Transparência no Terceiro Setor



Por: Alexandre Machado Luz

Transparência no Terceiro Setor

O conceito da transparência no Terceiro Setor está começando a se desenvolver no Brasil. A grande maioria das centenas de milhares de entidades do Terceiro Setor ainda é focada em sua sobrevivência de curto-prazo, isto é: como captar os recursos necessários, e escassos, e como gerir da melhor forma possível seus projetos.

Grande parte das entidades brasileiras ainda não têm consciência e orientação sobre o que é a transparência no Terceiro Setor, sua importância para a entidade, ou como se tornar transparente. Porém, construir uma entidade transparente é uma necessidade e, no futuro, a existência das entidades pode depender disso.

Mas o que é transparência?

Segundo a definição do dicionário Aurélio, o adjetivo transparente significa “cujo sentido oculto se deixa perceber”, ou seja, tornar claro, visível, perceptível o sentido ou motivo, que muitas vezes não o é.

Muitas vezes o objetivo, funcionamento e resultados da entidade são claros para seus integrantes e para os assistidos nos projetos, porém, isso não é passado de forma clara para a sociedade. Isso dificulta o reconhecimento da entidade e de seus projetos, sua captação de recursos, bem como a possibilidade de divulgar e replicar ações bem sucedidas para outras entidades do país.

Existem muitas maneiras de se construir uma entidade transparente, mas algumas medidas são essenciais:

-Possuir uma missão, visão e princípios claros: a entidade deve saber com clareza a razão dela existir, aonde ela quer chegar, como quer ser vista pela sociedade e de que forma irá agir para atingir seus objetivos.

-Saber qual o objetivo da entidade e de cada um de seus projetos: ter pré-definido quem serão as pessoas atingidas pelos projetos e que diferença isso fará na vida destas pessoas, se possível tomado essas decisões baseado em pesquisas.

-Definir qual a estrutura da entidade: como ela é organizada, como seleciona suas pessoas, como pode se tornar profissional. Um Estatuto Social pensado e discutido (e não um modelo genérico) é muito importante.

-Saber de onde vêm seus recursos: mapear suas fontes de recursos e ter uma estratégia de captação consistente e de longo prazo para recursos públicos, privados, doações, venda de produtos etc.

-Definir como os recursos são gastos: definir quem realiza as compras e gastos da entidade, como ela gasta e porquê. É necessário uma estratégia clara para despesas e a definição de quem são os responsáveis por essas atividades.

-Garantia de que os recursos são gastos da melhor forma possível: deve haver um método pré-definido para aquisições, a maneira como os fornecedores são selecionados, se os recursos públicos são gastos na forma prevista em lei, bem como uma comprovação para os doadores e investidores que os recursos privados serão muito bem gastos.

-Elaborar um Balanço Financeiro e Demonstração de Resultados da entidade: assim como uma empresa, para possibilitar um planejamento de longo prazo para a entidade, é necessário ter um bom acompanhamento do fluxo de caixa, do balanço e das demonstrações de resultado da entidade.

-Criar um Balanço Social para entidade: saber qual o resultado das políticas da entidade, quantas pessoas foram atendidas e qual a diferença que isto representou para elas, acompanhando suas ações por meio de indicadores quantitativos e qualitativos.

Mudanças no mundo pós-crise financeira

Os reflexos da crise financeira de 2008-2009 estão sendo sentidos no Terceiro Setor em todo o mundo: os recursos estão cada vez mais difíceis de se conseguir, as empresas estão diminuindo ou cancelando seus projetos, assim como os governos também estão diminuindo seus gastos sociais, pois têm receitas menores com o desaquecimento econômico.

Também podemos observar uma mudança de mentalidade e de consciência das pessoas. O consumismo desenfreado está perdendo espaço para um consumo menor e mais consciente. As pessoas em todo o mundo estão optando por produtos e serviços mais simples, mais responsáveis socialmente e mais verdes.

Essa mentalidade também atinge o Terceiro Setor.As empresas e pessoas físicas são hoje mais conscientes e seletivas em relação ao dinheiro a ser investido em projetos sociais. Elas querem saber e acompanhar para onde vai o dinheiro investido, como ele é gasto e qual o resultado de seu investimento. Se estas informações não estiverem claras para os “investidores”, os recursos serão cada vez menores.

As entidades que conseguirem comprovar que fazem mais com o dinheiro investido e que ele traz resultados reais e mensuráveis, serão as que receberão a maior parte dos recursos no futuro próximo.

Com a facilidade e o alcance dos meios de comunicação de hoje, não há desculpa para as entidades se tornarem mais transparentes. Os meios de divulgação são muitos e baratos e estão ao alcance de todos, a um clic de distância.

Em pouco tempo, a transparência não será entendida como uma vantagem da entidade, mas sim como sua obrigação. Entidades não transparente serão vistas com desconfiança, e seus objetivos como duvidosos (aliás, está já é uma realidade: basta buscar informações sobre entidades envolvidas em escândalos na internet, a maioria não possui nem mesmo um website!).

E, dado o momento em que vivemos atualmente no Brasil, de corrupção no Setor Público e atos secretos no Senado, a transparência é uma necessidade inadiável.

Bons exemplos de transparência

Não há modelo ou formato pronto para demonstrar transparência nas entidades. Ao contrário das regras de contabilidade para as empresas ou das regras do governo para prestação de contas de convênios ou outros instrumentos de repasse de recursos públicos ao Terceiro Setor, ainda estamos começando a desenvolver modelos padronizados de objetivos, resultados, processos e indicadores quantitativos e qualitativos. Listamos algumas iniciativas muito interessantes:

A Bovespa – Bolsa de Valores de São Paulo - criou a Bolsa de Valores Sociais e Ambientais (www.bovespasocial.org.br). O objetivo da bolsa é criar um ambiente em que os projetos possam ser apoiados, de forma transparente e confiável. Para isso a Bovespa criou uma carteira de projetos sociais e ambientais, que são listados na bolsa, de forma a atrair recursos, seguindo uma analogia do mercado de ações. A Bovespa supervisiona as atividades das ONGS e a utilização do dinheiro, e o investidor tem uma garantia da boa aplicação deste dinheiro, pode acompanhar seus investimentos sociais e montar uma carteira de “ações socio-ambientais”

O iBase - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas foi pioneiro na discussão de relatórios de empresas com enfoque social. Em 1997 criou: o Balanço Social (www.balancosocial.org.br). O balanço social é um demonstrativo dos recursos, produtos, projetos sociais e estruturas das grandes empresas, de forma a demonstrar aos acionistas, funcionários e à sociedade em geral a responsabilidade social das empresas. O iBase também possui um modelo para entidades do Terceiro Setor, mas poucas o adotaram até hoje.

Nos Estados Unidos, que têm uma cultura muito desenvolvida de investimentos no Terceiro Setor e transparência, temos o Global Reporting Initiative (www.globalreporting.org/Home/WhatWeDoPortuguese.htm), que é atualmente um dos modelos de prestação de contas em ações sócio-ambientais mais completo que existe. É amplamente utilizado por empresas multinacionais e por algumas entidades e tem o apoio das Nações Unidas.

No campo privado, as iniciativas são maiores e mais bem desenvolvidas. Como exemplos interessantes de relatórios corporativos temos:

A Petrobrás foi uma das primeiras empresas brasileiras a divulgar seu Balanço Social. Pela dimensão da empresa, e pelo teor das atividades desempenhadas por ela, o relatório é muito completo e engloba interessantes pontos temáticos.

A Shell, muito criticada nos anos 80 por sua performance em assuntos sociais, hoje é exemplo em produção sócio-ambiental. Seu relatório anual “People, Planet and Profits” é um interessante exemplo.

Transparência nos gastos

Uma das faces mais importante na busca por transparência nas entidades diz respeito à maneira como os recursos são gastos.

Os investidores do Terceiro Setor, tanto o governo quanto as empresas privadas e pessoas físicas, precisam saber de que maneira o capital os recursos investidos estão sendo gastos pelas entidades. Isto é tão importante quanto saber o resultado das políticas das entidades.

Você investiria seu dinheiro em alguém que gasta de qualquer jeito? Claro que não. E as empresas já não o fazem há bastante tempo (também por isso elas optem por criar suas próprias fundações). As pessoas físicas também são cada vez mais relutantes em direcionar dinheiro para quem não gaste bem, preferindo muitas vezes fazer uma doação de bens.

O governo vem, embora a passos um pouco lentos, tentando organizar a maneira como são feitos os gastos das entidades que recebem recursos públicos.

Em 2005, após muitos escândalos envolvendo desvios de dinheiro de entidades, a CPI dos sanguessugas (em que dinheiro público estava sendo utilizado por ONGs para compra de ambulâncias superfaturadas), além de outros casos, o Governo Federal, por meio do Decreto n.º 5.504, de 5 de agosto de 2005, tornou obrigatória a utilização do pregão eletrônico para todas as entidades do Terceiro Setor que utilizam recursos públicos.

O Decreto n.º 5.504, equiparou as entidades aos órgãos públicos nas contratações de bens e serviços comuns. Ou seja, os gastos com recursos públicos deveriam seguir as mesmas regras que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal: utilizar o pregão, e de preferência na forma eletrônica.

Esta obrigação criou um grande problema para as entidades, pois muitas não estavam capacitadas para um processo novo e complexo como é o pregão eletrônico. Por outro lado, foi um grande incentivo para as entidades utilizarem um meio moderno, transparente e que traz bastante economia nas aquisições. Hoje em dia o pregão eletrônico é obrigatório para parte das entidades, mas é recomendado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para todas.

Visões para o futuro: transparência e internet

O pregão eletrônico, que vêem revolucionando as licitações governamentais por aliar agilidade, grandes disputas de preços e possibilidade de combater a corrupção, é um bom exemplo de como as entidades do Terceiro Setor podem se utilizar da internet para demonstrar transparência. Eles são públicos, podem ser assistidos por qualquer um pela internet, além de possibilitar a empresas de todo o pais participarem. A transparência na maneira como os recursos são gastos é insuperável.

Esta e outras ferramentas devem ser utilizadas pelas entidades do Terceiro Setor. Ter um website em que apresenta sua estrutura, quais são seus projetos e objetivos e os dados de contato da entidade é hoje uma obrigação para todas as entidades, e hoje, com aplicativos de internet cada vez mais simples, qualquer pessoa pode construir um site em poucas horas.

O alcance e a capacidade de transmitir idéias, valores, encontrar voluntários, pessoas necessitadas, investidores sociais, etc, pelas ferramentas de comunicação de hoje, são vantagens que podem e devem ser utilizadas pelas entidades. São baratas, fáceis de utilizar e transparentes: sites, blogs, ferramentas eletrônicas de compra como o pregão, twitter, Orkut, facebook, skype. Todos estão à disposição das entidades, a custo muito baixo, ou custo zero. As oportunidades geradas pela internet, meios de comunicação e comunidades sociais são maiores do que jamais foram.

As entidades que saírem na frente na utilização destes meios, terão grandes vantagens, pois a transparência e a internet vieram para ficar.

As que não se atualizarem e aproveitarem estas ferramentas, serão vistas num futuro próximo com desconfiança, e terão de se adaptar à nova realidade para sobreviverem.
Autor: Alexandre Machado Luz


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