Poe é o cara!



Antes que 2009 acabe e se perca no túnel do tempo, eu preciso dizer uma coisa: o cara não é Lula nem Obama, muito menos Ahmadinejad. O cara se chama Poe – Edgar Allan Poe –, aquele que está para a literatura norte-americana assim como Machado de Assis para a brasileira.

Ano passado nós comemoramos o centenário da morte do Bruxo do Cosme Velho, agora os americanos celebram o bicentenário do nascimento do seu poeta maior.

Mas chega de comparações. Porque Machado teve uma existência tranquila, confortável e celebrada, enquanto Poe – salvo raros momentos de paz e reconhecimento – foi arrebatado pela desdita, pela loucura e pela sarjeta, vindo a falecer prematura e misteriosamente aos 40 anos.

No entanto, foram quatro décadas vividas intensamente, em todos os sentidos, em que Poe foi escritor, poeta, romancista, crítico literário, editor, órfão de pai e mãe muito cedo, viciado em jogo e bebida, odiado por muita gente, nômade e pobre por natureza. Enfim, um homem atormentado.

"A natureza torna a vida bastante dura àqueles de quem deseja extrair grandes coisas", escreveu Charles Baudelaire, maldito como Poe, tentando explicar a sucessão de tragédias que, entre o ano de 1809 e 1849, não deram um minuto de sossego a Edgar Allan Poe.

O poeta francês tocou no xis da questão... A natureza foi mesmo rigorosa e, ao mesmo tempo, generosa com o autor de "O Corvo". De um lado, temos um Poe genial, escrevendo em verso e prosa. Do outro lado, vemos um Poe original, com suas histórias de suspense, mistério, horror e humor. Em suma, estamos diante de alguém que esteve à frente de seu tempo, sendo, por isso, apontado como um dos precursores da literatura de ficção científica e fantástica modernas. Além disso, com narrativas como "Os crimes da Rua Morgue" e "O Mistério de Maria Roget", Poe inaugurou o gênero policial na literatura. Mais: introduziu a literatura norte-americana propriamente dita.

Poe deixou poucos poemas, mas densos e trabalhados estilisticamente à exaustão, como atestam os belíssimos "Só", "Annabel Lee", "Para Annie", "Os Sinos" e, obviamente, o clássico "O Corvo".

Publicado em 1845, O Corvo ganhou o mundo rapidamente graças à sua qualidade literária. Trata-se de um poema longo, de temática sinistra, em que o narrador conta que, à meia-noite, recebeu a visita da ave agourenta que insistia em repetir o refrão: "Nunca mais" ("Nevermore"). Nesse momento, o leitor assiste a um filme cheio de suspense, efeitos especiais e muito talento literário.

Ainda Baudelaire, a propósito de O Corvo: "O assunto é quase nada, e é uma pura obra de arte. O tom é grave e quase sobrenatural, como os pensamentos da insônia; os versos caem um a um, como lágrimas monótonas".

No ensaio "A filosofia da composição", Poe explica em detalhe o processo de composição do famoso poema: dezoito estrofes de seis versos, em que os cinco primeiros são longos e equivalem às nossas redondilhas maiores (versos de sete sílabas). Tudo conforme o gosto do poeta que, para impressionar, se utiliza de uma sofisticada organização de ritmos e rimas, de modo a criar uma aura sugestiva. Não por acaso O Corvo, embora romântico, apresenta marcas simbolistas.

Ler um texto poético no original constitui uma experiência marcante. No caso de O Corvo, esse contato se torna inesquecível. Mas existem duas versões em português do poema feitas por ninguém menos que Machado de Assis e Fernando Pessoa. Este se manteve fiel à estrutura original, enquanto aquele optou por algumas inovações formais. Nos dois casos, porém, vale a pena a leitura. A sugestão é ler as duas versões e, em seguida, compará-las com o texto original. E viajar no sobrenatural, com um friozinho na barriga...

Poe-ta maldito de Baltimore, senhor (vítima?) de todas as "exceções da vida humana e da natureza", eu (ab)sorvo as tuas palavras derradeiras dois séculos depois, num trago fatal – e nada mais: "It's all over now: write Eddy is no more". "Está tudo acabado: escrevam Eddy já não existe".

(A. Zarfeg)


Autor: A. Zarfeg


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