RELIGIÃO, IDENTIDADE E SINCRETISMO: MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE UM FENÔMENO



Diante destas novas abordagens construídas ao longo da história sobre o que é Religião, fica nítido a importância deste elemento como sendo indispensável para a formação humana. Toda religião mesmo que de forma diferenciada apresenta ao meu que esta inserida um propósito de vida a ser seguido e observado. Predominantemente a história do Brasil é marcada pela presença da tradição judaico-cristã, isto configurou uma forte a abrangente atuação deste sistema religioso e como conseqüência disto sua consolidação por meio da própria história.

Dentro do processo de colonização desenvolvido pelos europeus, e de modo particular quando falamos do Brasil, lembramos da ação portuguesa nestas terras, a religião teve um papel fundamental na instalação e no desenvolvimento desta prática. O catolicismo vindo de Portugal, aporta no Brasil carrega de outras grandes influencia recebias ao longo do tempo devido ao contato com outros povos, como africanos, árabes e judeus.

Isto representa dizer que para o Brasil não veio um catolicismo puro, onde não era possível se perceber elementos culturais e sagrados de outras culturas. Todos estes requisitos forjaram a formação de um catolicismo que predominou e que ainda nos dias atuais reivindica a hegemonia religiosa destas terras.

Segundo Leonardo Arantes Marques, estudar as religiões é estar comprometido com o conhecimento e livre de verdades absolutas, buscando possibilidades e sentidos. O historiador das religiões deve ser comprometido com o conhecimento e não com verdades absolutas. (MARQUES, 2005, p. 11). Com este propósito este se apresenta como um olhar sobre este elemento importante da vida do homem, a religião.

É de fundamental pertinência entender que a religião exerce uma influencia muito forte na vida e ação do homem que está inserido no meio social, com suas orientações, regras e dogmas as religiões tornam-se capazes de realizar transformações intensas na vida dos indivíduos que a praticam. A religião é sem duvida um fenômeno especial que dever ser olhada pela ciência com bastante seriedade, pois, com estudos e pesquisas sobre a religião é possível dar passos para o entendimento da realidade que vivemos.

O fato é que não existe nenhum fenômeno religioso é isolado, o mesmo acontece e se desenvolve em um contexto plural, social, econômico, cultural, onde neste momento a ciência se apresenta como via para entendimento do mesmo. (MARQUES, 2005, p. 12).

O fato é que concordamos que conceituar religião é uma tarefa árdua, neste trabalho procuramos evidencia a luz de pesquisadores que estão em busca de uma definição deste fenômeno evidente na vida do homem em sociedade, estamos de acordo com o que afirma o Prof. Leonardo Arantes Marques que enfatiza, "não trabalhando com verdades e sim com possibilidades, podemos dizer que a religião e a revalorização do sagrado" (MARQUES, 2005, p. 20)

Quando se está inserido dentro de um sistema religioso, somos rapidamente identificados como membros deste sistema. Neste trabalho, tentamos trabalhar o conceito de identidade dento do universo da religião, toda religião revela uma identidade particular, peculiar fundamentada em seus princípios éticos e morais.

Mas o que é a identidade? Este é um questionamento que norteamos dentro do nosso pensamento, como a identidade religiosa é constituída? Como, objetivo expresso, nos dedicamos a analisar a identidade das religiões africanas no Brasil, de modo particular o Candomblé, ao qual pelo que podemos observar guarda em sua essência uma identidade expressiva da cultura e da religião de seus ancestrais.

Diante dos nossos estudos, podemos observar que o fenômeno do sincretismo religioso foi fundamental para a construção da identidade da religiosidade no Brasil. Na medida em que se desenvolvia o processo de colonização e a introdução da prática escravocrata no Brasil, a mistura entre as culturas foi determinante para a formação do povo brasileiro.

O trabalho tem como principal objetivo fazer uma análise do processo de construção da identidade religiosa mediante o desenvolvimento do sincretismo afro-católico, experiência intensa de entrelaçamento de duas formas de religiosidade que culminaram em uma prática fervorosa, configurando-se numa profunda experiência de Deus, edificante para aqueles que a integram e praticam.

RELIGIÃO E IDENTIDADE

1.1 – Em Busca de uma definição:

É possível se perceber que hoje, cada vez mais torna-se freqüente as discussões sobre o sentido da religião no mundo contemporâneo, ou como muitos preferem definir, pós-moderno. A atual conjuntura global tornou-se um espaço propicio para o desenvolvimento de novos valores, e por que não contra valores, os quais tornam-se desafios ou então perspectivas para a religião. O fato é que na atualidade nunca se falou tanto em religião, nunca se discutiu com tamanho vigor o conceito e a definição deste elemento.

O desafio que nos propomos a redigir é o construir uma visão sobre este elemento tão importante para a vida do homem. Por si, o homem é um ser religioso, e tendo esta condição em sua essência humana, isto o possibilita a fazer uma experiência com o sagrado, propiciando assim a construção de uma identidade.

Mais como definir religião? Como construir uma Identidade Religiosa? Estes questionamentos dão norte para a formulação do nosso pensamento. A busca por um conceito, ou definição de religião perfaz um intenso desejo de entende-la, de percebe-la, como elemento formulador da essência do homem que vive em sociedade e se caracteriza pela sua identidade constituída.

A história como ciência, torna-se capaz de nos ajudar a compreender e definir a religião, como já mencionei, somos seres religiosos por natureza, porém partimos do principio que para formular um conceito ou definição, é melhor partimos do ponto que estamos, ou seja, não se deve desprezar o passado, porém nossos olhos deslumbram um futuro mediante a vivencia de um presente. Por isto, partimos deste pressuposto, como está a religião hoje? Segundo Rubem Alves é preciso começar a pensar qual é o sentido da religião:

Mas alguma coisa ocorreu. Quebrou-se o encanto. O céu, morada de Deus e seus santos, ficou de repente vazio. Virgens não mais apareceram em grutas. Milagres se tornaram cada vez mais raros, e passaram a ocorrer sempre em lugares com pessoas desconhecidas. A ciência e a tecnologia avançaram triunfalmente, construindo um mundo em que Deus não era necessário como hipótese de trabalho. Uma das marcas do saber cientifico é seu rigoroso ateísmo, um biólogo não invoca maus espíritos para explicar epidemias, nem um economista, os poderes do inferno para dar contas da inflação, da mesma forma que a astronomia moderna, distante de kelper, não busca ouvir harmonias musicais divinas nas regularidades matemáticas dos astros. (ALVES, 2002, p. 10-11)

Teria a religião perdido o seu sentido nos dias de hoje? Rubem Alves nos faz uma profunda provocação sobre o sentido que se apresenta hoje a religião, somos provocados a pensar o que de fato é religião, um conjunto de crenças e doutrinas? Ou um elemento de suma importância para a formação da essência humana? A resposta é concisa, "Desapareceu a religião? De forma alguma. Ela permanece e frequentemente exibe uma vitalidade que se julgava extinta" (ALVES, 2002, p. 11).

Nos dias atuais somos bombardeados de informações pelos meios de comunicação social, a rapidez é uma marca deste tempo que vivemos, as noticias e informações chegam muito rápido, somos pressionados para fazermos escolhas, tomar decisões, agir para sermos precisos e não perder tempo, dentro de todo qual seria o espaço da religião na vida do homem moderno, ela ainda ocupa o espaço que no passado ocupou?

Segundo Rubem Alves, podemos entender que a religião, "já não pode frequentar aqueles lugares que um dia lhe pertenceram: foi expulsa dos centros do saber cientifico e das câmaras onde se tomam as decisões que concretamente determinam nossas vidas" (ALVES, 2002, P. 11).

Embora não tenha o mesmo espaço como em outros momentos da história a religião continua tendo uma expressividade muito forte no mundo contemporâneo, não seria ousadia arriscar e dizer que as grandes questões que envolvem o mundo global estão ligadas a idéias religiosas, basta observarmos, os conflitos no Oriente Médio, na África, por assim citar.

Mais, afinal é possível definir religião no mundo de hoje? Embora tenhamos aprendido o significado e a etimologia da palavra que deriva do latim, sabemos que este significado limita o sentido da mesma palavra, podemos dizer que a palavra religião tem um significado bem mais profundo, de interação, ligação e interligação com o sagrado, é interessante observarmos os conceitos construído por personagens da história:

Historicamente foram propostas várias etimologias para a origem de religio. Cícero, na sua obra De natura deorum, (45 a.C.) afirma que o termo se refere a relegere, reler, sendo característico das pessoas religiosas prestarem muita atenção a tudo o que se relacionava com os deuses, relendo as escrituras. Esta proposta etimológica sublinha o carácter repetitivo do fenómeno religioso, bem como o aspecto intelectual. Mais tarde, Lactâncio (século III e IV d.C.) rejeita a interpretação de Cícero e afirma que o termo vem de religare, religar, argumentando que a religião é um laço de piedade que serve para religar os seres humanos a Deus.

No livro "A Cidade de Deus" Agostinho de Hipona (século IV d.C.) afirma que religio deriva de religere, "reeleger". Através da religião a humanidade reelegia de novo a Deus, do qual se tinha separado. Mais tarde, na obra De vera religione Agostinho retoma a interpretação de Lactâncio, que via em religio uma relação com "religar".

Macróbio (século V d.C.) considera que religio deriva de relinquere, algo que nos foi deixado pelos antepassados. Independente da origem, o termo é adotado para designar qualquer conjunto de crenças e valores que compõem a fé de determinada pessoa ou conjunto de pessoas. Cada religião inspira certas normas e motiva certas práticas. (FILORAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo - As Ciências das Religiões. São Paulo: Paulus, 1999. Citações e referencias a documentos eletronicos. Banco de dados. Disponivel na Internet. Http://www.wikipédia.org/wilki/religião. Acesso em 03 de agosto de 2007.)

Está claro que, independente do que estamos presenciando em tempos atuais a religião é um fator predominante e importante para a formação humana. A experiência com o sagrado torna-se capaz de levar o homem ao universo do desconhecido, este se apresenta como um desafio a ser conquistado um limite a ser superado um mistério a ser desvendado. O fenômeno produzido pela crescente secularização não fez a religião perder seu sentido, ao contrario, desencadeou um processo de construção de identidades religiosas, para não reduzir a uma identidade religiosa, portanto, para definir o que é religião nos dias de hoje me apoio em três opiniões distintas e simplificadas, pelo qual é possível construir uma idéia:

Para Rubem Alves,

A religião é a memória de uma unidade perdida e a nostalgia por um futuro de reconciliação. Por isto a religião pressupõe sempre, sob as camadas superficiais de felicidade e paz que ela proclama, um eu irreconciliado com seu destino. (ALVES, 1988, p. 09)

Leonardo Arantes Marques,

Não trabalhando com verdades e sim com possibilidades, podemos dizer que a religião é a revalorização do sagrado. (MARQUES, 2005, p. 20)

                João Batista Libânio,

A religião projeta – isto é, lança para fora – do coração do homem uma realidade de sentido, uma pátria da identidade, um reino de fraternidade e paz, que contradiz a evidencia de uma sociedade caótica, alienada, sem irmãos e em guerra. A religião é paixão, é amor pelo ideal em confronto com o real, é força estruturante significativa dos dados e fatos, construída pela matriz valorativa da consciência. (LIBÂNIO, 2003. p. 36)

Contudo, a religião se apresenta nos dias de hoje como uma via necessária e eficaz para a consolidação de ideais que supostamente não são vivenciados pelas estruturas do mundo moderno, diante disto, só resta saber se no futuro que está cada vez mais próximo a religião continuará a desempenhar este papel fundamental, que é ser parte integrante da formação humana. Com tudo estudar o fenômeno religioso e observar a prática e ação das religiões, torna-se cada vez mais necessário, desta forma concordamos com o que afirma Berger, quando explica a importância de se compreender e estudar as religiões, pois cada uma, embora de forma diferente apresenta ao homem um sentido a ser vislumbrado:

"Quanto mais se estudam as religiões, melhor se compreende que elas, do modo que as ferramentas e linguagem, estão inscritas no aparelho do pensamento simbólico. Por mais diversas que elas sejam, respondem sempre a esta vocação dupla e solidária: para além das coisas, atingir um sentido que lhe dê uma plenitude dos quais elas mesmas parecem privadas; e arrancar cada ser humano de seu isolamento, enraizando-o numa comunidade que o conforte e o ultrapasse". (BERGER, 2004, p. 05)

1.2 – Em busca da Identidade:

Quando nos propomos a refletir e estudar o universo que envolve a Religião, nos deparamos com um grande desafio. (que desafio seria este?) A incapacidade de não conseguir responder aos anseios desta intensa busca por respostas sobre este elemento da condição humana.

Cada experiência religiosa é peculiar, é particular, cada uma tem suas especificidades, tornando-as extremamente significativas nos âmbitos aos quais pertencem. É na vivência, que o individuo começar a entrar de fato no universo do sistema religioso que escolheu.

Esta vivência se configura na construção de uma "Identidade", a partir do momento que alguém passa a fazer uma experiência religiosa, o mesmo é levado a construir uma identidade ligada a esta experiência, podemos exemplificar observando as mais diversas manifestações presentes nas grandes tradições religiosas, como o Judaísmo, Islamismo e o Cristianismo.

A Identidade é uma característica pertinente daqueles que estão inseridos em uma sociedade. Portanto, refletir o significado deste elemento e entrelaça-lo com a religião é um propósito explicito deste estudo.

Estamos observando, nos últimos anos, uma verdadeira explosão discursiva em torno do conceito de "identidade". O conceito tem sido submetido, ao mesmo tempo, a uma severa critica. Como se pode explicar esse paradoxal fenômeno? Onde nos situamos relativamente ao conceito de identidade? Estaríamos vivendo uma crise de identidade, ou de identidades?

Abordando esta discussão nos valemos da explicação de Suart Hall. Segundo Hall a discussão sobre este conceito se configura da seguinte forma hoje:

Está-se efetuando um a completa desconstrução das perspectivas identitárias em uma variedade de áreas disciplinares, todas as quais, de uma forma ou outra, criticam a idéia de uma identidade integral, a critica do sujeito auto-sustentável que está no centro da metafísica ocidental pós-cartesiana. No discurso da critica feminista e da critica cultural influenciadas pela psicanálise tem-se destacado os processos inconscientes de formulação da subjetividade, colocando-se em questão, assim, as concepções racionalistas de sujeito. As perspectivas que teorizam o pós-modernismo têm celebrado, por sua vez, a existência de um "eu" inevitavelmente performativo. (HALL, 2007, p. 103)

Diante disto nos perguntamos, qual seria a necessidade de se discutir a identidade? Quem precisa dela?

Trazendo para o universo da religião podemos alargar as nossas inquietações, se fazendo as seguintes perguntas, o que teria em comum os dois elementos, a religião e a identidade? A experiência religiosa pressupõe a construção de uma identidade?

É nítido, e percebemos bem que, vem ganhando cada vez maior importância a idéia de experiência religiosa, como algo de central e básico. Experiência é algo que acontece a uma pessoa, que ela experimenta internamente, algo que até então nunca tinha sentido ou realizado.

Nas mais diversas experiências a pessoa é tomada de surpresa, mas sempre o que sente é atribuído ou logo classificado como religioso ou como um contato com o sagrado, as vezes nem a palavra Deus é mencionada, mais a experiência se torna intensa. Isto prefigura a construção de uma identidade, na medida em que o individuo realiza uma experiência, neste caso especificamos a religiosa, isto causa uma profunda transformação em suas práticas cotidianas e consequentemente em seu meio social, sua identidade passa a ser algo visível, e ao mesmo tempo sua ação o diferencia daqueles com quem ele convive.

Compartilho da visão de Vamberto Morais quando explica como a experiência religiosa é importante para a religião e a condição humana, e como a mesma contribui para este processo de construção da identidade religiosa, mesmo que em muitos esta identidade vire um fútil rótulo:

Uma das grandes vantagens do conceito de experiência é que elimina implicitamente qualquer parcialidade ou estreiteza sectária. A experiência religiosa não tem limites ditados por língua, nacionalidade, ou seita. Ocorre na vida de qualquer um, homem mulher ou criança, em qualquer religião, ou nenhuma. Parece tão universal e sem fronteiras como o amor, a arte, ou a ciência. Esta é uma grande vantagem, comparada com as denominações que aprisionam as pessoas em compartimentos e rótulos, como católico, mulçumano, judeu ou budista. (MORAIS, 1995, p. 34)

Desta forma, observamos que religião e identidade estão ligadas pela força da experiência que é feita pelo individuo que se insere em um sistema religioso. Seguindo essa linha de pensamento nos voltamos a observar o universo das religiões africanas sobretudo dentro de uma contextualização histórica pela busca de uma identidade religiosa, como elemento fundamental para a construção desta identidade observamos a presença do fenômeno do sincretismo, mais especificamente o "sincretismo afro-católico" o mesmo tornou-se via para uma experiência religiosa forte e expressiva.

Dentro do contexto histórico brasileiro, é possível se perceber também um processo de construção de uma identidade, e um questionamento se faz pertinente para nossas reflexões, temos uma identidade brasileira? A resposta pode ser socializada e discutida por vários teóricos que construíram a historiografia nacional, a incerteza de nossa identidade como uma nação nos leva a compreensão de que estamos ainda em pleno processo de construção.

A construção da identidade brasileira também poder ser analisada como conseqüência da mistura das raças formadoras do nosso povo, o processo de miscigenação cultural provocou efeitos intensos não só no aspecto cultural, mais também no universo religioso.

É a partir daqui que se faz necessário dentro deste contexto de formulação do conceito de identidade especificar que o elemento negro ao chegar por meio do processo de escravização, tornou-se parte integrante do povo brasileiro, sua cultura e sua religião caracterizaram fortemente a formação do povo brasileiro.

A Escravidão atividade imprescindível para o desenvolvimento do processo de colonização foi o portal para o mais importante aspecto a ser desmistificado neste estudo, a miscigenação, o entrelaçamento das raças, a união de povos muito diferentes que se culminaram na formação de um povo bravo, altivo que de certo modo carrega em seus ombros o carma de sofrimento e de glórias passadas. (OLIVEIRA, 2005, p. 65)

A discussão sobre uma identidade negra no Brasil é um tema polemico e que trás consigo outras problemáticas como a da discriminação racial e a da situação social a qual o negro foi submetido neste país, tanto na época da escravidão como nos dias atuais.

Assim, discutir identidade negra num país formado a partir da mistura, ou podemos dizer a partir de um grande conflito cultural, entre varias etnias, provindo de diversas regiões geopolíticas diferentes, e consequentemente, de culturas dispares, não é um problema meramente cultural, mas de alcance político e social relevantes. Observamos que a busca por uma identidade negra ainda é um longo processo que dever ser realizado, como nos explica Eduardo David de Oliveira (OLIVEIRA, 2006, p. 155), "não existe uma substância geográfica, ou biológica ou cultural que define a identidade racial. São as relações de poder que a definam (relações de dominação)".

Buscar a identidade como se fosse alguma coisa inata que caracteriza a essência de um povo é, no mínimo, retroceder ao inatismo do século XIX. O mundo, a população mundial, se formou através de vários movimentos migratórios que originaram a formação das nações no decorrer dos séculos. Alias, a formação histórica dos povos e nações é algo de muito recente na historia humana mundial, pelo que consta na história não existe uma raça pura, um povo puro, uma religião pura, como nos explica Oliveira:

Não existe no âmbito das sociedades humanas uma essência, imutável, que caracteriza um grupo e somente aquele grupo. O homem é um ser cultural. A cultura é construída, forjada de acordo com os outros acontecimentos da historia e criada a partir das contingências, sempre muito singulares, das comunidades humanas. (OLIVEIRA, 2006, p. 155).

Podemos ariscar em dizer que o Candomblé é o exemplo vivo desta tentativa de afirmação de uma identidade negra no Brasil. A Religião dos Orixás configura-se como uma síntese das varias expressões religiosas africanas, nela é possível observar as diversas cosmovisões de etnias diferenciadas, revelando-se assim uma matriz religiosa africana, onde a busca pela África Mítica é o grande sentido de sua atuação e existência.

O SINCRETISMO AFRO-CATÓLICO

O Brasil foi formado com a contribuição de diferentes culturas e o sincretismo é um fato evidente, por isso mesmo, está presente no campo das religiões afro-brasileiras, onde o conceito, entretanto, é negado por muitos, preocupados com uma pretensa pureza religiosa.

Em todas as religiões ocorrem sincretismos como também, ocorrem nos aspectos culturais. Das religiões afro-brasileiras as evangélicas e neopentecostais. A presença de povos de procedências diversas, dos romanos, e de toda a Idade Média, os bárbaros, os árabes e judeus, são as nossas origens religiosas e depois, com a contribuição das mais diversas culturas, procedentes do continente africano, que se somaram às numerosas nações indígenas encontradas em nosso vasto território.   

Diante desta questão surge a necessidade de se construir uma nova percepção em torno das relações sociais, não se pode achar que o negro e toda sua gama cultural vinda no período colonial são expressões insignificantes, essa consciência tem que mudar. O sincretismo como fenômeno religioso de contato e fusão de culturas despertou conceito de total preconceito, mais além desta microvisão, o sincretismo em sua essência revela uma nova percepção da religiosidade.

Segundo Juana Elbein, o sincretismo é resultado de todo um processo, não se pode pensar que o sincretismo foi simplesmente um processo de contato ou mistura, em destaque está a reinterpretação da cultura, ou seja, neste âmbito se focaliza a religião, o negro teve a habilidade de reinterpretar a religiosidade do branco, visto que isso era uma necessidade, pois não poderia vivenciar sua religiosidade igualmente como na África.

A religião negra e o cristianismo católico passaram por um processo ajustamento, insisto de reinterpretação, o resultado disto foi um longo processo de associações, mudanças fusões, isto fica claro quando a própria Juana Elebin descreve:

A religião negro-brasileira, assim como o cristianismo, é o resultado de um longo processo de seleção, associação, reinterpretação de elementos herdados e outros novos, cujas variações formam se estruturando de acordo com as etnias locais e de seu interrelacionamento sócio econômico, mas todas elas delineando um sistema cultural básico que serviu de resposta antitética as instituições oficiais. (SANTOS, 1988, p. 25)

O Sincretismo é sem dúvida um fenômeno religioso intrigante e, ao mesmo tempo atraente, intrigante no sentido que é difícil entender como culturas tão diferenciadas podem pelo elemento do "sagrado" se misturarem e se entrelaçaram, e ai está a justificativa para o termo atraente, pois é muito interessante notar e perceber como tal elemento foi de suma importância para a formação religiosa e cultural da nação emergente, a qual chamamos de Brasil.

A discussão sobre o sincretismo é muito complexa e vasta, é preciso beber das fontes primarias para se perceber como este fenômeno foi analisado e consequentemente como seu conceito foi construído, vale salientar que Waldemar Valente fecha uma cadeia de intelectuais que se tornaram pioneiros na formulação do conceito de sincretismo, mais precisamente o sincretismo afro-católico ou cristão. Findando como já foi citado a cadeia dos primeiros intelectuais a investigar tal fenômeno religioso, seu conceito de sincretismo é concebido da seguinte forma:

O Sincretismo é um processo que se propõe resolver ume situação de conflito cultural. Neste a principal característica é a luta pelo status, ou seja, o esforço empreendido no sentido de conseguir uma posição que ajuste a idéia que o individuo ou grupo tem da função que desempenha dentro de sua cultura. (VALENTE,1976 p. 10).

No conceito de sincretismo, a idéia de um conflito social se estabelece como elemento de discussão, que conflito é este? Quais as classes que estão disputando status em meio a uma sociedade? Logicamente que fica claro no processo de construção das idéias que o que esta em jogo neste momento é a posição do homem branco em relação ao africano escravizado, que consequentemente traz consigo, uma estrutura cultural diferenciada do branco.

Sendo o sincretismo um conflito social segundo Valente, observa-se uma nítida diferenciação do conceito de aculturação, ou seja, o processo de sincretismo não representou um "um processo de aculturação".

Rigorosamente falando, distingui-se da aculturação porque – e levando em conta o próprio exemplo do Brasil, no que se refere aos contactos e conflitos entre raças e culturas – acarreta, por vezes além de interfusão de elementos culturais – o que é fundamental e essencial – um processo também de união biológica. (VALENTE,1976 p. 10).

Aculturação ou sincretismo? O que de fato ocorreu nestes interditos que envolveram africanos e brasileiros, católicos e adeptos de uma religião totalmente diferenciada? Outros conceitos são propostos para a identificação e explicação de tal processo, a "amalgamação" e "assimilação", nos chama, a atenção para a explicação do que é o processo de assimilação de uma cultura, "processo de interação cultural e social que implica uma modificação de experiência interior", desta forma o processo de assimilação aproxima-se de uma forma intensa do que podemos chamar de sincretismo.

É interessante observar que as características do processo de sincretismo, daí vem a chave para a compreensão deste elemento, é neste ponto que o autor coloca expressamente a definição do que é sincretismo, conforme assim ele descreve:

O Sincretismo se caracteriza fundamentalmente por uma intermistura de elementos culturais. Uma intima interfusão, uma verdadeira simbiose, em alguns casos, entre os componentes das culturas que se põem em contacto. Simbiose que dá resultado um fisionomia cultural nova, na qual se associam e se combinam, em maior ou menor proporção, as marcas características das culturas originarias. (VALENTE,1976, p. 11).

Destaco que estas construções de conceitos e idéias a cerca do sincretismo religioso e mais especificamente o sincretismo afro-católico, direcionam nosso entendimento sobre este fenômeno tão intenso e marcante dentro do campo religioso brasileiro. Porém é indiscutível não se acentuar a colaboração dos estudos realizados pelo professor Roger Bastide.

A obra de Roger Bastide, tornou-se um divisor de águas dentro do universo dos estudos afrobrasileiros, a partir de Bastide foi possível se conhecer de forma profunda a a religiosidade africana no Brasil. Dos estudos que o antecederam, foi possível observar uma seqüência lógica de dados e informações a respeito do processo de sincretismo afro-católico no Brasil. A partir de Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Waldemar Valente, configura-se uma visão e um entendimento prévio sobre este fenômeno. A Obra de Roger Bastide apresenta-se essencialmente como um diferencial dos outros teóricos antecessores, entendo que seu estudo tem uma conotação diferenciada e de mais fácil compreensão.

A questão que me chama atenção nos estudos de Bastide, é que ele detecta que o sincretismo não é um fenômeno recente, (BASTIDE, 1973, p. 160) "Em primeiro lugar é necessário fazer-se lembrar que o sincretismo não é nem um fenômeno recente, é um acontecimento estritamente localizado".

A deixa de Bastide é muito relevante neste contexto, pois, com esta idéia ele abre um leque para uma profunda discussão. Segundo Bastide, o Sincretismo acontece desdeo inicio da colonização, não simplesmente com a chegada do africano fetichista para o trabalho escravo: (BASTIDE, 1973, p. 160) "Porém, mesmo que não se vá tão longe no Brasil o sincretismo é um fenômeno antigo, pois desde o inicio da colonização já o encontramos no Quilombo dos Palmares".

Outro aspecto importante de definição de Bastide sobre o sincretismo ele o faz em um pequeno fragmento quando refere-se, e afirma que o sincretismo não algo fixo e imóvel, ao contrário é um processo mutante, (BASTIDE, 1973, p. 164) "o sincretismo não é uma coisa fixa, cristalizada, mas variável. Continua ainda hoje sua evolução criadora, pois penetrou de tal forma nos costumes que dá sempre lugar a novas identificações".

Partindo do pressuposto das outras idéias estudadas, as quais colocam o sincretismo como uma fusão de elementos e práticas católicas – fetichistas. Bastide também não se distancia deste conceito, porém sua visão é mais objetiva.

Fica nítido que Bastide procurou utilizar uma nova metodologia em seus estudos, foi de fato um divisor de águas no processo de pesquisa das religiões africanas, isto fica bem enfatizado, consequentemente sua lógica de argumentação terá outro direcionamento completamente diferente dos seus antecessores, (BASTIDE, 1973, p. 170) "como estamos vendo, a questão do sincretismo é mais complicada do que em geral fazem supor os livros sobre o afro-brasilianismo. E, para colocar um pouco de ordem no problema, seria necessário, a nosso ver, modificar daqui por diante a metodologia da pesquisa".

Ainda sobre a argumentação Bastide deixa claro e enfatizado a necessidade de se ter novas abordagens sobre este fenômeno, não se deixando influenciar somente por conceitos pré-ditos, (BASTIDE, 1973, p. 170-172) "Em vez de se limitar a considerações gerais e globais, abraçando uma totalidade de seitas, era preciso começar por fazer monografias bem analíticas de terreiros, indicando, de cada vez, a nação, a fragmentação do orixá em seus dois ou múltiplos tipos, as assimilações católicas de cada um".

Para definir as etapas de explicação do sincretismo, penso que Bastide direciona seus caminhos para vertentes e analise, situando-se em áreas distintas e ao mesmo tempo homogêneas, ou seja, ele predispõe o roteiro de analise quando diz: (BASTIDE, 1973, p. 177) "a primeira interpretação é sociologia", nesta, ele faz um levantamento histórico dos motivos e conseqüências da chegada do negro no Brasil, e sua introdução no processo de catequese católica. (BASTIDE, 1973, p. 177) "a segunda é psicanalítica", onde a segunda não nega a primeira e passa a coexistir com a segunda, neste contexto aborda-se toda inter-ligação dasvisões religiosas, a do senhor e suas imposições e a do escravo e suas sujeições.

Mesmo apresentando uma conotação diferenciada em sua pesquisa, Bastide , ao meu entender coloca-se na posição de um pesquisador que também apresenta sua visão, mais que teoricamente se diferencia dos outros justamente pelo método utilizado, mais, sua pesquisa abre novas perspectivas para novas abordagens em relação ao processo do sincretismo, sua conotação tornou-se de fato um divisor de águas, porém ele não sacramentou sua visão como uma verdade absoluta sobre o fenômeno sincrético, para enfatizar suas palavras são muito claras ao dizer:

"Para tanto é necessária todas uma pesquisa nova, anterior, com um método diferente do até agora geralmente empregado. Ousamos esperar que ela seja empreendida pelos afrologistas brasileiros. Acreditamos que traga muitas surpresas e venha transtornar, em muitos pontos, os quadros já elaborados do sincretismo católico-fetichista". (BASTIDE, 1973, p. 172)

O sincretismo religioso, e mais particularmente o afro-católico, só evidenciam o quanto o sagrado é um elemento presente na formação cultura do Brasil. A intermistura cultural e a interfusão das práticas em torno do sagrado nos levam a um conhecimento mais amplo e detalhado da fé experimentada por estes do passado, e que hoje também revivem em seus terreiros e Igrejas as mesmas práticas e devoções.

Em busca de uma conclusão, fica claro e evidente que a experiência do sincretismo religioso, foi de suma importância para construção da identidade religiosa africana no Brasil. O contato das duas culturas religiosas resultou num processo de entrelaçamento onde os ritos, os mitos e a liturgia de ambas culturas ficaram influenciadas.

Dentro da perspectiva histórica, o desenvolvimento do sincretismo afro-católico acompanhou a prática da escravidão, nas senzalas a religião e crenças em seus ancestrais mantinham viva a esperança de que aquele sofrimento um dia iria terminar.

A fé e a devoção trazida pelo africano de sua terra mãe, aqui se misturou com as práticas católicas, surgindo deste contato uma religiosidade camuflada, ou seja, os africanos foram obrigados a camuflar sua verdadeira identidade religiosa, visto que as relações de poder estabelecidas pelos portugueses determinavam, a adesão as práticas religiosas da Igreja Católica.

Com isto o sincretismo como fenômeno passou a ser evidente, o negro que se viu ameaçado pela perca total de sua identificação com a religião de seus ancestrais, era levado a aceitar as práticas cristãs e dentro desta situação reinterpreta-las.

Os estudiosos que se dedicaram a explicar este processo desenvolveram suas visões na perspectiva de que outras pesquisas pudessem ser realizas e com isto, surgissem novas contribuições para a ciência como elemento do conhecimento coletivo.

No campo das Ciências da Religião, a contribuição destes estudos, são de uma enorme valia, pois de Nina Rodrigues até os atuais e mais recentes pesquisadores todos estão comprometidos com a grande tarefa de colaborar para que este universo tão importante que a religião e a cosmo visão africana não seja alvo da intolerância religiosa.

Por fim não se esgotam as possibilidades de cada vez mais descobrimos elementos que caracterizem a experiência do sincretismo afro-católico, basta visitarmos, as igrejas, os terreiros e observamos o quanto uma cultura absorveu a outra e como cada uma leva seus adeptos a uma relação com Deus e com o sagrado, mediante suas liturgias e cerimônias.

REFERENCIAS

ALVES, Rubem. O enigma da religião. 4ª edição. Campinas. Editora Papiros. 1988.

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Autor: Marlon Oliveira


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