SINCEROLÂNDIA



Sincerolândia seria apenas mais uma cidade do interior de um longínquo país que conheci, igual a tantas outras espalhadas pelo mundo, se não fosse por um pequeno detalhe: em Sincerolândia, ninguém mente. Isso mesmo, ali todo mundo fala a verdade. Não pensem os mais apressados que isso seja motivo de inveja; pelo contrário, só causa grandes confusões, já começando pelo Ano Novo. As tradicionais reuniões de família realizadas nessa data no mundo inteiro, nunca terminam bem em Sincerolândia. No momento em que cada um emite suas preces, começam a sair os podres. João Honesto, por exemplo, ao terminar sua oração, confessou que saía com a comadre Dadinha. Foi um horror; além de levar um safanão de sua mulher, Dona Carrancuda, ainda levou na cara um direto do compadre Zé Touro, marido da Dona Dadinha. Foi o maior barraco.

 

Também é grande o número de demissões naquela cidadezinha. As costumeiras faltas ao trabalho na segunda-feira, por viagem em feriadão, ressaca ou preguiça tem posto muita gente no olho da rua. Enquanto nas outras cidades os faltosos inventam virose e morte de parente, os sincerolandenses dizem a verdade mesmo. É o caso de Aldinho Cana Brava que ao ser perguntado pelo Chefe porque faltou no dia anterior, respondeu na bucha que estava de cara cheia, de ressaca, no maior porre. Até hoje tá desempregado.

 

Outro dia, Inocêncio Cornélio estava na esquina, conversando com uns amigos, quando chega sua esposa, Dona Berta, que lhe dá um beijinho e sai num rebolado daqueles. Empolgado, Inocêncio pergunta aos amigos se sua esposa não é uma grande mulher. Sim, todos respondem, e completam, sinceramente: e agora, tá indo direto pra casa de Paulo Urso, estão tendo um caso. Inocêncio disse que só acreditava vendo e como não viu, continua com Dona Berta. Só lhe chamam, agora, de São Tomé.

 

Semana passada, Albertino Franco, sincerolandense da gema, veio visitar o Brasil e hospedou-se em minha casa. Informou-se sobre as propostas e planos do governo, num relatório sobre o PAC, presenciou o discurso pró-reeleição de um político local, visitou meu trabalho, testemunhando uma homenagem que Carlos Balança promoveu para o Chefe e ainda observou, numa reunião de casais, que ninguém briga e são todos fiéis. Albertino não se conteve, olhou-me emocionado e falou: Que país, heim?



Autor: sander dantas cavalcante


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