O Cristianismo moderno



O Cristianismo moderno

 

Alguém já disse que o cristianismo moderno está exatamente no ponto de petrificação do processo religioso no qual Jesus encontrou o judaísmo dos seus dias. E o que mais nos assusta é que não precisa grande perspicácia para se chegar a essa constatação. Assistir a um culto religioso, ouvir um pregador, ou mesmo conversar com um cristão freqüentador de cultos evangélicos, já nos revela o quanto a doutrina de Cristo está contaminada pelos vícios do farisaísmo dos dias de Jesus.

Jesus foi veemente ao declarar que a religiosidade dos seus compatriotas estava “fermentada” pela vaidade, pela ostentação, pelas formalidades e por rudimentos desnecessários para um relacionamento de fé com Deus. Jesus não poupou os líderes religiosos daquela época, aos quais qualificavam de hipócritas. Ora, eram hipócritas porque se apegavam intransigentemente a detalhes inúteis dos rituais religiosos e do comportamento das pessoas, e fechavam os olhos ao que realmente tinha valor para com Deus. Assim é que Jesus critica a frieza dos líderes religiosos, na parábola do samaritano, que, para cumprir as formalidades religiosas, fecharam os olhos ao sofrimento do próximo e deixaram de socorrer o homem que caiu nas mãos dos salteadores. Ele salienta o espírito vaidoso da autojustificação desses “zelosos pela doutrina” na parábola do religioso que orava no templo ao lado de um publicano. Ele mostra a falta de compaixão dos religiosos na parábola do administrador infiel. Ele repreende acidamente os chefes religiosos no Capítulo 23 de Mateus. E há muito mais nas páginas do Novo Testamento. No entano, nós lemos tudo isto, e poucos de nós fazemos alguma relação entre aqueles dias e os dias atuais.

Ora, antes de Jesus, Isaías (Is. 01.11-18) também já repreendia os seus contemporâneos que se envolviam na superfluidade religiosa, em que se valoriza, por demais, coisas insignificantes e desnecessárias, e despreza-se o mais importante na vida com  Deus. Eram pessoas religiosas que se iludiam numa religiosidade ritualística, fria, impessoal, teatral e fechavam os olhos para o que verdadeiramente conta perante Deus.

Mas, o que é mais importante? O que é que verdadeiramente conta diante de Deus?

Jesus falou aos escribas e fariseus (Mt.23.23) que eles eram muitos zelosos com as contribuições financeiras, mas esqueciam a parte mais importante da lei: o juízo, a misericórdia e a fé. Quando os discípulos mostraram a beleza e a imponência do templo, Jesus disse: “Vedes estes grandes edifícios? Não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada.” Mc.13.02. E a respeito dos títulos religiosos e dos lugares de honras: “Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com vestidos compridos, e das saudações nas praças, e das primeiras cadeiras nas sinagogas, e dos primeiros assentos nas ceias (...) Estes receberão mais grave condenação.” E por fim, Ele disse que todos conhecerão que nós somos seus discípulos, se nos amarmos mutuamente. Ora, será se não é isto o que verdadeiramente conta na doutrina de Cristo?

E hoje, muitas coisas que nós cristãos também reputamos como coisas valorosas, será se possuem o verdadeiro valor que nós lhes atribuímos? Por exemplo: instituições religiosas, cargos eclesiásticos, burocracia eclesiástica, templos, dízimos, altares, será se isso possui a importância que nós lhes atribuímos?

Evidentemente que não. E qualquer cristão com um pouco de sensibilidade no estudo das Palavras de Cristo, vê que tudo isto são minúcias irrelevantes. Para o Senhor da cristandade, é a comunhão fraterna de uns para com os outros é que é a doutrina mais importante. É o bem maior a ser alcançado.

Mas, infelizmente, observamos, perplexos, que é justamente o que é mais valoroso para Cristo é o que menos se valoriza na nossa vida religiosa. Por exemplo; perdemos horas e horas sentados nos bancos frios de uma igreja, ouvindo um sermão autoritário, prepotente e intransigente, que tenta a todo custo justificar os rudimentos teológicos de uma instituição. Perdemos tempo precioso ouvindo sermões monótonos, repetitivos, ameaçadores contra quem não dá o dízimo, contra quem não obedece a “doutrina”, contra quem não freqüenta os cultos religiosamente. Milhões de reais são gastos com programas religiosos, com propaganda de igrejas, com a vaidade dos chefes religiosos, que tentam “vender” uma doutrina a todo custo. Tempo precioso é perdido nas burocracias institucionais. Tentativas grotescas para tentar “validar” os títulos e justificar as doutrinas de quem, cada vez mais, reivindica o direito de “mandar nos cristãos”.

Que importância isso tem para eu cultivar o amor pelo meu próximo?

Hoje, o discurso individualista sobre prosperidade financeira é enfadonhamente batido e repetido para se levar mais gente às igrejas. As igrejas são uma espécie de “currais religiosos”, onde se adestram, aprisionam e tosquiam as ovelhas. E utiliza-se de todos os meios e recursos para encher esses currais. É um evangelho de massa. Onde, grandes concentrações de pessoas são apresentadas como sucesso da igreja. Mas, aquela concentração de gente é, na maioria das vezes, formada por pessoas estranhas entre si. O discurso religioso está sendo, cada vez mais, centrado na vaidade individualista e egoísta de cada pessoa. É o meu sucesso. É a minha vitória. Minha prosperidade. Minha saúde. Meu emprego. Meu ministério. Eu, eu, eu... E as pessoas se isolando e se distanciando uma das outras. Cada uma negociando com um Deus particular, bajulando Deus, barganhando com Deus, manipulando Deus para resolver um problema imediato.
Ao lado de cada crente nos cultos, pessoas estranhas, nomes desconhecidos, endereços desconhecidos, caras e rostos suspeitos, a quem cada um dá o nome de “irmão”. E na hora do sermão teologicamente perfeito, bem engendrado, pré-fabricado, artificialmente emocional, ao comando, cada um vira para o outro, e num sorriso forçado, amarelo, ensaiado, proclamam: “eu te amo em Cristo Jesus”.
Representação, encenação fria para fingir uma comunhão que não existe. Teatro. Sim, as igrejas são cada vez mais teatrais. É um pregador que chora “de mentira” para emocionar a platéia. É um cantor que diz que “canta para louvar o Senhor” e depois vai vender os seus CD’s na porta do templo. E quanto mais dramático o “testemunho”, palmas e vivas...

Comunhão. Comunhão é apenas discurso frio para disfarçar uma insensibilidade generalizada. Amor é apenas retórica discursiva para nos iludir e nos fazer sentir menos culpados. Freqüentamos, religiosamente, os cultos: três, quatro vezes por semana. É o crente perfeito. Mas, pouco sabemos do irmão que assenta ao nosso lado no banco da igreja. O seu nome. Onde mora. De que gosta.  Poucos de nós sabemos o telefone de ao menos meia dúzia de “irmãos”. Não sabemos o nome do filho do irmão. O nome da esposa ou do esposo daquele(a) que senta ao meu lado naquele banco do templo por duas ou três horas, três, quatro ou cinco vezes por semana. Quem se importa pelos problemas uns dos outros? Pela saúde uns dos outros? Pela dispensa? Pelas alegrias? Pelos sentimentos? Pelas dúvidas uns dos outros? Cada um se vire com os seus problemas. Se estão sofrendo, é porque pecaram. Têm que pagar o preço.
O importante é a obra.

E vamos nos iludindo e tentando justificar o nosso egoísmo e a nossa miséria.

E ainda discursamos veementemente sobre comunhão.

Mas não culpo os cristãos por essa frieza de uns para com os outros. Não. Fomos educados pelas instituições religiosas, pelos chefes religiosos, pelos pastores, pelos guias, que “fazer a obra” é mais necessário. Cada vez mais indica-se que o mais importante para o cristianismo moderno é a obra. A torre de babel. O templo, a doutrina, a instituição, capciosamente chamada de “igreja”, o dízimo, a roupa dominical impecável, os enfeites do altar, os instrumentos da banda, o microfone, as caixas de som, a tribuna, os títulos, os tapetes, os cargos, a bajulação interesseira ao pastor, a freqüência religiosa aos cultos, onde somos juntados e transformados em uma massa que se move de um lado para outro a um comando.
E vamos, robotizados. Isto mesmo: programados. Fazendo sempre a mesma coisa, religiosamente. Repetindo as mesmas palavras. O mesmo discurso. E ai de quem não repetir as palavras certas! A massa condicionada. Manipulável. Fácil de ser conduzida. Induzida.
Por isto inibe-se as relações pessoais. Desencoraja-se os pequenos grupos e as reuniões fora das vistas do pastor.  Porque só quem fala as palavras que a instituição quer, é que pode falar aos crentes.
É preciso manter o controle.
Por isso só um fala e todos são obrigados a ouvir.
E o Corpo de Cristo vai sendo reduzido a “uma boca” e uma multidão de ouvidos.
E de tanto ouvir, aprendemos a não falar. E por não falar, aprendemos a não pensar. E vamos repetindo as mesmas frases pré-fabricadas e os mesmos chavões institucionais.

Esfriamos. Sim, esfriamos. E esfriamos tanto que o que nos comove é a rigidez, a frieza fúnebre e imóvel dos templos. O que nos comove é a elegância dos altares. É a pompa dos uniformes. É a austeridade dos títulos eclesiásticos. E a gélida lâmina da disciplina eclesiástica, pronta a decepar a cabeça de quem pensar diferente.

E vamos na contramão. Viajamos na contramão de tudo que Cristo nos ensinou. E vamos todos nos fartando e nos iludindo com os discursos que repetem e justificam sempre a mesma frieza dos fariseus. As formas, os rituais, as cerimônias, os uniformes, os microfones, as plataformas, as fachadas, os jargões, as frases prontas, os clichês cristalizados pela tradição: a “verdade”.
E vamos todos caminhando, no mesmo passo, no mesmo compasso, resignados, obedientes, como ovelhas.
Como ovelhas ao matadouro.

E ai de quem contestar...

À cruz.

 

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Autor: José Peres Júnior


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