PERIODONTOPATÓGENOS ASSOCIADOS COM A VULNERABILIDADE AO DESENVOLVIMENTO DE VALVOPATIAS E CARDIOPATIAS



Doença periodontal pode ser definida como uma alteração patológica de caráter inflamatório dos tecidos gengivais (gengivite), que pode ou não progredir para o periodonto de sustentação resultando em perda de inserção dentária (periodontite), provocada pelo acúmulo local de biofilme dentário.

Newman (1998), descreveu muitos fatores de risco que estão associados com o desenvolvimento ou progressão da periodontite em adultos. Fatores de risco controláveis incluem o hábito de fumar, o estresse, uma higiene oral precária e visitas não freqüentes ao dentista. Existem fatores de risco não controláveis associados com a periodontite, incluindo hereditariedade, doenças sistêmicas e idade. O componente genético não causa a doença, contudo ele torna os pacientes mais susceptíveis a um início ou a um desenvolvimento mais grave da patologia periodontal.

A doença periodontal, em especial as periodontites, tem alcançado destaque hoje na área médica através da identificação, iniciada na década de 90 do século passado, de conexões ligando esta doença a condições sistêmicas. Não mais somente com estas condições sistêmicas interferindo no curso da doença periodontal como fatores modificadores, mas com a periodontite podendo interferir em doenças e condições sistêmicas tais como a gravidez, elevando o risco de parto prematuro de bebês de baixo peso, doenças respiratórias, diabetes e doenças cardiovasculares.

Cohen (1998) afirma que à medida que os dentistas aumentam seu conhecimento sobre a ligação entre a doença periodontal e outras doenças sistêmicas, eles são responsáveis por prevenir estas condições sistêmicas através da prevenção e/ou tratamento da doença periodontal.

O objetivo deste estudo é discutir, a partir de dados encontrados na literatura, o mecanismo envolvido no inter-relacionamento entre a doença periodontal e as doenças cardiovasculares.

Revisão da Literatura
Doenças Cardiovasculares
Para Moriguchi e Vieira, em 1999, aterosclerose (do grego athero = material pastoso mole e sclerosis = endurecimento), consiste no fenômeno observado na obstrução das artérias de médio e grande calibres e, é a principal causa de incapacidade e morte entre os adultos no mundo ocidental. Ela não é apenas uma doença por si só, é o principal fator causal na patogênese da doença arterial coronária, de doença cerebrovascular e da vasculopatia periférica nos membros inferiores. Esses pesquisadores caracterizam a aterogênese como um processo dinâmico e progressivo que se inicia nos primeiros anos de vida e cujas manifestações clínicas ocorrem, em sua maioria, após a meia idade.

Santos Filho, em 2000, caracteriza a aterosclerose como uma doença degenerativa, progressiva, aonde os componentes trombóticos e inflamatórios de baixa intensidade têm papel importante. As pesquisas determinaram que a inflamação exerce um papel muito importante na aterosclerose. A infecção e inflamação são dois novos fatores de risco para doenças arterial coronária por ativar citocinas inflamatórias como a IL-1 (interleucina-1) e o TNF (fator de necrose tumoral). Essas estimulam monócitos, lesam o endotélio, aumentam a adesão plaquetária, reduzem a antitrombina III e afetam o sistema fibrinolítico. Nesse mesmo artigo os autores citam que a aterosclerose é marcada por estimulação inflamatória crônica de baixa intensidade. Naqueles indivíduos em que ela é mais evidente, o risco de doença arterial coronária é aparentemente maior.

Para Lowe em 2001, as doenças cardiovasculares permanecem sendo a principal causa de morte e incapacitação em países desenvolvidos, tendo como fatores de risco conhecidos o hábito de fumar, a hipertensão, o diabetes, a obesidade, os altos índices de colesterol no sangue e o sedentarismo. O autor chama a atenção para os eventos inflamatórios envolvidos na patogenia das doenças cardiovasculares. Estes processos incluem a liberação de citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6 e TNF-α) pelos monócitos, linfócitos e células endoteliais, expressão de moléculas de adesão (E-selectina, P-selectina, ICAM-1 e VCAM-1), produção aumentada de leucócitos polimorfonucleares e plaquetas pela medula óssea, um processo mediado pela IL-6 que também atua num outro evento que é a elevação da síntese hepática de substâncias como a Proteína C-reativa (cujo aumento tem sido descrito como fator de risco para doenças cardiovasculares por atuar no processo da trombogênese) e o fibrinogênio (que aumenta a viscosidade do sangue). Agentes infecciosos como a Chlamydia pneumoniae e Helicobacter pylori têm sido, em estudos epidemiológicos, associados com maiores riscos de doenças cardiovasculares, assim como em pacientes com elevados índices de perdas dentárias e infecções periodontais crônicas.
Libby (2002), em excelente revisão sobre o papel dos processos inflamatórios na aterosclerose, afirma que as infecções, além de terem sua ação localmente nos vasos, podem atuar à distância. Quando o corpo combate uma infecção, mediadores inflamatórios podem cair na corrente sanguínea e serem levados para lugares distantes. Essas substâncias são capazes de estimular os glóbulos brancos nas placas ateromatosas, levando assim ao crescimento ou ao rompimento das placas. As partículas do LDL (lipoproteínas de baixa densidade), compostas de moléculas lipídicas e proteínas transportam o colesterol, dos locais onde é formado (fígado e intestinos), para as demais partes do organismo, onde terá a função de reparar membranas ou de produzir esteróides. Existem indicações de que o problema começa quando o LDL do sangue se acumula na íntima, a camada mais interna da parede arterial. Em concentrações razoáveis, o LDL presente no sangue pode entrar e sair da íntima, mas em quantidades excessivas, ele tende a prender-se à matriz extracecular deste tecido. Conforme essa lipoproteína vai se acumulando, seus lipídios sofrem oxidação e as proteínas sofrem oxidação por um processo de ligação por meio de açúcares. As células endoteliais interpretam as mudanças como sinais de perigo e ativam sistemas de defesa do corpo expondo moléculas de adesão que ligam-se aos monócitos circulantes. O LDL, agora modificado, faz com que as células do endotélio e as células musculares da íntima secretem fatores quimiotáticos para os monócitos, que transformam-se em macrófagos ativos, e os linfócitos T. Os macrófagos fagocitam então o LDL modificado até ficarem tão repletos de gotículas de gorduras que são chamados pelos patologistas de macrófagos espumantes. Juntas, estas duas células iniciam a formação da placa que irá futuramente desfigurar o vaso. Como ocorre em todos os processos inflamatórios que evoluem para reparo, os macrófagos liberam citocinas e fatores de crescimento que regulam o processo cicatricial, porém neste caso o processo resulta na modificação da parede do vaso formando e, posteriormente, aumentando a placa.

Apenas em 15% dos casos de infarto ou derrame, o crescimento da placa é responsável por si só pela interrupção do fluxo sanguíneo, no restante dos casos, os infartos ocorrem após o rompimento das placas, com a abertura da sua tampa fibrosa levando à formação de um coágulo. A integridade desta tampa fibrosa depende do colágeno. Quando ocorre uma inflamação, os macrófagos produzem enzimas que degradam o colágeno, além disso, as placas inflamadas liberam substâncias que inibem as substâncias fibrinolíticas do sangue, facilitando a formação dos coágulos. No que o autor chama de “efeito eco”, ao combater infecções à distância, o organismo libera mediadores inflamatórios que ao caírem na corrente sanguínea são levados a lugares distantes podendo atuar nos macrófagos nas placas levando ao seu crescimento e rompimento pelos processos já descritos. Com relação à detecção de fatores de risco, o autor chama a atenção para chamada proteína C-reativa. Sua presença no sangue indica que há uma inflamação em alguma parte do corpo e níveis muito altos têm indicado aumento no risco de infarto ou derrame.

Doença Periodontal X Alterações Cardiovasculares
Loesche, em 1997, cita em seu artigo que bacteremias freqüentes de baixa intensidade seriam benéficas pelo estímulo ao sistema imunológico, fazendo com que diante de outra bacteremia de maior intensidade o organismo já esteja sensibilizado. Porém, diante de infecções mais severas, um número bem maior de microrganismos ganharia acesso à circulação, o que poderia levar à produção de citocinas inflamatórias, o que constitui um fator de risco para aterosclerose e alterações cardiovasculares.
De acordo com Genco e Zambon, em 1998, existem vários mecanismos que podem ligar a doença da artéria coronária com a doença periodontal. O primeiro é a hipótese de trombo bacteriano. A agregação de plaqueta pode ser causada por colágeno e trombina, bem como por dois microrganismos encontrados na cavidade oral, o Streptococcus sanguis e o Porphyromonas gingivalis. Os autores recentemente fizeram um estudo sobre a relação entre a doença cardiovascular, doença periodontal e mediadores de células inflamatórias, incluindo a proteína C-reativa. Para isso foram reunidos grupos de adultos que não tinham doença periodontal nem doença cardiovascular, tinham uma dessas doenças ou ambas. Nos pacientes com nenhuma das doenças o nível médio de proteína C-reativa era de 1,14g/ml, enquanto que naqueles que tinham tanto doença cardiovascular quanto periodontal era de 8,7g/ml, uma diferença estatística significativamente alta. Depois foi demonstrado que o tratamento da doença periodontal causava, em três meses, uma redução de 65% no nível de proteína C-reativa, sendo que esse nível ficava reduzido por seis meses. Isso sugere que a doença periodontal induz a proteína C-reativa e possivelmente outros mediadores inflamatórios, os quais são conhecidos por serem fatores de risco independentes para cardiopatia.
Haraszthy et al., em 2000, relatam que testes genéticos de identificação microbiana aplicados em 50 ateromas revelaram que 44% eram positivos para o DNA de pelo menos um dos patógenos periodontais testados (Bacteroides forsythus, Porphyromonas gingivalis, Actinobacillus actinomycetemcomitans e Prevotella intermedia). Os autores acreditam que tais bactérias, conduzidas pelo sangue, instalam-se nas paredes vasculares e podem participar da patogenia das ateroscleroses.
Em uma excelente revisão sistemática com enfoque em estudos epidemiológicos associando a doença periodontal e as doenças cardiovasculares publicada em 2001, Beck e Offenbacher afirmam que de 44% a 57% dos adultos apresentam periodontite moderada enquanto que 10% apresentam periodontite severa. O mecanismo proposto pelos autores para a ligação entre as duas doenças envolve a bacteremia pelos patógenos periodontais e seus antígenos e endotoxinas e a liberação de citocinas inflamatórias capazes de participar no processo da aterogênese e dos eventos tromboembolíticos. Os estudos epidemiológicos citados no artigo demonstram valores de Risco Relativo (RR) e Odds Ratio (OR) de 1,2 até 6,9 dependendo do índice usado para caracterizar a doença periodontal e dos eventos tidos como identificadores de doenças cardiovasculares utilizados em cada estudo. Estudos enfocando a associação entre eventos como infarto do miocárdio e presença de patógenos periodontais encontraram valores de OR acima de 2,5 para presença de patógenos altamente associados à periodontite como o P. gingivalis e B. forsythus. Em estudos sobre os fatores do hospedeiro, sinais de doença periodontal têm sido associados com níveis elevados de Proteína C-reativa, espessamento e calcificação das paredes da carótida.
Herzberg, em 2001, propõe um papel dos agentes infecciosos na coagulação como um mecanismo de ligação entre a periodontite e as doenças cardiovasculares. Este mecanismo pode ocorrer de forma indireta através da elevação da atividade do Fator Tecidual (Tissue Factor – TF) nos monócitos e células endoteliais causados pela presença de substâncias pró-inflamatórias, lipídios oxidados, microorganismos e produtos bacterianos como os lipopolissacarídeos. O TF ativa a cascata da coagulação através da produção da trombina. A cascata da coagulação pode ser ativada também diretamente por enzimas bacterianas como as liberadas pelo P. gingivalis capazes de ativar os fatores IX e X. P. gingivalis e S. sanguis demonstraram capacidade de induzir agregação plaquetária in vitro.

De Nardin, em 2001 comenta a correlação entre a doença periodontal e as doenças cardiovasculares chamando a atenção para o papel dos mediadores inflamatórios e imunológicos. Segundo o autor, a elevação dos níveis de Proteína C-reativa tem sido associada positivamente com o infarto agudo do miocárdio e a morte súbita por problemas relacionados ao coração. Fato que qualifica a Proteína C-reativa, substância encontrada em altos níveis em indivíduos com doença periodontal bem como com grandes contagens de patógenos periodontais, como um fator de risco independente para doenças coronarianas e do coração. O mesmo ocorre com a Interleucina-1 (IL-1) cujos níveis elevados já foi detectado tanto na periodontite quanto na formação de placas ateroscleróticas. O Fator de Necrose Tumoral-α (TNF-α) um dos mais importantes mediadores inflamatórios presentes na doença periodontal, tem demonstrado aumentar a síntese de triglicerídeos pelo fígado e estão presentes nas placas ateroscleróticas indicando um papel na formação destas. O fibrinogênio também tem seus níveis aumentados nas infecções, incluindo a doença periodontal e também é considerado um fator de risco para infarto no miocárdio.
Lorenzo e Lorenzo, em 2002, afirmam em seu artigo que desde o início do século XX foi estabelecido que lesões infecciosas situadas na boca, principalmente a periodontite severa constituem fatores de risco para o desenvolvimento de endocardite infecciosa. Estudos recentes têm sugerido que a doença periodontal severa predispõe a patologias vasculares, como a arteriosclerose, que podem evoluir para isquemia e infarto do miocárdio. Em função do aumento da vascularização e da ulceração do epitélio, bactérias periodontopatógenas e seus produtos tóxicos, como as endotoxinas (LPS) das Gram-negativas, podem alcançar a corrente sanguínea e instalar-se no endotélio vascular. O resultado disso seria uma forte resposta inflamatória, com grande aporte de células de defesa que liberam grandes quantidades de PGE2 e de várias citocinas, como as IL-1, IL-6 e o TNF. Esses mediadores inflamatórios favorecem o acúmulo e a penetração de monócitos e outros leucócitos na parede vascular, a proliferação da musculatura lisa, a degeneração gordurosa e a coagulação intravascular, levando à formação de trombos. Segundo esses mesmos autores, muitas amostras de Streptococcus sanguis e de Porphyromonas gingivalis são trombogênicas, portanto, induzem ao acúmulo de plaquetas e fibrina nas valvas cardíacas e, provavelmente, nas paredes vasculares.
Para Toledo et al., em 2002, é preciso considerar que as doenças periodontais têm um importante componente comportamental em sua etiopatogênese, uma vez que a má higiene bucal pode indicar indivíduos com hábitos não compatíveis com saúde, isto é, que apresentam outros fatores de risco para as doenças cardiovasculares, como dieta inadequada, elevado nível de estresse, ausência de esforço físico regular e hábito de fumar. Mais ainda, todas as avaliações da presença de sinais de destruição periodontal, sejam estas realizadas por meio de índices específicos, têm caráter retrospectivo, não indicando a presença e/ou severidade da infecção microbiana, a qual pode não mais existir, podendo levar a “falsos positivos”.


Discussão

Os fatores de risco clássicos para alterações cardiovasculares, representados pela hipertensão, hipercolesterolemia e o fumo são responsáveis por dois terços da incidência das doenças que afetam o coração. É importante perceber que vários dos fatores de risco para alterações cardiovasculares também o são para a doença periodontal, sendo assim, fatores como idade avançada, fumo e diabetes devem sempre ser considerados nos estudos. Este fato fez com que a inter-relação entre a doença periodontal e as doenças cardiovasculares tenha sido, durante um tempo, vista com desconfiança por pesquisadores sérios (Toledo et al 2002). Atualmente, com a publicação de estudos epidemiológicos com análises estatísticas ajustadas para estes fatores, como também estudos mais específicos enfocando elevação dos próprios fatores de risco clássicos das doenças cardiovasculares em indivíduos com doença periodontal, a inter-relação tem se concretizado como um fato.
A etiologia da doença periodontal está relacionada, primariamente, aos microrganismos presentes no biofilme dental. Quanto à microbiota predominante no biofilme periodontopatogênico, muitos trabalhos recentes têm se concentrado em quatro espécies bacterianas: Bacteroides forsythus, Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia e Actinobacillus actinomycetemcomitans .
Pelo fato de a doença periodontal ser causada por microrganismos, baseado na antiga teoria da infecção focal, ela pode ser considerada como um foco de infecção, pois bactérias relacionadas a essa doença podem ser carreadas, via sanguínea ou linfática, para locais distantes do organismo, podendo então causar processos infecciosos à distância. A ocorrência de bacteremia é conhecida há muito tempo, principalmente quando se trata da doença periodontal, pois nesta a proximidade dos microrganismos com o tecido conjuntivo é considerável principalmente pelo fato de que o epitélio da bolsa periodontal, que está repleta de bactérias anaeróbias gram-negativas, encontra-se ulcerado permitindo o contato das bactérias da bolsa diretamente com o tecido conjuntivo gengival inflamado.
As reações inflamatórias à placa bacteriana representam as características predominantes da gengivite e da periodontite. A destruição periodontal pode ser causada pelas enzimas produzidas pelas bactérias, por uma reação imunológica que libera produtos responsáveis pela destruição do colágeno e do tecido ósseo e pelo lipopolissacarídeo (LPS), que é um componente da membrana externa dos microrganismos gram-negativos (Lindhe 1999).
O processo patogênico da doença periodontal é complexo. Numa visão simplista, microrganismos da placa, adjacentes à gengiva, estimulam as células do hospedeiro, as quais por sua vez, produzem moléculas que desempenham um papel muito importante na regulação da resposta imuno-inflamatória. Bactérias e seus produtos, especialmente os LPS, atravessam o epitélio juncional e da bolsa, tendo acesso ao tecido conjuntivo e aos vasos sanguíneos. Esses LPS interagem com os monócitos e macrófagos, fazendo-os sintetizar grandes quantidades de citocinas como a IL-1, IL-6, TNF-a, PGE 2 e metaloproteinases da matriz (MMPs). A ulceração do epitélio da bolsa , a destruição do tecido conjuntivo e a reabsorção do osso alveolar resultam nos sinais clínicos da doença como o sangramento gengival, aumento da profundidade de sondagem, perda de inserção clínica e os sinais radiográficos de perda óssea (Lindhe 1999).
O processo de formação da placa aterogênica tem início com o aumento do LDL no sangue e seu conseqüente acúmulo no interior das paredes dos vasos. Conforme essa lipoproteína vai se acumulando, seus lipídios sofrem oxidação, desencadeando um processo inflamatório local que atrai macrófagos para a região, perpetuando o processo inflamatório que resulta no aumento da chamada placa ateromatosa. A maioria dos infartos ocorrem após o rompimento das placas, com a abertura da sua tampa fibrosa levando à formação de um coágulo. O mecanismo pelo qual a placa se rompe e expõe seu conteúdo trombogênico sugere que linfócitos T dentro da placa inibem a produção de colágeno pelas células musculares lisas, levando a uma maior fragilidade da superfície da placa (Azevedo et al 1999, Libby 2002).
Após os estudos epidemiológicos e de fatores de risco terem identificado a correlação entre a doença periodontal e as doenças cardiovasculares (Haraszthy et al 2000, Beck & Offenbacher 2001) atualmente vários estudos têm demonstrado diversos mecanismos de inter-relação entre estas duas alterações (Loesche 1997, Genco & Zambon 1998, Herzberg 2001, De Nardin 2001, Lorenzo & Lorenzo 2002).
Considera-se atualmente, então, que a existência de doença periodontal eleva o risco da instalação e progressão das doenças cardiovasculares assim como de eventos agudos como o infarto do miocárdio a valores que chegam a mais de 6 vezes. O aumento do risco parece ser maior quanto maior for a gravidade e duração da doença periodontal, já que foram encontrados valores de risco relativo de 6,9 para periodontite crônica severa.
Os mecanismos que regem este inter-relacionamento ainda não estão completamente esclarecidos mas parecem ter vários componentes. Existem os fatores ligados aos microorganismos, como propostos por Haraszthy et al. (2000) que identificaram os patógenos periodontais Bacteroides forsythus , Porphyromonas gingivalis, Actinobacillus actinomycetemcomitans e Prevotella intermédia em placas ateromatosas , mas os principais são, sem dúvida, relacionados ao hospedeiro.
Os fatores relacionados ao hospedeiro incluem a produção em níveis elevados de citocinas e outras substâncias, principalmente a Proteína C-reativa, a IL-1, o TNF-a e o fibrinogênio (Hezberg 2001, De Nardin 2001)
A Proteína C-reativa é uma proteína cujos níveis estão elevados em quadros infecciosos, incluindo a doença periodontal (Genco & Zambon 1998) e parece interferir nas doenças cardiovasculares facilitando a formação de trombos (Lowe 2001). Libby, em 2002, chama a atenção para a utilização pelos médicos dos exames dos níveis desta proteína em conjunto com exames dos níveis de colesterol para determinar o risco de infartos e derrames, sendo, portanto a Proteína C-reativa, um forte marcador de risco para doenças cardiovasculares.
A IL-1 e o TNF- a , dois dos mediadores inflamatórios fortemente associados com a periodontite, têm sido encontrados em placas ateromatosas indicando o seu papel na formação, progressão e ruptura destas placas. O fibrinogênio, precursor da fibrina, em quantidades aumentadas no sangue, como ocorre nos pacientes com periodontite, facilitam a formação, quando da ruptura das placas, dos coágulos que irão causar eventos de infarto no miocárdio. (De Nardin 2001).

Conclusões

Com base na revisão da literatura especializada pode-se inferir que no exame e tratamento da saúde bucal de um paciente, muitos aspectos devem ser considerados, pois da mesma forma que a saúde geral do paciente pode influir em sua saúde bucal, o contrário também é verdadeiro, ou seja, as doenças bucais interferem de maneira significativa na condição sistêmica do indivíduo. Devido a esses fatores ora apresentados se faz necessário enaltecer a importância do tratamento periodontal, pois desta forma estaremos reduzindo o número de microrganismos e seus produtos assim como substâncias liberadas pelo hospedeiro em resposta à presença do biofilme dentário, diminuindo, assim, o risco de alterações sistêmicas, dentre elas as doenças cardiovasculares.
Apesar da maioria dos estudos apontarem para um inter-relacionamento entre as condições citadas nessa revisão, é importante ressaltar que esse potencial focal da doença periodontal ainda precisa ser melhor esclarecido, visto que ambas as alterações possuem um caráter etiológico multifatorial, podendo indicar ou não uma relação de causa e efeito devido à superposição de muitos fatores de risco em comum.


Referências Bibliográficas
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Autor: EDSON COSTA


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