Síncope



Autores: Ricardo Garbe Habib, Dalmo Antonio R. Moreira, Luis Roberto de Moraes, Rogério B. Andalaft, Carlos Aníbal Sierra Reis, Julio César Gizz

Síncope é definida como perda transitória da consciência, com impossibilidade de manter o tônus postural, seguida de recuperação espontânea, devido a uma hipoperfusão cerebral global e transitória.

Segundo um estudo de Framingham que avaliou uma população com seguimento por 26 anos, a síncope ocorre pelo menos uma vez em 3% dos homens e em 3,5% das mulheres, e sua prevalência aumenta progressivamente com a idade.

Pode ser responsável por 3% a 5% das consultas em pronto socorro e 1% a 3% das admissões hospitalares.

Os mecanismos desencadeantes são múltiplos, podendo se desde os mais benignos, como são as neuromediadas, até os de maior mortalidade (de 18% a 33 %) que são os associados às cardiopatias estruturais ou arritmias cardíacas .

O diagnóstico diferencial é importante, para aliviar a ansiedade dos pacientes e familiares, definir a estratégia terapêutica correta, a fim de melhorar a qualidade de vida e, conforme a causa, diminuir a mortalidade. Na tabela 1 são apresentados a classificação e as principais causas de causas de síncope.



Tabela 1 – Classificação - causas de síncope

Síncope neuralmente mediadas

• Síncope vasovagal

• Síncope por hipersensibilidade do seio carotídeo

• Sínope situacional

- hemorragia aguda

- tosse, espirro

- estimulação gastrintestinal (defecação, dor visceral, deglutição)

- pós-miccional

- pós-exercício

- pós-prandial

- outras (tocar instrumento de sopro)

• Neuralgia do glossofaríngeo

Hipotensão ortostática

• Falência autonômica

- primária (falência autonômica pura, atrofia múltiplo sistêmica, Doença de Parkinson com falência autonômica).

- secundária (ex., neuropatia diabética, neuropatia por amiloidose)

- pós-exercício

- pós-prandial

• Drogas e álcool

• Depressão volumétrica

- hemorragia, diarréia, doença de Addison

Arritmias cardíacas como causa primária

• Doença do nó sinusal (incluindo bradicardia e taquicardia)

• Doença do sistema de condução atrioventricular

• Taquicardias paroxísticas supraventricular e ventricular

• Síndromes hereditárias (ex: síndrome do QT longo e síndrome de Brugada)

• Mal-funcionamento de dispositivos implantáveis (ex: CDI e marcapasso)

• Drogas induzindo pró-arritmias

Cardiopatia estrutural ou doenças cardiopulmonares

• Doença cardíaca valvar obstrutiva

• Isquemia / infarto agudo do miocárdio

• Cardiomiopatia obstrutiva

• Mixoma atrial

• Dissecção aórtica aguda

• Doença pericárdica / tamponamento

• Embolia pulmonar / hipertensão pulmonar

Cerebrovascular

• Síndromes do roubo vascular

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Síncope Vasovagal é o tipo mais comum de síncope neuralmente mediada. Sua ocorrência está relacionada a um reflexo exacerbado (reflexo de Besold-Jarisch) que provoca uma queda da pressão arterial devido à vasodilatação, com ou sem bradicardia importante. Este reflexo é desencadeado por estresse ortostático ou emocional, e geralmente, é precedido de pródromos como: náuseas, palidez cutânea e sudorese. Tende a ter história clínica mais prolongada, e não estar associada a uma cardiopatia estrutural.

A síncope cardíaca está associada aos bloqueios atrioventriculares, taquiarritmias, ou dificuldade do coração em aumentar o débito cardíaco em situações de maior demanda. Geralmente tem início súbito e ausência de pródromos, podendo ocorrer em supino ou durante o exercício. Em alguns casos, a perda da consciência não é completa, podendo estando associada a sudorese, palpitações e dor precordial. A presença de cardiopatia estrutural e história familiar de morte súbita, podem sugerir sua ocorrência.

Hipotensão ortostática é definida como queda na pressão arterial sistólica de pelo menos 20 mmhg, ou abaixo de 90 mmhg , com três minutos de ortostatismo ou mais, quando realizado teste de inclinação ortostática. Pode ser causada por doença do sistema nervoso autônomo (disautonomia), que se caracteriza principalmente por déficit nos mecanismos de vasoconstricção ou mais freqüentemente, por medicações como, vasodilatadores e diuréticos e depleção volumétrica. Pode ser sintomática ou não. Quando sintomática, os pacientes podem apresentar: tontura, visão turva, fadiga, fraqueza, náuseas, palpitações, tremores, alteração cognitiva, estando os mesmos em posição ortostática.

Diagnóstico: Numa avaliação inicial o diagnóstico baseia-se em: história clínica, exame físico e eletrocardiograma de 12 derivações, incluindo aferição da pressão arterial deitado e após 3 a 5 min em pé, de modo a diagnosticar hipotensão ortostática. Pacientes que nesta avaliação tiverem forte presunção diagnóstica de síncope neuromediada, com exame físico e eletrocardiograma normais, podem ser tratados e, em caso de dúvida, quando os episódios forem freqüentes ou severos, solicitar avaliação com teste de inclinação ortostática e manobra do seio carotídeo. Se os episódios forem raros ou únicos, não necessitam de outras avaliações. Os pacientes que tiverem evidências de cardiopatia e/ou alterações eletrocardiográficas, devem ir para uma investigação cardiológica completa. Vide Figura 1









Eletrocardiograma: Na avaliação de pacientes com síncope devemos nos ater a algumas alterações relevantes, como, bradicardia sinusal assintomática (<50 bpm), bloqueio sino-atrial ou pausa sinusal maior que 3 segundos, bloqueio bi-fascicular, outras anormalidades da condução intraventricular (duração do QRS  120 ms), bloqueio átrio-ventricular de segundo grau Mobitz I ou Mobitz II, bloqueio átrio ventricular de grau avançado ou total, síndrome do QT longo, pré-excitação ventricular (Wolff-Parkinson-White), sinais de isquemia ou infarto, síndrome de Brugada, sinais de displasia arritmogênica de ventrículo direito.

Teste de Inclinação Ortostática: No setor de eletrofisiologia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC), o teste de inclinação ortostática (TI) usado para adultos obedece a um protocolo curto com sensibilização. Inicia-se com 5 minutos em decúbito horizontal, para obtenção de pressão arterial e freqüência cardíaca basal, com posterior inclinação em 70 graus por 45 minutos, realizando-se sensibilização com mononitrato de isossorbida 1,25 mg sublingual no trigésimo minuto de inclinação. Para os adolescentes e crianças, devido a positividade do exame ser maior, realizamos, inicialmente, o protocolo sem sensibilização, com inclinação em 70 graus por 45 minutos. Devemos ressaltar que o teste de inclinação nesta faixa etária, se associa a maior número de resultados falsos positivos. O exame é considerado positivo, mediante a provocação de síncope. Em geral, temos queda significativa da pressão arterial que é de maneira súbita nas respostas tipo vasovagal que podem ser do tipo: mista, cardioinibitória ou vasodepressora, e queda lenta e gradual da pressão arterial na hipotensão postural. A queda da freqüência cardíaca ocorre de maneira diferente conforme estes tipos de resposta - vide Figura 2.

Massagem do seio carotìdeo: realizada em pacientes com idade maior que 40 anos, sem cardiopatia estrutural, diagnostica hipersensibilidade do seio carotídeo, quando se observa pausa ventricular maior que 3 segundos ou queda na pressão arterial sistólica  50 mmhg medida até 5 segundos após massagem. A manobra consiste em compressão unilateral da artéria carótida por 5 a 10 segundos, na margem anterior do músculo esternocleidomastoídeo próximo da cartilagem cricóide. Massageamos à direita e à esquerda com 1 a 2 minutos de diferença, com paciente em posição supina. O procedimento deve ser evitado em presença de sopro carotídeo ou doença aterosclerótica severa das artérias.









Figura 2. Tipos de resposta ao teste de inclinação ortostática. A) – Esquema do padrão de resposta da síncope neurocardiogência do tipo mista. Na figura são apresentados os comportamentos da pressão arterial sistólica e da freqüência cardíaca. Observar a direita do gráfico, que ocorre subitamente queda significativa de ambas no decorrer do tempo de inclinação a 70 graus. B) - Esquema do padrão de resposta da síncope neurocardiogência do tipo vasodepressora. Observa-se a esquerda do gráfico, queda súbita da pressão arterial, com discreta queda da freqüência cardíaca. C) - Esquema do padrão de resposta da hipontensão ortostática. Observa-se queda gradual e progressiva da pressão arterial durante a inclinação em 70, sem alteração significativa da freqüência cardíaca. D) - Esquema do padrão de resposta do teste de mesa inclinada de taquicardia postural ortostática. Ocorre queda gradual e progressiva da pressão arterial em inclinação a 70 , com aumento da freqüência cardíaca até 120 batimentos por minuto.

Ecocardiograma: exame útil para confirmar a presença ou não de cardiopatia estrutural.

Teste ergométrico: Pode ser utilizado para descartar coronariopatia ou identificar o mecanismo se a síncope ocorre ao esforço.

Holter 24 hs: baixa probabilidade de diagnóstico, pois geralmente os episódios sincopais são infreqüentes.No entanto, pode nos orientar no sentido da presença de arritmias complexas em pacientes com cardiopatia.O monitor de eventos (“looper”) geralmente, é mais útil, pois permite diagnóstico eletrocardiográfiico mediante a ativação pelo paciente e, em geral, orienta-se utilizar este sistema por um mês. A limitação do exame é a dificuldade do paciente em ativar o gravador.

Monitor de eventos implantável: é utilizado quando a síncope é extremamente infreqüente. Sua implantação é subcutânea, podendo registrar eventos por 12 a 18 meses, mediante a ativação pelo paciente ou familiares.

Estudo eletrofisiológico: este exame é feito primariamente em pacientes visando avaliação de bradiarritmias e a indução de taquiarritmias, principalmente ventriculares, em pacientes com disfunção sistólica ou outras alterações eletrocardiográficas.

Teste de adenosina: consiste na administração de 20 mg em bolus de adenosina, mediante a monitorização eletrocardiográfica. O resultado positivo consiste em assistolia maior que 6 segundos, ou bloqueio AV maior que 10 segundos. O exame é indicado como último recurso de investigação, e sua correta interpretação ainda é questionada (indicação classe III).

Tratamento:

Síncope Vasovagal – Uma vez feito o diagnóstico, devemos orientar o paciente da benignidade do quadro, sendo relativamente freqüente na população e que na maioria das vezes, as recidivas são infreqüentes. Orientar para evitar situações desencadeadoras observadas na história clínica de cada paciente, por exemplo, permanecer em pé por períodos prolongados, evitar desidratação, modificação ou descontinuação de tratamento com drogas vasodilatadoras e diuréticos etc.

Esclarecer o paciente para reconhecer os pródromos e, na ocorrência destes, adotar a posição supina ou cruzar as pernas com compressão, abortando a síncope. Estas medidas são suficientes para a maioria dos pacientes.

Em casos em que a síncope é muito freqüente, ou não está relacionada com pródromos (expondo o paciente a risco de lesão corporal), ou quando a síncope ocorre durante realização de atividades de risco como: dirigir, operar máquinas, praticar esportes, pilotar avião. Devemos então adotar uma estratégia de tratamento mais agressiva. Esta estratégia inclui:

1- Expansão volumétrica com aumento da ingestão de sal.

2- Tilt sleeping em síncope postural (elevar os pés da parte superior da cama com ângulo maior que 10 graus, que se obtém com elevação de 20 a 25 centímetros).

3- Programa com exercícios moderados.

4- Tilt training – O tilt training é realizado no setor de eletrofisiologia do IDPC, mais freqüentemente em pacientes com quadro clínico refratário, ou nos motivados. Consiste em um treinamento ortostático e a aderência ao tratamento é dificultada pela necessidade deste ser realizado diariamente, caso contrário, implica em recorrência da síncope. A metodologia usada consiste, inicialmente, em realizações diárias de inclinação intra-hospitalar (mesa de teste de inclinação em 70º), sendo sua duração no primeiro dia de 10 minutos e acréscimo de dez minutos ao dia até o quinto dia. Se tivermos síncope, retornamos imediatamente a mesa. Uma vez tolerado os 50 minutos de inclinação, o paciente é orientado a fazer sessões domiciliares no qual fica em pé com os ombros encostados na parede e tornozelos juntos à distância de 15 centímetros da parede. Este treinamento será feito duas vezes ao dia por 40 minutos, em lugar seguro, protegido com almofadas e amparado por um familiar.

5- Medicamentos - Há muita controvérsia a respeito destes, pois ainda não temos comprovação da eficácia terapêutica em grandes trabalhos randomizados. Os medicamentos mais usados são: betabloqueadores (atenolol e propranolol), fludrocortisona, paroxetina, e midodrina (embora esta tenha efeitos mais comprovados, tem uso dificultado pelo seu custo e não estar disponível no Brasil). Mostraremos na tabela 2 doses, efeitos e mecanismos de ação.

6- Marcapasso – pode ser benéfico em pacientes com síncopes neuromediadas com componente cardioinibitório proeminente e refratária ao tratamento clinico, mas seu uso é controverso.









Hipotensão postural: Em pacientes jovens, pode ser devido à disautonomia. Se não tiver história de hipertensão arterial, aumentar a ingesta de água e sal e o uso de midodrina ou fludrocotisona pode ser útil (vide tabela 2). Os pacientes idosos muitas vezes devem ser controlados se portadores de doenças sistêmicas como diabetes mellitus. Deve-se reavaliar medicação em uso pelo paciente como vasodilatadores e diuréticos que podem provocar hipotensão postural. Podemos recomendar o uso de meias elásticas. Fludrocortisona e midodrina podem ser usadas e com estes, a pressão arterial deverá ser monitorizada cuidadosamente em pacientes hipertensos.

Bradiarritmias: O uso de marcapasso geralmente é recomendado para bradiarritmias sintomáticas desde que o paciente não esteja em uso de medicação bradicardizante.

Arritmias Supraventriculares: quando estas desencadeiam síncope, principalmente em pacientes com WPW, indica-se ablação por radiofreqüência.

Arritmias Ventriculares: Em pacientes com síncope e cardiopatia estrutural, uma possível causa pode ser taquiarritmia ventricular. A documentação de taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular, quer seja espontânea ou induzida ao estudo-eletrofisiológico, geralmente, levam à indicação de cardioversor desfibrilador implantável (CDI). Em pacientes no qual este procedimento não é indicado, a terapia com amiodarona é uma opção. Devemos sempre avaliar antes da implantação de um CDI ou medicação antiarritmica a possibilidade de correção da cardiopatia de base, tal como revascularização miocárdica em isquêmicos, aneurismectomia em pacientes com aneurisma, correção de estenose aórtica etc.

Referências Bibliográficas

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Autor: Dalmo Antonio Ribeiro Moreira


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