Bichinhos da Luz



Todos aqueles que de uma forma ou outra se aglomeram em torno de alguma coisa que os sujeita, impressiona ou magnetiza, seja um modelo de automóvel, uma estrela ou astro do esporte, cinema ou televisão, uma celebridade qualquer, um show musical, uma partida de futebol, numa fila à porta de um restaurante lotado, de um ringue, de um telão, de uma briga, de um fato que chame a atenção, da fala de um pastor, diante de um tribuno ou orador, diante de um computador, da página de um "best-seller", na morosa fila de um Banco ou supermercado, do guichê de uma rodoviária ou aeroporto, da bilheteria de um estádio, teatro ou cinema, de um fato sensacional ou qualquer outra coisa que lhe cause pasmo, espanto ou admiração ... -- nesse momento, à semelhança dos bichinhos da luz, ficam pendentes de um atendimento, da satisfação de uma curiosidade ou emoção, de uma providência, de um espetáculo, de um número, dos lábios, da voz, dos gestos, das palavras, das mãos e dos pés de alguém e borboleteiam como aqueles bichinhos em torno de uma lâmpada.

Queiramos ou não, mais ou menos, todos nos enquadramos nisto.

E embora não nos queimemos, como os bichinhos da lâmpada, sofremos outros prejuízos: ficamos iguais aos outros, feios, ridículos, tensos, gastamos energia, nos cansamos, adoecemos, nos descontrolamos, nos emocionamos, nos deprimimos, gritamos,enfim ... nos transformamos num rebanho de neuróticos e enfermos.Nosso organismo, depois de uma ou mais horas submetido a estas coisas, vai murchando.E se prestarmos bem a atenção na frente de um espelho, a cada dia somos outra pessoa que está ali, pensativa e embasbacada e perguntando a si mesma: "Puxa, o que houve comigo?!"

Ser um bichinho da luz é tão ridículo e pernicioso como o hábito que temos de cumprir com um protocolo qualquer mais ou menos universal, como estes, cá entre nós, aqui no sul, do chimarrão coletivo e do apertar a mão dos outros e beijá-los na face.Imagine-se alguém chegando numa festa e cumprimentando a todos com um aperto de mão e com um beijo em cada face, e tem gente que faz questão de cumprir este ritual na chegada e na saída.Nada mais ridículo, anti-higiênico e infecto-contagioso. Se ali estiverem oitenta pessoas, teremos, para o educado 'cumprimentador', oitenta apertos de mão e tantos beijos duplos ou triplos quantas forem as mulheres se cumprimentado umas às outras.

Não somos bichinhos da luz quando paramos para refletir e abdicamos destas coisas que fazemos por imitação dos outros e conseguimos assumir o controle absoluto de nossas vontades, sentimentos, emoções e atitudes, logrando, sem ignorá-lo, ficar a nosso belgrado alheios a qualquer fato, sentimento ou emoção coletiva; quando somos alguém que pensa e decide o que deve fazer e não mais uma peça teleguiada manobrável pela vontade alheia ou sugestionável na multidão que obedece servilmente e sem recusa a um convite, a um argumento, a uma ordem, ou que atua por impulso ou reação em cadeia.

Não confundamos, porém, esta condição de independência e imperturbabilidade, que é uma rara virtude dos mestres e de alguns animais entre os quais o gato, com o descaso e a alienação que são defeitos comuns do ser humano.

(Luciano Machado)


Autor: Luciano Machado


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