INSERÇÃO TECNOLÓGICA NAS ESCOLAS: ENTRE A ONIPOTÊNCIA DA MAGIA E O COMPROMISSO COM A IDENTIDADE



Neurisângela Maurício dos Santos*

RESUMO: O texto põe em relevo as profundas transformações que a escola tem sofrido nos últimos tempos em decorrência dos avanços tecnológicos propondo uma discussão em torno da forma como essa tecnologia tem chegado às nossas escolas. eis a questão: estamos no âmago da enfervescência da magia. estamos prontos para isso sem perder de vista os valores humanos, éticos, cidadãos?

PALAVRAS CHAVES: tecnologia, escola, magia, humanidade, cidadania.

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* Graduada em Pedagogia (UNEB-BA); Especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior (Faculdade de Guanambi - Ba); Professora da Rede Pública (Municipal e estadual) e Particular de Ensino da cidade de Palmas de Monte Alto - Ba.E-mail: [email protected]

"A atração exercida pela tecnologia do computador tem algo de mágico [...]. a abordagem do elixir da tecnologia como algo mágico é perigosa e injustificada pelas evidências".
Pepi e Sheurman

Embrenhados em um contexto caracterizado por profundas modificações em todos os âmbitos da conjuntura social, obviamente muitos são os desafios que afloram no âmago do cenário educativo.

Cônscios de que tais modificações perpassam pelos planos econômico, social, ético, político e cultural é infundada a idéia de tecer quaisquer considerações no tocante à educação dissociando-as desses planos.

Sob tal configuração, pomos em relevo o mais novo desafio que desponta no plano educacional: a inserção das novas tecnologias. Desafio esse que não é exclusivo da educação, mas de todos os planos já mencionados.

Diante disso, a fim de conferir maior densidade à discussão, precisamos, a priori, historicizar, bem como relativizar o conceito de novo, o qual acompanha o transladar das transformações sociais em tempos e espaços distintos. Isso é perceptível ao equipararmos o conceito de novo impregnado há uma ou duas décadas atrás e o incutido na atualidade. O que perceberemos nada mais é que um movimento direcionado pelos anseios e carências mercadológicas, envoltas pela máscara da magia. A guisa de exemplificação comparemos as diferenças de cada uma dessas épocas. Enquanto na década de 80 esperava-se um homem técnico, mecanicista, isento de qualquer capacidade de compreensão do contexto histórico-político-social, na década de 90, com os investimentos do Banco Mundial e o avanço da robótica esperava-se um homem movido pelo caráter da eficiência. Iniciam-se, então, os entraves pela busca de espaços.

Hoje, considerada a era da informática, a exigência é a formação de um homem tecnológico, capaz de fazer das novas tecnologias uma fonte de produções cada vez mais lucrativas, em que os que dela se apropriam motivados pela magia, sucumbem-se ao processo de apatia sócio-política e cultural.

Nossa grande inquietação instala-se no fato de que formar esse homem, segundo as necessidades da época é uma responsabilidade que sempre foi delegada à escola, todavia, nem sempre cumprida, uma vez que, devido a uma série de questões paradigmáticas, tal entidade jamais conseguiu conciliar as incumbências prescritas na legislação – formação integral, cidadã, autônomo-social – com as prescritas pelas ideologias subjacentes ao mercado (neo) liberal, bem como as prescritas pelo processo histórico (redentora dos males sociais). Isso é o que tem concorrido para uma crise de sentidos da escola e da educação como um todo. É nessa crise de sentidos que se alicerça o epicentro dessa discussão, pois mais uma vez o novo chega à escola com uma exigência mercadológica, legislativa e social, e talvez essa instituição não sobreviva a mais uma responsabilidade não cumprida, a mais culpas absorvidas. Por isso, cabe-nos indagar, enquanto educadores, políticos, cidadãos, enfim, atores sociais: por que essa crise? Por que a alcunha de invalidez, paulatinamente construída e perpetuada no entorno de nossas escolas?

É importante salientar que não estamos tentando repugnar a presença do novo nesse cenário, mas questionar a forma como ele é inserido, por que não dizer imposto, nesse espaço sempre como problema ou exigência para solução imediata das demandas externas, mas nunca como alternativa ou ferramenta para que a escola repense seus problemas e assuma uma identidade, no afã de, no mínimo, abrandar suas crises internas. E, dessa forma, é notória a inutilidade das práticas educativas, pois como pode uma escola orientar ou propiciar a resolução de conflitos exteriores a ela, se a cada dia asfixia-se em suas próprias crises.

Vivenciamos, nesse ínterim, a busca desesperada, pela identidade de nossas instituições e, quem sabe, porventura, a mais nova tecnologia – o computador – por muitos aludido como a gota d'água, o novo problema educacional, seja a mais nova esperança de solução, sendo que as críticas concernentes às atividades pedagógicas recaem na falta de atrativos e na falta de dinamicidade, características essas que, graças ao computador, salvaram muitos empreendedores de outras áreas do fado do fracasso.

É mister corroborar que o computador com seus hardwares e softwares, envoltos de magia não assumem, aqui, o posto de panacéia dos problemas educacionais, assumem, sim, o posto de oportunizador da interação entre o ensino-aprendizagem sistemáticos com a mais nova e mais rápida fonte de informações diversificadas do mundo globalizado, o que lhe confere um diferencial valiosíssimo em relação a outras tecnologias já incorporadas por muitos centros educacionais (televisão, copiadoras, retroprojetor, projetor de slides, inclusive o livro didático, dentre outras).

Assim, rogamos por diretrizes mais plausíveis, no tocante à inserção dos computadores na escola que já chegam bruscamente como fórmula mágica e inusitada, catalisadora de mudanças, pois o que de fato precisamos é empreender ações que objetivem a conquista de possibilidades de uma formação significativa e humana e principalmente aberta às peculiaridades idiossincráticas do grupo com o qual compartilhamos a construção dos conhecimentos. Nessa perspectiva, enfatizamos que isso não é algo que se dá no imediato, mas se desvela num processo desafiador e a longo prazo.

Urge, vale reiterar, a necessidade de desfazermos o vislumbre da magia, do atrativo, em prol de um trabalho pautado não na inserção fetichizada, mas na inserção integrativa das novas tecnologias no processo educativo, de modo que se faça da sala de aula e, conseqüentemente, da escola um lócus mister, onde coabite e interajam novas e clássicas inovações tecnológicas, em que todas coadjuvem entre si, mantendo a coerência e a seqüenciação de etapas necessárias para uma aprendizagem processual que ocorra no tempo necessário, no intuito de que aqueles que ainda não conheçam os instrumentos trabalhados, deles se apropriem da melhor forma possível, transcendendo a ótica técnica e mercadológica, alcançando, por sua vez, a dimensão das possibilidades de crescimento humano, pondo em relevo os aspectos subjetivos e empíricos em detrimento da objetividade imanente a tais aparelhos; imanência essa, que fragiliza-se ao percebermos que por trás da máquina está aquele que a produz dotado de valores de diversas categorias.

Sabemos, evidentemente, o quanto é mais fácil lidar com softwares do que pensar e pleitear ações em prol da cognição dos alunos e professores e da construção de valores éticos.

Somente uma reflexão bem fundamentada, teórico e empiricamente, promoverá o esfacelamento da onipotência da magia tecnológica em benefício do emergir humano e cidadão que há muito tempo encontram-se desvalidos.

Depreende-se daí, a urgência em resgatar o valor humanitário exaurido do meio social, pois já assimilamos que quanto maior a presença de tecnologias em seu aspecto técnico-físico, menor é o investimento no trabalho humano, assim como na capacitação deste. Eis o perigo, pois ao se exaurir do caráter humano, esgota-se também as práticas de cidadania ética e política – na verdadeira acepção da palavra.

A preocupação com esse discurso ganha veracidade nas elucidações de Bosi (1996:14):

Constato o primado das coisas sobre as pessoas, computadores milhares sem professores prezados e estimulados são sucata virtual [...]. As pessoas, quando respeitadas no seu ofício, produzem sentido e valor. Com ou sem as coisas. Mas as coisas sem as pessoas são letra morta.

As asseverações de Bosi são reflexos latentes de nosso clamor, em especial porque denotam a nossa capacidade de diagnosticar o limite entre as coisas e as pessoas, verificando cautelosamente a possibilidade de superação de nossos próprios limites, o que clarifica-nos Simon (1995:23) ao aduzir que ao invés de tomar a forma de uma explicação de por que motivos devemos recusar os limites de nosso presente, a crítica deve ser uma análise de nossos próprios limites.

O termo limite, nesse intento explicitado, cada vez mais vem sendo superado. Muitas barreiras que impediam o acesso de inúmeras pessoas a uma escola regular foram rompidas em virtude, justamente, dos avanços tecnológicos – escolas virtuais, audiovisuais – são formas de romper, por exemplo, com os limites da distância, propiciando, a baixo custo, a formação de muitos cidadãos.

Em contrapartida, é preciso, mais uma vez, estarmos concatenados a tais inovações para efetivarmos uma análise de tal formação, pois a dicotomia entre qualificação e diplomação ainda existe e está a caminho da perpetuação.

À guisa de fechamento, reiteramos, que as escolas precisam de práticas que façam sentido e que estejam em permanente discussão, assim como o projeto político pedagógico em curso ( BAKHTIN,1993). Somente por esse caminho, contando com a integração de todas as tecnologias, desde as primeiras – oralidade e escrita – até as novíssimas – computadores e informática como um todo – é que a escola encontrará, por fim, o confluir entre pedagogia, tecnologia e cidadania, tecendo dentro de suas idiossincrasias os novos paradigmas da revolução, alimentados dia a dia pela crença no esforço humano, coletivo e dialético.

Protagonizemos, pois, essa mudança, ao invés de dilacerá-la. Eis o compromisso e a amplitude de nossa deliberação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, M. Questões de Literatura e Estética: a teoria do romance. São Paulo: HUCITEC,1993.

BOSI, A. Educação: as pessoas e as coisas. Comunicação e Educação. São Paulo:ECA/USP,1996.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de janeiro: Editora 34, 1993.

MOREIRA, Flávio [org.]. Currículo: questões atuais. Campinas, SP: Papirus, 1997. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).

SIMONS, J. Foucault and political. Londres: Routlege,1995.

VERMELHO, Sônia Cristina. Algumas reflexões em torno da tecnologia como expressão da subjetividade.IN: Subjetividades, tecnologias e escolas. Rio de Janeiro: DP & A, 2002.

SANDHOLTS, Judith Haymore [et alii].Ensinando com tecnologia: criando salas de aula centradas nos alunos. [trad] Marcos Antônio Guirado Domingues. Porto Alegre: Artes Médicas,1997.


Autor: NEURISANGELA MAURICIO DOS SANTOS


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