Sou professor, tenho ideais!



Ele está recém formado, chega à escola com todo o entusiasmo dos primeiros passos no magistério. Tem na bagagem a literatura como paixão. É um talento nato, poeta, declamador. Invejado e admirado pelo vasto conhecimento, pela habilidade no manejo do verso e da rima.

Tem planos de fazer essa juventude ler e ler bons livros, manuseá-los, familiarizar-se com os grandes escritores e as grandes obras. O seu planejamento inclui atividades literárias, saraus, composições, publicações em blogs... Nada tradicional, nada de hermetismo.

Nos primeiros dias, faz seus primeiros contatos, toma "pé" da sala de aula. Identifica-se e os identifica. Olham-no como a um alienígena. E ele esmerou-se na apresentação pessoal, nada de roupas caretas, nada de diferenciação. Quer conquistar o respeito deles sem autoritarismo, engajar-se, pertencer à tribo. É difícil, não impossível.

Pensa nas horas gastas diante do notebook, pesquisando e elaborando, planejando a melhor abordagem. Chama cada um pelo primeiro nome, e são quatro turmas de trinta e cinco alunos! Aos poucos o reconhecem, passam a identificá-lo como mestre. Até já dão palmadinhas em seus ombros: "- Como tá, prof. ?".

Chega, então, o dia "D". Há um sarau na escola, comemoram a data em homenagem a um grande poeta brasileiro. Ele está motivado, elétrico, oportunidade de demonstrar o seu preparo.

No espaço destinado, não apropriado para a atividade, enfileiram-se os adolescentes. Carinhas simpáticas e felizes, nada a ver com a programação! A loirinha de capuz tamborila os dedos ao som da música irradiada nos fones quase ocultos. A de trancinhas fala ao celular, o rapaz mais alto masca chicletes e faz bolas que expõe. Em cada fisionomia um quê de "por que, diabos, estou aqui?".

O professor empolgado nem os vê. Vestido com o jaleco branco, declama entusiasmado, Despe-se do acanhamento, solta a voz, gesticula. Assume o espírito poético.

Ao lado, colegas, veteranos, calejados, já desiludidos e acostumados à rotina, olham-no com comiseração, enfadados. É a educação brasileira, anos de desconstrução do trabalho da docência, minguados salários, falta de valorização pelo poder público e pela sociedade.

Daqui a algum tempo, virão novos mestres, tais como ele. E ele, sentado ao lado dos outros veteranos, lembrará do seu início.


Autor: lucia czer


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