A FUNÇÃO OCULTA DA DOGMÁTICA PENAL NO DIREITO NEOLIBERAL E A PERSPECTIVA ECONÔMICA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE



Sumário: Introdução; 2 Da justificativa teórica da pena privativa de liberdade à sua constatação empírica; 3 O (pre)conceito de crime na dogmática penal e a seletividade da sua aplicação; 4 A instrumentalidade da criminologia crítica na consolidação do Estado Democrático Constitucional; Conclusão; Referências.

"[...] opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta."

Karl Marx e Fredrich Engels

"Mesmo no seu estilo, a exposição da teoria dialética é um escândalo e uma abominação segundo as regras da linguagem dominante, e também para o gosto que elas educaram, porque no emprego positivo dos conceitos existentes ela inclui ao mesmo tempo a inteligência da sua fluidez reencontrada, e sua destruição necessária."

Guy Debord

Introdução

O direito penal contemporâneo, afirma em seu discurso proselitista uma finalidade magna de proteger os bens jurídicos mais importantes, e consequentemente a manutenção da proteção jurídica da sociedade. Surge então, como elo fundamental desta relação protecionista, a necessidade de implementar uma instituição de defesa, que tutele a aplicabilidade do jus puniendi apoiado em uma retórica de neutralidade e universalidade[1] que o legitima.Nesse caso em especial, o sistema carcerário é o instrumento pelo qual a dogmática penal materializa sua acepção epistemológica e efetiva sua política de controle e segregação social, apoiando-se em uma égide de "ressocialização" do detento e da prevenção de mais delitos por parte do mesmo autor (prevenção especial), como também evitar o cometimento de outros delitos similares pelos demais cidadãos utilizando penas intimidatórias (prevenção geral).[2]

Tal ideologia penal pautada na defesa social, tem precedentes históricos sobretudo em duas correntes criminológicas, a escola Liberal Clássica e a escola Positiva. A primeira, surgida entre os séculos XVIII e XIX, baseia-se nos princípios iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, por conseguinte,define o delito como um dano social, advindo da livre vontade do criminoso, e que deve ser punido por transgredir o pacto social. A partir disso, dessume-se que a pena aplicada ao agente do delito teria a função de proteger o restante da sociedade.[3]

Posteriormente, no século XX, desenvolve-se uma nova escola criminológica, que consolida o discurso preventista da dogmática penal e desenvolve o engodo da ideologia da defesa social. Trata-se da escola Positiva, que em sua análise define o crime como um ente natural, decorrente de características bioantropológicas do autor. Segundo esta alternativa, o delinquente trata-se de um sujeito patológico, anormal e que deve cumprir a pena com finalidade de se readequar às condições de normalidade aceitas pelo corpo social.

Em se tratando deste viés ideológico, ARAGÃO argumenta que:

O homem, em cujo braço, por exemplo, se declara uma gangrena invasora, tem o direito de amputá-lo, sacrificando-o em benefício do corpo inteiro, em segurança da própria vida ameaçada de tal perigo. A sociedade, também ameaçada por um dos seus membros, que se revela temível, tem o direito de eliminá-lo em proveito de todo o organismo e no interesse da própria conservação. (ARAGÃO, Antônio Moniz apud GUIMARÃES, 2002, p.108).

Tais teorias, só fizeram recrudescer no bojo da sociedade moderna um sentimento forte de punição e exacerbação da amplitude da pena privativa de liberdade – mormente em casos de delitos cometidos, na maioria das vezes, por setores pormenorizados na distribuição de garantias sociais. Geniosamente, GUIMARÃES (2002, p.112)trouxe a ponderação exata do real papel da prevenção geral afirmando que:

Quanto à prevenção geral, a única coisade concreto que se pode admitir é que tal tipo de posicionamento está levando à cominação de penas cada vez mais severas, teoricamente mais intimidativas, (...), criando assim um Direito Penal do terror. (grifo nosso)

Hodiernamente, já constatada no âmbito acadêmico a ineficiência das funções declaradas da pena, vive-se um processo de mudança de paradigma. Os pressupostos etiológicos de definição do delito vão sendo cada vez mais desmistificados por estudiosos da criminologia critica. Contudo, tal estudo acadêmico não dá conta de atravessar os "muros" da academia e manifestar-se na sociedade civil. Vive-se nas ruas uma verdadeira construção da barbárie, uma manutenção psicológica de um eterno perigo que se retroalimenta por parte dos meios de comunicações massificadores. Contudo, tal tema será explorado posteriormente neste mesmo trabalho.

1 Da justificativa teórica da pena privativa de liberdade à sua constatação empírica

Ao longo da história traçada pelo jus puniendi, viveu-se um constante processo de construção da verdade jurídica e da competência de aplicação das devidas punições.[4] Tal caminhada resultou – a partir do século XVIII – na consolidação do primeiro alicerce da estrutura penal contemporânea.

A pena privativa de liberdade surge em um contexto onde o corpo do individuo era o objeto principal de aplicação da punição. Nesta conjuntura, o espetáculo gerado pela exposição exacerbada do sofrimento alheio, tinha como pressuposto a necessidade de manter o terror e o medo dos demais indivíduos em serem punidos de forma semelhante. Além do mais, o sujeito punido servia como bode expiatório dos demais, tendo em vista que a vontade de punir era – e ainda é – um dos sentimentos mais intensos no ser humano.

Contudo, devido às transformações estruturais no bojo da modernidade, o suplicio do corpo deixou de ser o alvo principal da pena. O agente do delito não pagava mais o crime cometido sofrendo um castigo infinitamente pior do que sua conduta. Desenvolveu-se um novo mecanismo de controle, trata-se da pena privativa de liberdade. Esta tinha como escopo manter o criminoso fora do convívio social, e gradativamente desenvolveu um processo de utilização da mão-de-obra carcerária para fabricação de produtos e sustentação da nova ordem econômica que se estruturava.

Neste âmbito, vários teóricos que analisam o direito penal enxergam essa transição como um avanço em prol da humanização da pena, um ato de benevolência do legislador com o delinquente, a própria materialização dos direitos fundamentais. Contudo, desmistificando esse posicionamento que remonta a própria lógica do capitalismo, FOUCAULT (1997, p.18) geniosamente profere que:

O afrouxamento da severidade penal no decorrer dos últimos séculos é um fenômeno bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto, foi visto, durante muito tempo de forma geral, como se fosse fenômeno quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e "humanidade". Na verdade, tais modificações se fazem concomitantes ao deslocamento do objeto da ação punitiva. Redução de intensidade? Talvez. Mudança de objeto, certamente.

Juntamente com FOUCAULT, diversos outros estudiosos do sistema penal demonstram claramente um intenso processo de racionalização dos meios de exploração intrínsecos ao capitalismo, e consequentemente a postulação dessa opressão travestida em ciência. Em se tratando disso, percebe-se que a ciência assume um papel legitimador da legislação penal, e que da sua maneira, consegue transcrever a fluidez reencontrada da linguagem dominante (DEBORD, 2003, p.90). Cabe nesse viés, a necessidade de fomentar críticas ao paradigma cientificista que margeia o direito moderno e as relações de consumo que a ele se relaciona.[5]

2 O (pre)conceito de crime na dogmática penal e a seletividade da sua aplicação

Dando sequência ao que já foi desenvolvido acima, adentraremos agora nas "veias abertas" do sistema penal, explorando-o criticamente com o nosso principal mecanismo de libertação, a criminologia crítica.

Diariamente somos bombardeados por verdadeiros "lixos culturais" advindo dos meios de comunicação de massa. Durante os intervalos comerciais, as propagandas soam como música, impondo a todos o eterno jargão capitalista: "compro logo existo"[6]. As imagens são sempre de famílias felizes, pessoas ricas, brancas e limpas. Contudo, é apenas retornar para o telejornal que esta cortina se fecha e outra totalmente diferente se escancara.

O espetáculo deixa de ser a sensação de conforto da família feliz que come "chester Perdigão" ou a propaganda de cerveja que sempre impõe a coisificação da mulher e a eterna felicidade dos seus consumidores. Esta visão abre mão para outra realidade totalmente ambígua. Vemos agora a barbárie, a máxima exploração dos delitos pela mídia, sem dúvida com finalidade de incutir na mente de quem a engole um medo, a sensação de vivência em uma sociedade de risco, onde nada pode ser previsível e tudo de ruim é esperado.

Enquanto isso, os agentes dos delitos estão longe de fazer parte do seleto grupo que consome o "chester Perdigão", ou que tem a Juliana Paes como companheira de boteco. Na verdade, a seletividade que a eles é designada é uma totalmente paradoxal a essa. Trata-se da necessidade de criminalizar condutas que são inerentes a apenas uma determinada parcela da sociedade, aqueles que estão alheios dos lucros da produção capitalista. Logo, "Quem não se adequar à ideologia do mercado pela incapacidade de gerar lucros através do consumo, [...], necessariamente produzirá lucro como matéria prima da indústria do controle do delito." (GUIMARÃES, 2005, p.36).

Novamente utilizando GUIMARÃES (2005, p.38), temos a brilhante definição da seletividade penal quando afirma que:

Os sem-teto, os sem-terra, os sem-comida, os sem-saúde, os desempregados estão nas ruas, em todas as partes, sujos, ofensivos, provocantes em sua inutilidade, o que traz a reboque as inevitáveis exigências sociais dos com-terra, com-teto, com-comida, com-saúde, com-conforto, com-lazer, dos que têm emprego, de que eles sejam afastados da vista e se possível, também dos pensamentos.

É curioso notar que o discurso da seletividade penal detenha tanta aceitação dentro da sociedade, inclusive sobre os setores sociais atingidos pela sua aplicação, mesmo apoiando-se em uma visão extremamente preconceituosa. Vale ressaltar que tal legitimidade é fruto de basicamente dois aspectos do capitalismo. O primeiro dele foi o intenso processo de massificação e normalização da criminalização dos pobres, realizado ao longo da história do direito penal moderno. Já o segundo aspecto, trata-se da capacidade de adequação do capitalismo aos diferentes tipos de realidade. Com isso, tal modelo econômico conseguiu travestir sua concepção axiológica e segregadora em um cunho jurídico, reproduzindo assim, a sua seletividade na aplicação de punições. Destarte, GUIMARÃES (2007, p.17) expõe a crítica exata afirmando que: "o Direito Penal – e tudo que dele deriva – nada mais é que um instrumento de controle social repressivo e opressivo, utilizado pelos que se encontram no poder com o fim precípuo de dominação de classes e, obviamente, de manutenção e perpetuação de tal dominação.".

Também brilhantemente sobre o tema, FOUCAULT (1997, p. 74) elabora uma excelente análise da reestruturação do jus puniendi apoiado na nova ordem econômica que surgia,

(...) a economia das ilegalidades se reestruturou com o desenvolvimento da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a uma oposição de classes, pois, de um lado, a ilegalidade mais acessível às classes populares será a dos bens - transferência violentadas propriedades; de outro a burguesia, então, se reservará a ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; de fazer funcionar todo um imenso setor da circulação econômica por um jogo que se desenrola nas margens da legislação - margens previstas por seus silêncios, ou liberadas por uma tolerância de fato. E essa grande redistribuição das ilegalidades se traduzirá até por uma especialização dos circuitos judiciários; para as ilegalidades de bens - para o roubo - os tribunais ordinários e os castigos; para as ilegalidades de direitos - fraudes, evasões fiscais, operações comerciais irregulares -jurisdições especiais com transações, acomodações, multas atenuadas, etc. A burguesia se reservou o campo fecundo da ilegalidade dos direitos. E ao mesmo tempo em que essa separação se realiza, afirma-se a necessidade de uma vigilância constante que se faça essencialmente sobre essa ilegalidade dos bens.

Percebe-se então, que o tipo penal não é o fator preponderante para a aplicação de uma pena, mais importante que isso é o sujeito punido. A dogmática penal apesar de criminalizar diversas condutas, seleciona a dedo aquelas que são alvo da pena privativa de liberdade, logicamente, a sanção é aplicada aos delitos que abrangem a "ilegalidade dos bens". Portanto, conclui-se que

Uma conduta não é criminal em si (qualidade negativa ou nocividade inerente) nem seu autor um criminoso por concretos traços de sua personalidade ou influências do meio ambiente. A criminalidade se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos mediante um duplo processo: a definição legal de crime, que atribui à conduta o caráter criminal, e a seleção que etiqueta e estigmatiza um autor como criminoso entre todos aqueles que praticam tais condutas. (ANDRADE, 2003, p. 41)

Destarte, vai-se estratificando cada vez mais um distanciamento entre os cidadãos. Gerando uma guerra declarada, guerra essa que se resume da seguinte maneira: "a guerra contra a pobreza, nos idos do Estado de bem-estar, transformou-se agora em guerra contra os pobres". (WACQUANT apud GUIMARÃES, 2005, p.42).

Destaca-se nesse viés um processo preocupante, haja vista que atualmente há uma

[...] crescente desumanização de vastas parcelas da população. Determinados estratos sociais são vistos e tratados abertamente como inimigos, como ofensores/infratores em estado de latência, que ao menor descuido desencadeariam uma verdadeira pilhagem contra o patrimônio daqueles que se acham – ainda – em condições de consumir. (GUIMARÃES, 2005, p.45)

Claro exemplo disso é o tratamento por parte da polícia e da sociedade civil consumista quando aqueles jovens que ficam em sinais de trânsito limpando os vidros dos carros e cheirando cola chegam perto de seus bens. No mínimo o que se faz é fechar o vidro e ligar os para-brisas a fim de evitar que o excluído (na maioria dos casos menor de idade) tenha qualquer aproximação com sua propriedade.

Nesse contexto, surgem a cada dia mais políticas de alargamento do cárcere e de criminalização de delitos menores praticados pelos setores socais mais oprimidos. Ademais, não há vontade política no que concerne a tutela de garantias constitucionais, tais como o direito a moradia, a educação, a saúde, e diversos outros direitos que são previstos apenas na folha de papel. Pelo contrario, "o dinheiro público ao invés de ir para programas sociais, inclusive de criação de empregos, vai para o sistema de justiça penal pagar pelo custo de seus detentos e, assim, fazer com que a economia continue aquecida." (GUIMARÃES, 2005, p.43).

Diante disso, faz-se necessário denotar-se também a função ilusória do cárcere na divulgação de índices políticos populistas. Haja vista que,

O encarceramento em massa mascara uma forte tendência ao desemprego, subtraindo das estatísticas uma grande massa de adultos em idade de trabalhar. Assim, o baixo índice de desemprego americano dos anos 90 é, em parte, um resultado e um artifício do elevado índice de encarceramento. Longe de ser exemplo de regulamentação, como se procura demonstrar, o mercado americano é de fato modelado, através de seu sistema penal, por uma forte e coercitiva intervenção penal." (WESTERN; BECKETT; HARDING apud GUIMARÃES, 2005, p.40).

Por fim, mas não menos importante, chegaremos ao ponto fulcral do desenvolvimento crítico do nosso trabalho. Adentraremos agora no debate da criminologia crítica com o direito constitucional na busca de uma mudança do paradigma penalístico.

3 A instrumentalidade da criminologia crítica na consolidação do Estado Democrático Constitucional

A Constituição Federal brasileira de 1988 traz em sua redação uma amplitude de garantias fundamentais jamais constatadas em nosso país. Baseia-se em pressupostos capazes de desenvolver no Brasil um Estado de bem-estar social. Contudo, toda essa fundamentação humanitária não desenvolve aplicabilidade na sociedade como um todo. Os direitos a uma saúde digna, educação de qualidade, moradia descente, etc., são restritos àqueles que possuem condição financeira suficiente para arcar com os custos de tais serviços privados.

Porém, como já foi evidenciado acima, a discrepância entre ricos e pobres no Brasil são exacerbadas, não havendo, portanto, igualdade no tratamento dos cidadãos. Dessume-se então, que é indispensável um debate político entre sociedade civil e os representantes do povo no poder estatal, com finalidade de promover gradativamente o acesso igualitário de todos os cidadãos aos direitos fundamentais.

Realmente, é esse dialogo que se faz necessário atualmente. Mas a sua realização fica exaurida devido aos interesses contraditórios daqueles que deveriam zelar pela aplicação do direito constitucional. A maioria dos burocratas de estado e dos membros da sociedade, não enxergam os problemas criminais como uma questão social, mas sim como uma ausência de punição mais severa. E também deduzem que as garantias constitucionais são dados da realidade apenas por estarem positivados. Desenvolvendo melhor esse tema, GUIMARÃES (2008, p. 233) diz que:

[...] a função de garantia torna-se um simulacro, pois trata problemas sociais como questões de ordem legal, negando sua motivação político-econômica que impede a efetivação de uma justiça social, além de fazer crer, de maneira irreal, que a sua simples positivação tem valor de garantia efetiva dentro do Estado democrático.

O papel do criminólogo crítico é, sem dúvidas, o de trazer ao seu debate a "velha proposta de Radbruch (não um direito penal melhor, mas sim algo melhor que o direito penal)" (GUIMARÃES, 2008, p.229). Tal definição é indispensável no tempo hodierno para cunhar valores igualitários e unificadores. Devem-se promover também, mais discussões extra-acadêmica sobre o tema, ultrapassando os muros da universidade e atendendo quem de fato está à mercê do jus puniendi.

Novamente, reiteramos que para a supressão desse excesso punitivo atual, é indispensável a aplicação maciça da Constituição em todos os âmbitos da vida em sociedade. Para isso, primeiramente deve-se desconstruir a idéia sustentada pela mídia sobre a prevenção de delitos, isto porque os instintos punitivos individuais fazem com que "[...]as políticas de repressão, em razão do trabalho realizado pela mídia, são mais bem aceitas pela opinião pública que quaisquer políticas sociais, que hoje carregam o estigma de estímulo à desocupação [...]" (GUIMARÃES, 2005, p.43)

Resgatar a capacidade questionadora dos indivíduos é um trabalho que deve ser realizado em conjunto. A manutenção de ciclos de debates sobre criminologia crítica, tanto nos meios de comunicação quanto em locais espalhados pelas ruas, seria sem dúvida um brilhante início para a transição do direito penal do terror para um direito penal mínimo, que sirva apenas como um referencial neutro de aplicações de penas mais humanas e sem interesses econômicos incutidos a ela. E gradativamente a eficiência completa da Constituição garantiria uma redução significativamente no numero de delitos. Logicamente que tal mudança deve ocorrer simultaneamente com a desmistificação da exploração intrínseca ao capitalismo.

Conclusão

O desenvolvimento da pena privativa de liberdade deu-se inicialmente como uma forma de suavização da punição, contudo os estudiosos críticos do sistema capitalista constataram no emprego da pena um intuito que vai muito além de qualquer humanização desta. Percebe-se que com as modificações econômicas, o simples ato de explorar a dor do individuo não tinha sentido diante do então contexto. Destarte, com o desenvolvimento do capitalismo, foi criado um mecanismo de extração de lucro daquelas classes que estão à margem do consumo de produtos industrializados. Essa classe despossuída passa a compor a realidade carcerária da modernidade, servindo de mão-de-obra barata que sustenta o "aquecimento da economia capitalista".

Atualmente, a pena privativa de liberdade ainda contém esta mesma ideologia exploradora. Além do mais, adquiriu uma enorme legitimação por parte da sociedade devido a massificação do conceito de crime e a exposição constante da mídia de casos de crimes cometidos por pobres contra os bens jurídicos nos protagonistas do consumo.

Contudo, o desenvolvimento cada vez maior dos estudos críticos da pena privativa de liberdade, fomenta hodiernamente uma crise acadêmica sobre a aceitação da legitimidade e do discurso econômico do direito penal. A criminologia crítica surge nesse contexto como um veículo de contestação do status quo penalístico, reivindicando o fim da pena privativa de liberdade e uma total reestruturação do sistema penal. É válido frisar que não se pretende também abrir as portas das prisões da noite pro dia, até porque isso geraria um pânico geral na sociedade. O que se pretende é um processo gradativo de alargamento das garantias constitucionais na sociedade e concomitantemente a paulatina redução do sistema penal. Cabe ratificar também, que o conceito capitalista de "quanto maior o preço menor a procura", não se aplica à realidade criminal, por isso, não será por meio de um sistema penal rígido que a sociedade superará os índices de delitos.

Resta aos estudiosos do direito e aos demais adeptos desta visão crítica, buscar reacender a chama da racionalidade humana na sociedade, e estruturar um novo direito penal, baseado na defesa dos Direitos Humanos e edificado aos moldes da constituição federal. Desta maneira, podemos esperar um futuro no qual a violência e exploração deixará de ser o papel do direito penal, tendo como sua nova base de sustentação a aplicação ponderada e racional do jus puniendi.

REFERÊNCIAS

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GRECO,Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 11 ed. Rio de Janeiro: Inpetus, 2009. cap. 35, p.485 – 589.

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Autor: Aidil Lucena


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