato urinário encontram justificativa na embriogênese comum a vagina, a partir do seio urogenital. Sendo assim, ambas as estruturas respondem à ação dos esteróides sexuais por apresentarem receptores hormonais.
Segundo AMARO (2003), a espessura dos músculos do assoalho pélvico parece diminuir com a idade e conseqüentemente ocorre um decréscimo na força muscular. Com a utilização de ultrassonografia em mulheres incontinentes, constatou-se que houve hipertrofia muscular e desaparecimento na diferença de espessura dessas fibras, quando comparado com um grupo de mulheres continentes.
O tecido conjuntivo é composto por fibroblastos e matriz extracelular contendo colágeno, proteoglicanos, glicosaminoglicanos e fibras elásticas. De acordo com a teoria integral, de Petrus Ulmsten, a frouxidão das estruturas de suporte pode ser responsável pelo surgimento da incontinência urinária. Em muitos estudos observou-se que alterações quantitativas e qualitativas do colágeno nos aparelhos de suspensão e sustentação, formando fibras menos elásticas que suportam menos tensão e estiramento (FALCONER e cols., 1998 apud GIRÃO, 2005).
Ainda FALCONER e cols. (1996) apud GIRÃO (2005) relataram maior quantidade de colágeno no tecido peri-uretral em mulheres na pós-menopausa, além de alterações qualitativas, com aumento de ligações cruzadas, o que tornaria o tecido menos elástico.
Sabendo que o hipoestrogenismo, em meninas, é uma das causas de infecções recorrentes do trato urinário inferior, BOSCOLLO e cols. (2000) utilizaram estrógeno conjugado tópico na vulva, durante 30 dias, em 12 meninas. Onze ficaram livres de infecções e tiveram aumento do calibre anatômico da uretra, melhorando a dinâmica miccional e a resistência uretral às bactérias. Realizaram follow-up semanalmente (com cultura de urina) por 3 meses e mensalmente por até 4 anos.
Observou-se que quase todas as mulheres relataram perda urinária em mais de uma situação, sendo principalmente na tosse e/ou espirro e nas atividades físicas e/ou domésticas, responsáveis por 64,7% e 67% das queixas, situações comumente relatadas na literatura (ORTIZ, 2004).
Observou-se ainda que a maioria das mulheres referiu que a freqüência das perdas urinárias eram várias vezes ao dia prevalecendo as queixas de pequena e moderada quantidade de perda. Segundo TEMML e cols. (2000) o maior volume e número de perdas de urina estão diretamente relacionados com a pior qualidade de vida. Provavelmente isso está relacionado à maior necessidade de uso de absorventes e de trocas mais freqüentes de roupas.
No questionário utilizado, quanto maior o escore, maior o impacto da incontinência na vida da mulher. Observando isoladamente os escores, a maioria das mulheres apresentou escore 12 como mínimo, e apenas uma apresentou escore máximo, que corresponde a 21. Esse dado é traduzido em qualidade de vida negativa por alterações de hábitos diários, vestimentário, privações de atividades sociais por medo de perder urina. Uma mulher atribuiu valor zero, talvez por melhor tolerância, ou vida menos ativa ou maior aceitação por considerar a incontinência normal e inevitável (GROSSE e SENGLER, 2002).
Quando comparada a média dos escores do impacto da qualidade de vida das mulheres no período do climatério com aquelas que estavam na pós-menopausa, observou-se uma semelhança dos resultados. Isso sugere que em ambos os grupos, independente da queda hormonal avançada, a incontinência representa uma situação que gera um grande impacto na qualidade de vida. A menopausa é o período em que ocorre diminuição dos níveis estrogênicos endógenos, também é vista como um fator de risco para incontinência urinária e a severidade das perdas. Cabe ainda ressaltar que as mulheres mais idosas, na menopausa, mesmo acreditando que a IU faça parte do envelhecimento, muitas vezes consideram a perda urinária como um fator limitante e que provoca incômodo, além de reações adversas pelo cheiro de urina (HUNSKAAR e VINSNESS, 1991).
Pelo grande impacto da IU na vida das mulheres, o profissional de saúde deve comprometer-se com a melhora da auto-estima e resolução do isolamento social da paciente, orientando-a em seu restabelecimento. Atualmente, diversos recursos estão disponíveis para o tratamento cirúrgico ou conservador da IU. A principal abordagem conservadora é o tratamento fisioterápico, que tem demonstrado bons resultados, aliviando significativamente as perdas urinárias além de melhorar a qualidade de vida (MORENO, 2004). WANG e cols. (2003) relataram importante e significativa melhora de QV em mulheres que haviam sido submetidas ao tratamento fisioterápico para bexiga hiperativa.
LEON (2001) demonstrou que 50% das mulheres sentiram-se curadas, 46,4% melhoraram e 3,6% ficaram inalteradas após tratamento com cinesioterapia associada a um programa de educação em saúde.
No momento em que a promoção da saúde, independente da faixa etária, sexo, condição sócio-econômica, vem sendo incentivada, haja visto pelo crescente número de doenças crônico-degenerativas que conduzem o indivíduo a situação de morbidade, a incontinência urinária ganha destaque, por ser considerada, em muitos países , como um problema de saúde pública que requer ações educativas em saúde e atendimento específico, seja individual ou em grupo, compondo um leque de estratégias preventivas ou curativas. O atendimento feito por uma equipe multiprofissional ou interprofissional avalia e orienta quanto aos tratamentos disponíveis – dentre os conservadores a fisioterapia – objetivando a prevenção e a cura de tais alterações refletindo, indiscutivelmente, na melhora da qualidade de vida das mulheres.





























5 CONCLUSÕES



1. A incontinência urinária teve alta prevalência no grupo pesquisado.
2. A incontinência urinária provoca grande impacto na qualidade de vida das participantes.
3. Fatores como hipoestrogenismo, etnia e antecedentes obstétricos tiveram relação com os sintomas urinários.
4. Perdas urinárias várias vezes ao dia foram as mais apontadas, seguidas por freqüência de perdas 1 vez ao dia e 1 vez na semana.
5. A quantidade de urina perdida, relatada pela maioria das mulheres, foi pequena e moderada.
6. A perda urinária interferiu no cotidiano da maioria das mulheres.
7. As situações mais comuns de perda urinária foram na tosse e/ou espirro e nas atividades físicas e/ou domésticas.
















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Autor: EDSON COSTA


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