Imigração Judaica Sirio-Libanesa no Brasil



INTRODUÇÃO

Nessa pesquisa procurarei abordar a possibilidade de como um povo, com uma cultura bastante singular pode manter suas tradições e ritos religiosos sem sofrer com a aculturação imposta por uma mudança brusca de seu cotidiano. Além de ser algo que incita a sua resposta, esse trabalho é para mim bastante peculiar, pois o objeto de estudo é relativo a uma visão diferente sobre a história da minha família e todas as dificuldades impostas a esses imigrantes no início do século XX. Não só por ser uma história próxima, mas também uma trajetória de luta, na qual ocorreram vitórias e derrotas. A situação da imigração Síria-Libanesa no Rio e em São Paulo foi bem diferente de outras regiões brasileiras, na qual fatores peculiares impuseram diferenças nessa assimilação. Poderemos ver no estudo que hoje em dia essa parcela da população esta inserida na sociedade brasileira e é detentora de uma riqueza acumulada em poucas gerações no século XX. Sabemos que nem todos tiveram a mesma sorte, contudo, para aqueles que conseguiram, acaba se tornando uma vitória geral para os seus e exemplo para toda uma sociedade.

OBJETIVOS

Demonstrar através da pesquisa a possibilidade de o imigrante conseguir manter vivo seus vínculos sociais, culturais e religiosos. Sem com isso deixar de amostrar a assimilação (mesmo que em pequena proporção) em relação com a nova nação que eles acabaram de chegar.

HIPÓTESES

Será que houve homogeneidade entre os próprios Judeus em relação a manutenção dos seus traços culturais? Como pessoas sem finanças e vindas sem estudos conseguem agregar fortunas em poucas gerações? É possível conviver com outros povos tão diferentes de sua cultura e religião? A educação pode ser um meio de rápida ascensão social e financeira ? Como implantar seu modo de vida (religioso e cultural) numa nação "recém descoberta" pelo imigrante ? É fácil essa mistura étnica-cultural-religiosa ?

Essas e outras perguntas, que irei procurar responder nesse estudo feito a partir de indagações surgidas em meu seio familiar e social.

(...) A história de Israel é a história de um povo que começou a existir em determinada época como uma liga de tribos unidas em aliança com Iahweh. Posteriormente, esta liga de tribos passou a existir como uma nação, em seguida como duas nações, e finalmente como uma comunidade religiosa. Esta comunidade religiosa sempre se distinguiu no seu meio ambiente como uma identidade cultural distinta. (BRIGHT, 2003: 9)

NOVAS TERRAS, NOVA VIDA

Sonho, riqueza, paz e um breve retorno, isso eram os principais objetivos do recém-chegado imigrante judeu nessa novas terras. Com uma adaptação muitas vezes difícil e dolorosa pela saudade de sua terra e familiares, tentaremos entender os motivos que os levaram a entrar em embarcações, na qual muitos sabiam que poderiam ser o último elo entre ele e sua terra natal.

Fugindo de uma região em conflito com o fim do Império Turco-Otomano, diversos Sírios e Libaneses, aportaram no Brasil, com uma expectativa de uma vida melhor. Poder ver como Salomão Dana (meu avó) e seus conterrâneos chegaram da região Síria-Libanesa, sem conhecer nosso país, nossa cultura e nossa língua e alcançaram respeito e admiração por suas conquistas. Isso demonstra como o ser humano pode se adaptar, até nas situações mais adversas possíveis. Parentes que já estavam aqui eram as únicas pessoas que eles conheciam, e por isso não se furtavam em deixar para trás toda a tristeza da guerra e a miséria em que estavam e partirem para esse "paraíso" retratado pelos que já aqui estavam.

Como um fermento possante, (a emigração) agita todas as aldeias e povoados de nosso campo. Todo mundo está em movimento e ninguém parece disposto a ficar, desde que possa, de um jeito ou de outro, arranjar dinheiro suficiente para a viagem (KNOWLTON, 1961: 29-30).

Toda oportunidade de acumular dinheiro e ajudar a seus familiares que ficavam para trás, era perseguida por esses homens (pois na grande maioria eram homens e solteiros os que buscavam essas novas terras) que ainda tinham o sonho de voltar para sua "casa" e sua família. Esse sonho era alimentado pelas cartas que chegava nas aldeias e cidades Sírias-Libanesas, e acabava florescendo um desejo de enriquecer até naqueles que tinham laços mais estreitos com sua localidade e eram de certa forma essenciais na esfera social.

Um analfabeto vai para a América e no curso de 6 meses manda um cheque de 300 ou 400 dólares, mais do que o salário de um professor ou de um pastor em mais de dois anos ( KNOWLTON, 1961: 29-30)

O cálculo dos imigrantes era o de que alguns anos nas Américas seriam suficientes para assegurar uma vida familiar próspera em suas aldeias. Daí a maior presença de homens solteiros entre eles (TRUZZI, 2005:15).

A cooperação entre os que já aqui estavam e aqueles que chegavam era muito importante naquele período, pois geralmente nem local para morar eles tinham, isso contudo era suprido pela calorosa recepção dada por aqueles já estavam aqui aportados. Essa ajuda inicial fez com muitos conseguissem se estabelecer e auxiliar outros que chegavam posteriormente. Esse auxilio não era somente no meio familiar, e sim entre seus compatriotas que vinham em busca de riquezas.

Seus parentes, amigos e conterrâneos, ao chegar, instalaram-se perto deles. Outros imigrantes sem relações também foram para lá porque encontravam patrícios que lhes davam a mão nos primeiros tempos, ajudando-os a ajustar-se à nova vida (...) forneciam-lhes mercadorias a crédito e depois mandavam-nos para o interior ou para os subúrbios da cidade para mascatear (TRUZZI, 2005: 35).

Contudo existiam alguns fatores que dificultavam a relação entre os próprios judeus que emigravam de diversas partes do mundo, devido aos conflitos que afloravam, tanto no Oriente Médio, como na Europa. A língua foi um desses fatores, pois mesmo sendo Judeu, havia ainda a uma certa "separação cultural e religiosa" entre os Judeus Ashkenazim (vindos da Europa central e Oriental) e os Judeus Sefaradim (vindo do Oriente Médio e da península Ibérica), num trecho do livro "Judeus da Leopoldina", Heliete Vaitsman relata essa dificuldade:

"Os imigrantes judeus de língua árabe, chamados de sefaradim, passaram ao largo da Leopoldina como moradia. No centro da cidade, ashkenazim e sefaradim haviam construído espaços religiosos e culturais separados. Na Leopoldina, as famílias sefaradim, em número reduzido, se inseriram na vida ashkenazi com dificuldades. Os imigrantes europeus não gostavam que os filhos casassem fora do grupo devido à dificuldade de comunicação como os novos parentes, ..." (VAITSMAN, 2006:102)

A escritora Rachel Mizrahi, também tece comentário sobre essa divisão entre os Judeus:

Os imigrantes judeus, marcados pelo conservadorismo, não cogitaram no casamento dos filhos com pessoas de outras origens religiosas. No início, incomodavam-se com casamentos com asquenazis, conhecidos como "gringos" (MIZRAHI, 2003: 171).

SEUS ANTIGOS GUETOS E SEU NOVO PAPEL NA SOCIEDADE

Línguas e costumes diferentes entre os próprios Judeus, já demonstrava como poderia ser difícil a adaptação deles nessas novas terras. Contudo isso não foi o principal agente de dificuldade para esses imigrantes, outro ponto que causava certo constrangimento entre eles era a difícil aceitação em nossa terra. Esse acabou sendo um dos motivos que fizeram diversas famílias judias morarem próximas para terem seus círculos sociais entre eles e até "aportuguesar" seus nomes para serem melhor aceito na sociedade da época.

A região da Praça XI, não era somente um reduto de negros, italianos e outros imigrantes. Devido a sua proximidade com o Centro do Rio muitos judeus fizeram da região de região próxima sua moradia. Alguns que haviam chegado antes e já tinham certa estabilidade alugavam quartos nos cortiços para os moços judeus recém chegados, pois muitos deles não tinham posse nenhuma. A Praça XI servia também como pólo matriz de encontro das diversas famílias judias (principalmente as ashkenazim) que passaram por ali e que ainda tinham parentes na localidade. Outro local que teve também um fluxo de judeus (tanto ashkenazim como sefaradim), foi Nilópolis, que por ter uma ligação direta com a região Central do Rio (via trem), também pode receber esses imigrantes como descreve em seu livro "Memórias da Praça XI" Samuel Malamud (1º Cônsul honorário do Estado de Israel no Brasil):

"Dava a impressão de um enorme gueto, sem muralhas ou restrições... Naquele período, a população judaica do Rio de Janeiro, crescia diariamente, devido ao enorme afluxo imigratório procedente dos países da Europa Oriental. Aos poucos os imigrantes foram se fixando em todos os bairros da cidade, principalmente da Zona Norte... Chegou, inclusive, a surgir uma comunidade bastante numerosa, formando um vilarejo judaico, no município de Nilópolis, a uma hora de trem do Rio, pela Central do Brasil" (MALAMUD, 1988).

Não só na Praça XI, mais também na região da Leopoldina (Penha, Olaria, Ramos e Bonsucesso) e até em Nilopólis, era grande a quantidade de Judeus que procuravam morar em locais um pouco mais afastado da região central do Rio devido à melhor adaptação entre os seus e a possibilidade de manterem suas tradições preservadas das vicissitudes da cidade e até de certa forma tentando separar seus filhos de alguns costumes não aceitos em seu meio.

Este modo de vida tem como uma de suas contrapartidas a agregação de indivíduos

que compartilham dos mesmos gostos e temperamentos nos mesmos lugares, apropriação social do espaço físico, chamada por Park de "região moral", onde prevalece um código moral particular que norteia o comportamento dos que nela se encaixam (GRUMAN, 2006:110).

Outro fator importante para esse deslocamento era a possibilidade de adquirir imóveis a preços menores em regiões afastadas do Centro, na qual poderiam oferecer melhores condições de vida aos filhos.

A questão comercial também foi determinante para a moradia desses judeus, que procuravam habitações próximas à sua área de venda e aos principais meios de transportes da época.

Apesar de ficarem marcadas como regiões de intensa concentração judaica, os bairros do Bom Retiro e da Praça Onze não monopolizaram as atenções dos imigrantes. No Rio de Janeiro, a região conhecida como SAARA (sigla com as iniciais de Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega, fundada em 1962), no centro da cidade e próxima à Praça Onze, já atraía desde os anos 1910 (sobretudo entre as duas guerras mundiais) judeus sefaraditas da Síria, do Líbano e de outros países da Ásia Menor. Estes judeus haviam se estabelecido no ramo dos tecidos, cuja produção escorria também pela estação ferroviária da Central do Brasil, facilitando o acesso aos subúrbios e ao interior, destino dos vendedores ambulantes (GRUMAN, 2006: 112).

A partir da década 1950, vimos uma alteração urbana entre as famílias judias, que começaram a sair dos subúrbios para a região mais nobre do rio de Janeiro. Dessa forma o descendente do imigrante judeu, busca sua inserção na classe média carioca (e no Brasil) e nas altas rodas da sociedade e da politica nacional (em 1987, uma publicação feita pela comunidade Libanesa do Brasil sobre a influência politica, chegou-se ao número de 33 deputados federais, 7 senadores e 2 governadores de estado, descendentes de Sírio-Libaneses). Com essa ascensão, tanto na politica, como em outras áreas da sociedade começou haver uma procura por locais mais valorizados da cidade.

A mudança para a zona sul da cidade do Rio de Janeiro, para bairros como o Catete, Flamengo e Copacabana refletia a melhoria nas condições de vida dos imigrantes e seus descendentes. O padrão habitacional, a localização e o valor da moradia, se configuram como índices seguros do status social de um grupo. A vida social numa grande metrópole reflete, através do padrão habitacional de sua população, a estrutura e os valores da sociedade (Rattner,1977), havendo uma identificação entre o local de residência e prestígio social de tal forma acentuada que a simples mudança de bairro pode ser interpretada como ascensão social (GRUMAN, 2007).

Nos anos de 1950, os judeus já tinham um grande número na classe média brasileira e muitos estavam envolvidos em questões nacionais que eclodiam no período, e participavam fortemente do processo politico do país. Com a instituição do AI-5, pelo regime militar, alguns judeus que faziam oposição ao governo migraram para o Estado de Israel. Porém a grande maioria já havia criado raiz, e decidiram continuar aqui no Brasil.

Com as mudanças dos padrões sociais, residencial, escolar e financeiro, esses descendentes refletem um novo grupo na sociedade brasileira. Dentre esses nomes que fazem parte da elite do país estão os descendentes Sírio-Libaneses, como as Famílias: Safra, Abravanel, Cohen, Nigri, Saad, etc.

Segundo dados do IBGE 2000, no qual os judeus são representados como religião, os Judeus têm os melhores índices de rendimentos e escolaridade. Desses judeus 35,4 % recebem mais de 20 salários mínimo e apenas 1,8% recebem até 1 salário mínimo; 99,6% são alfabetizados e 49,7% estudaram 15 anos ou mais de estudos.

DIFICULDADE NA VIDA E NA MORTE.

Vindo para um novo país e sem ter ciência daquilo que encontrariam, esse primeiros imigrantes tiveram que transpor barreiras, não só sociais e étnicas, mas também culturais e religiosas.

Como a cultura e a religião judaica se confundem, as primeiras levas de imigrantes procuraram estabelecer locais para seus cultos nos quais eles poderiam manter suas tradições e ritos. Isso foi crucial para que eles pudessem se reunir e buscar estratégias para não perderem seus costumes, e assim darem continuidade a esses costumes para as novas gerações. Os ashkenazin, por serem mais numerosos tiveram uma importância vital para o estabelecimento das primeiras instituições religiosas, filantrópicas e culturais no Rio de Janeiro. Uma das primeiras sinagogas construídas no Rio de Janeiro, foi erguida em meados do século XIX (União Israelita Shel Guemilut Hassidim), por judeus marroquinos (sefaradin) no Centro do Rio, na qual suas normas datam de 1873. Essa sinagoga foi transferida em 1950, para Botafogo. Outra forma de manter sua religiosidade intacta, foi a criação da Escola Maguen David, fundada em 1922. Isso também serviu para a maior aproximação entre seus filhos e dessa forma afastando a possibilidade de casamentos mistos, como ocorre hoje em dia com maior freqüência.

Aqui no Brasil também podemos perceber a importância da constituição dessas instituições pela fundação da primeira escola do Rio de Janeiro em 1922, logo no início do primeiro grande fluxo migratório judaico que aconteceu nos anos 20. A escola se chamava Maguen David (escudo de David), transformado posteriormente em Ginásio Maguen David e, finalmente no Colégio Hebreu Brasileiro, na Tijuca (VELTMAN, 1998).

Inicialmente a situação era tão complicada, que até "morrer" era difícil para o judeu, pois segundo as tradições ele só pode ser enterrado em solo Judaico (cemitério Judaico) e como só haviam cemitérios católicos no Rio, houve muitos conflitos familiares para enterrarem seus entes. A historiadora Keila Grinberg, em seu livro "Os judeus no Brasil" relata essa dificuldade:

"Um dos aspectos mais difíceis da vida cotidiana dos judeus no Brasil do século XIX era a morte. A morte e as questões práticas a ela relacionadas... A dificuldade maior estava no fato de os cemitérios públicos, constituídos a partir da década de 1850, serem de uso exclusivo dos católicos.... Resultado: Os judeus não tinham onde ser enterrados." (GRINBERG, 2005)

A solidariedade era um suporte nessas horas, contudo até a aceitação dessa ajuda poderia trazer embaraços. Um grupo de mulheres judias, vindas do leste europeu, no inicio do século XX, chegou ao Brasil e devido as dificuldades que surgiram foram agenciadas e acabaram na vida de prostituição (algo inaceitável na religião judaica).

As "polacas" eram moças pobres, vindas de uma comunidade na qual não se podia negligenciar o peso do dote no ato do casamento, o que excluía qualquer mulher desprovida de dote da possibilidade de ascensão econômica pela via do matrimônio. A importância das núpcias entre os membros da religião judaica criou a figura do agenciador de casamentos. Podiam ser homens ou mulheres, que faziam contato com os rapazes judeus solteiros nas Américas, mandando-lhes fotos das pretendentes e fechando o "negócio" – ou seja, acertando o casamento. Muitas vezes, o "tráfico de escravas brancas" aparece associado a esta corretagem. A pobreza das famílias impedia que a sina de seus membros fosse acompanhada de perto, e por isso não havia controle sobre os agenciamentos. Algumas vezes, ao chegarem a seus destinos, as jovens enfrentavam a dura realidade de terem sido enganadas. A partir daí, a falta de instrução e o despreparo para o mundo fabril as obrigavam a participar do mundo de trabalho possível (KUSHNIR, 2007)

Essas mulheres por serem marginalizadas, formaram grupos de ajuda mútua para suprir o preconceitos imposto por outros judeus, dentre eles a Associação beneficente funerária e Religiosa Israelita (dona do 1º cemitério Israelita da cidade do Rio de Janeiro). Essa ajuda não era somente para judeus asquenazis, mas também para sefaradim. Mesmo com todas as dificuldades, essas mulheres conseguiram através de "favores" de seus "clientes", um local para criarem um cemitério. No terreno comprado em 1906, o cemitério foi inaugurado em 1916. Ali foi feito o 1º funeral em campo santo Judaico na cidade do Rio de Janeiro. Localizado em Inhaúma, existem no local 797 lápides, neste cemitério, que têm entre suas lápides a da mãe de Jacob do Bandolim (Sara Rachel Pick) e da namorada do compositor Moreira da Silva (Estera Gladkowicer). Mesmo com todo o preconceito, esse foi o 1º local de repouso para judeus mortos nesta cidade, pois outro cemitério só foi inaugurado em Nilopólis (em 1935).

PROSPERANDO E ATRAINDO SEUS IRMÃOS

Mesmo com todas as adversidades muitos judeus começaram a prosperar aqui no Brasil, no inicio do século XX. Isso fez com que além das conturbações politicas que assolavam a Europa e a região do Oriente médio nesse período, outro fator foi preponderante para o aumento do fluxo imigratório de judeus (principalmente do Oriente Médio) para o Brasil. No final do século XIX, a corrente de imigrantes vindo da região Síria-Libanesa era crescente. Mesmo sem ajuda oficial esses imigrantes aportaram no Brasil com passaporte emitidos por autoridades diplomáticas do Império Turco-Otomano. Segundo pesquisa feita pela historiadora Rachel Mizrahi, no porto do Rio entre 1908 e 1922, entraram no Brasil cerca de 50.766 "Turco-Árabes", que constam nos arquivos com Turcos ou Turco-Árabes. O professor Oswaldo Truzzi relata que os Sírios Libaneses compunham em 1920, a quarta etnia em São Paulo (com cerca de 19.290 imigrantes).

  1. Rachel Mizrahi, Imigrantes Judeus do Oriente Médio- São Paulo e Rio de Janeiro. São Paulo, Ed. Ateliê Editorial, 2003.
  2. Oswaldo Truzzi, De mascates a Doutores: Sírios e Libaneses em São Paulo, Sumaré – Série Imigração, 1992, Cap 1.

SUPERANDO AS DIFERENÇAS

No Rio as primeiras levas de imigrantes Sírio-Libaneses, se estabeleceu no corredor de passagem da Estrada de Ferro Central do Brasil, em direção ao centro comercial e financeiro da cidade. Na rua dos Turcos (como era conhecida a rua da Alfândega), residiam muitas famílias judias, cristã-maronita e muçulmanas. A localidade começou a ser chamada como tempo de "pequena Turquia", que devido a reformas urbanísticas dos anos de 1960, quase colocaram abaixo esse patrimônio histórico carioca. A derrubada dos casebres só não foi adiante com a união dos comerciantes Árabes, Judeus e Cristãos-maronitas que se juntaram e criaram a Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega (SAARA), em 1962. Ali até hoje essas diversas religiões demonstram que pode haver harmonia independente da cultura ou do credo religioso. Com a abertura da Avenida Presidente Vargas, muitos Judeus começaram à residir em bairros como Tijuca e a área da Leopoldina. Não foi só no SAARA que os Judeus procuraram abrir seus negócios. Em diversas outra áreas da cidade podemos ver a presença marcante desse povo e sua descendência. Essa presença hoje não se faz só no comércio, mas também na culinária, aonde podemos apreciar diversos pratos da cultura daquela região (quibe, tabule, esfhia, etc).

MUITOS FILHOS, GRANDES FAMILÍAS E ASCENSÃO SOCIAL

Não era difícil encontrar uma família judia com mais de quatro filhos nos primeiros anos do século XX. Essa característica começou a mudar a partir dos anos 1950, com o melhor posicionamento social desses descendentes na sociedade brasileira. Além da menor quantidade de filhos, os descendentes desses imigrantes galgavam profissões que pudessem dar melhor status social a eles e seus familiares. Para isso buscavam através da educação superior suprir essa nova empreitada e assim alcançarem o sonhado diploma de "Doutor".

A ênfase dos judeus na educação acabou deixando muitos avós e pais sem herdeiros para suas lojas. Os imigrantes projetaram nos filhos (e estes, nos netos) aquilo que não conseguiram ser e fazer, ou seja, ser um "doutor" no país dos bacharéis. A escolha pela Medicina, Direito, Engenharia e Economia por parte dos filhos de imigrantes e seus netos se deve, entre outros motivos, ao fato de serem "profissões históricas" (Hughes,1971), ou seja, têm uma identidade definida e um espaço reconhecido na sociedade. Eram as de maior prestígio na sociedade urbano-industrial no período em que prestaram o vestibular. Já nos anos 1940 o número de judeus que entravam nas faculdades mais concorridas era significativo e merecia notícias em periódicos comunitários (GRUMAN, 2007).

Muitos desses descendentes começaram a buscar nos estudos, uma nova possibilidade de conseguirem adquirir riqueza e prosperidade. Ver seus filhos como doutores, trazia uma compensação por todo o sacrifício feito por eles no incio de sua jornada nestas terras.

A reconstrução das trajetórias familiares daqueles que se formaram como "doutores" nas escolas de elite acima referidas abriga um conjunto variado de casos interessantes e ilustrativos. O mais notável é que ao cabo de apenas uma geração (o pico da imigração sírio-libanesa ocorreu antes da primeira Guerra Mundial) o salto entre a mascateação e o diploma de doutor foi grande, conformando um mecanismo fundamental de mobilidade socioeconômica para a primeira e a segunda geração nascida no Brasil. (TRUZZI, 2005:74)

Outro fato interessante e a diminuição da quantidade de filhos entre os descendentes Sírio-Libaneses, que nas primeiras gerações tinham em média 5 filhos, a partir da 4 geração têm somente 2 filhos em média. Essa situação é uma inovação cultural no meio desses descendentes, pois outra questão que dava um certo "status" a uma família em seu meio social, era a quantidade de filhos (principalmente homens)que eles tinham.

Os judeus-orientais formaram famílias numerosas. Essas famílias permitiram a manutenção da endogamia comunitária (...) Marcos, pai de Carlos Hadid foi casado várias vezes no Rio de Janeiro, completou, com a última esposa, a jovem Simha Salum uma família de dezesseis filhos (...) Faride Sayeg Cohen, Júlia Sayeg Peres, Sarina Peres e Reina Simantob eram "campeãs em filhos homens (MIZRAHI, 2003: 170-171).

Essa quantidade grande de filhos ajudou bastante a manutenção dos negócios de família, contudo com o passar das gerações esse costume de ter muitos filhos caiu e deu lugar a famílias menos numerosas (ver anexo 10).

No quadro da próxima página podemos constatar a diminuição dos nascimentos na família Hadid, desde sua chegada ao Brasil:

A MANUTENÇÃO DOS COSTUMES E TRADIÇÕES

Como sendo um povo que preserva muito sua religião e costumes, os judeus logo que chegaram ao Brasil procuraram criar instituições religiosas e sociais para suprir as suas necessidades de cultos e interação social. Com isso foram criados no Rio e em São Paulo, sinagogas e clubes no qual eles podiam se reunir e elaborar meios para auxiliar aqueles entre eles que mais necessitavam. Essa estrategia tinha o objetivo de diminuir o número cada vez maior de casamentos mistos entre os jovens sefaradins. Com isso os casamentos acabavam acontecendo cada vez mais cedo (com 13 e 14 anos). Tudo isso agregado ao fato de que casando entre eles, a riqueza permaneceria dentro do seu círculo social.

O "fantasma dos casamentos mistos" incomodava a colônia como um todo; a pressão familiar e comunitária sobre o sexo feminino eras maior (...) alguns "casamentos mistos" foram concretizados às escondidas, provocando na comunidade verdadeira comoção social (...) Os pais providenciavam, para que os casamentos de suas filhas fossem cedo realizados, temendo possíveis relacionamentos fora do grupo. Algumas se casaram no início da puberdade aos 13 e 14 anos (MIZRAHI, 2003: 171).

No Rio de Janeiro, surgiram entidades filantrópicas que ajudavam os mais necessitados. Os laços de solidariedade surgiram logo que chegaram as primeiras levas de judeus do oriente médio. Nos próprios navios, já era possível ver essa ajuda, pois quando dentro dos navios acabavam os alimentos "especias", havia um "logística" em alguns portos (até a chegada a seus destinos), feita por alguns judeus que já estavam estabelecidos, afim de suprir a observância religiosa alimentar dos judeus. Ao chegarem por terem total desconhecimento da terra em que chegavam, haviam grupos que recepcionavam os recém chegados.

Os imigrantes do Oriente médio foram recepcionados pelo judeu-brasileiro David José Pérez (...) Pérez buscava agrupar os judeus de diversas procedências em associações comuns, de modo que os costumes regionais não atrapalhassem o desenvolvimento comunitário no Brasil (MIZRAHI, 2003: 68).

A preocupação com uma vida em sociedade, fez surgir em 1922, o Centro Israelita Brasileiro (CIB), que tinha o objetivo de estreitar a relação entre os imigrantes judeus. Antes em 1913, um grupo de 30 jovens imigrantes criou a Sociedade Israelita Syria, para terem um local em que debatiam seus planos e faziam seus ritos judaicos. Um grande ajudador para alguns imigrantes que chegavam, foi Meyer Isaac Nigri, que fornecia mercadoria e crédito, para aqueles que chegavam muitas vezes sem um "tostão" no bolso. Outro que também auxiliou bastante os imigrantes recém chegados do Oriente médio , foi Toufic Nigri, que conseguia a documentação necessária para o início de trabalho pelos imigrantes.

Um entrave perdura até os dias atuais em relação a separação entre os diversos grupos judaicos que chegaram ao Rio de Janeiro, é a composição pelas famílias Nigri, Balaciano, Politi, Simantob, Dana, Zeitune e Kalili, dos estatutos da Sinagoga B'nei Sidon (Tijuca). Nesses estatutos, ficam impedidos de participarem da direção do templo elementos de outra origens judaicas, que não sejam originários da região de Sidon. Atualmente existe uma forte tendência em inovações nestes estatutos.

Por ser uma questão primordial, logo que tiveram a possibilidade financeira, judeus imigrantes da Palestina, compraram um terreno na Tijuca para construírem uma Sinagoga, Escola e centro recreativa, que se chamou Maguen David (primeira escola judaica do Rio de Janeiro).

Segundo Bourdieu (1979), citando Durkheim, todo grupo tem a tendência de constituir maneiras específicas para perpetuar-se para além da finitude dos seus agentes individuais. São as denominadas estratégias de reprodução que se destinam a manter o grupo de uma geração para outra, se possível, melhorando sua posição no espaço social. As estratégias de reprodução formam um sistema, cada uma delas devendo contar com os resultados obtidos pela estratégia que a antecedeu a cada momento, ou podem ter um alcance temporal mais curto (Bourdieu apud Singly, 1993, p. 26).

A ajuda foi algo primordial para a fixação desses imigrantes, nessa nova terra. Mesmo com as diferenças entre os diversos grupos de imigrantes judeus, oriundos de diversos países, sempre houve aquele que estendia as mãos para o recém chegado. Esses laços acabavam fazendo com que aquele que tinha sido ajudado, também buscasse ajudar aos que chegavam, dessa forma se criava um elo de auxilio permanente entre eles.

CONCLUSÃO:

DIFICULDADES E DISCRIMINAÇÃO

Mesmo com todas as dificuldades impostas a esse povo, em todo os países em que chegavam, podemos ver a luta e determinação em alcançarem seus sonhos. Isso muitas vezes é visto com certa contrariedade por alguns e acaba fazendo surgirem sentimentos discriminatórios. Hoje vemos entre as dez maiores riquezas do Brasil, seis descendentes de judeus. Diversas perguntas surgem quando falamos sobre esse povos, como eles conseguem manter quase que intactas ritos e costumes durante milênios? Como eles se erguem em situações adversas ? Como conseguem acumular riquezas em tão curto espaço de tempo? Com certeza essas perguntas são difíceis de serem respondidas, sem um mergulho profundo nessa religião e cultura que transcende nosso entendimento. Que já foi alvo de estudo de diversos autores, durante séculos.

Dificuldades apareceram no decorrer desse estudo, contudo foi dignificante poder entender melhor a trajetória de meus antepassados e todas a dificuldades que lhe foram impostas.

Seria pretensioso, explicar todos os detalhes dessa trajetória de alegria e tristeza nesse estudo. Sei que nem todos foram ganhadores nessa "corrida" e muitos ficaram pelo caminho pedregoso dessa nova terra, contudo por tudo que passaram e viveram, podemos dizer que todos são mais que vitoriosos. Por isso "Shalom", a esses vencedores. 

Referência Bibliográfica:

BOURDIEU, Pierre. Langage et Pouvoir Simbolique. Paris, Éd. du Seuil, 1989. (Trad. Portuguesa: O Poder Simbólico. Difel, 1989.)

BRIGHT, John. História de Israel, São Paulo, Ed. Paulus, 2003 (7ª edição).

GRINBERG, Keila. Os Judeus no Brasil, Ed. Civilização Brasileira, 2005.

GRUMAN, Marcelo. Individualismo, família e projeto: negociando identidades em casais formados por judeus e não judeus. Rio de janeiro, UFRJ / Museu nacional, 2006.

__________________. Revista Espaço acadêmico nº 73 – Junho / 2007 – http://hebreu.blogspot.com/2007/06/marcelo-gruman-histria-judasmo.html

HUGHES, Everett C. (1971). The sociological eye: selected papers. Chicago, Aldine-Atherton.

KNOWLTON, Clark. Sírios e Libaneses: mobilidade social e espacial. São Paulo Anhembi, 1961

KUSHNIR, Beatriz. Zonas de Solidariedade. Revista de História da biblioteca nacional – janeiro de 2007. http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=395.

MALAMUD, Samuel. Memórias da Praça Onze, Ed. Kosmos, 1988.

MIZRAHI, Rachel. Imigrantes Judeus do Oriente Médio- São Paulo e Rio de Janeiro. São Paulo, Ed. Ateliê Editorial, 2003.

TRUZZI, Oswaldo. De mascates a Doutores: Sírios e Libaneses em São Paulo, Sumaré – Série Imigração, 1992, Cap 1.

________________. Sírios e Libaneses: Narrativas de história e cultura, São paulo, Companhia editora Nacional, 2005.

VAITSMAN, Heliete. Judeus da Leopoldina, Rio de Janeiro, Museu judaico do Rio de Janeiro, 2006.

VELTMAN, Henrique. A história dos judeus no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ed. Expressão e cultura, 1998.

WORCAN, Susane (coorde. CIEC). Do tropical inglês ao blue jeans (Projeto memória do SAARA), Rio de Janeiro: 2 a 27 de outubro de 1996 (exposição).


Autor: Roberto Dana


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