Vestígios da Criação



VESTÍGIOS DA CRIAÇÃO

 

                         “... quantas coisas perdidas e esquecidas no teu baú e espantos...”

(Mário Quintana – Esconderijos do Tempo)

 

            O que guardamos em baús?

            Recordações. Lembranças de um tempo implacável, a conservarem-se ali, impolutas, intocáveis: perdidas, esquecidas, escondidas de nós. Esses fragmentos, ainda que particulares, revelam um processo criativo inerente ao ser humano. A idéia de criação está ligada a uma tendência autoritária do criador sobre a obra, dada sua existência. Portanto o sujeito-autor torna-se portador de uma gênese, de um começo, estando por vincular em sua ação a presença do tempo. Este é, por sua vez, “o grande sintetizador do processo criativo que se manifesta como uma lenta superposição de camadas” (SALLES, 32). Desta forma, o tempo de trabalho, o crescimento e as transformações darão materialidade a esse percurso e a produção decorrente desse tempo apresenta-se como documento de processo.

Esses registros criam uma atmosfera intrigante, de modo a indicar a busca da criação em plenitude: “a ação que se quer criadora, ainda que intencional e voluntária, também se manifesta como sucessão de atos cegos tendendo para uma direção, como, que atraídos por uma energia vital desprendida pelo vapor de um corpo vivo que é, que deseja, que intui, que sente, que recorda, que pressente, que pensa, que quer, que sonha, que imagina, que pode, que faz” (DERDYK, 17).

O autor mergulha em uma jornada de experimentação típica e sempre presente no ato criador. Esta pode, em sua materialidade, ganhar o formato de rascunhos, estudos, esboços, roteiros, projetos, ensaios, maquetes... Enfim, a partir desses documentos é possível ter acesso, mesmo que de forma indireta, ao fenômeno mental da ação criadora. Contudo, eles podem ser considerados “a forma física através da qual esse fenômeno se manifesta” (SALLES, 17), denominando-se índices, vestígios do ato criador.

À luz desses campos de ação, deleitemo-nos em direto encontro às obras vestigiais, protagonistas desse processo insuperável que é a criação. Entremeados a este conjunto de indagações e hipóteses que surgem dos olhares e pensamentos, convido-os a participarem deste percurso criativo, que é o próprio artista: ainda que particular, ainda que escondido possa estar, o baú de espantos criará.

 

SALLES, C. A. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998.

DERDYK, E. Linha do horizonte: por uma poética do ato criador. São Paulo: Escuta, 2001.


Autor: Cristiane Rivero


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