IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS



O ICMS está previsto na CF no artigo 155, inciso II, e inserido na competência tributária privativa dos Estados e do Distrito Federal. Assim transcreve o dispositivo referido:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[...]

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Este imposto surgiu na atual CF com o intuito de substituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICM), ampliando, pois, sua materialidade, ou seja, o verbo e o complemento da hipótese de incidência e, ainda, distribuindo competência tributária, anteriormente, da União.

Apesar de existir um plural de materialidade do tributo em questão, como os impostos: sobre operações relativas à circulação de mercadorias; sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; sobre serviços de comunicação; entre outros, a intenção do presente trabalho é abordar tão somente a incidência do ICMS sobre o primeiro citado, não desprezando, entretanto, as demais, posto que, cada hipótese tem sua devida importância.

A materialidade da RMIT do ICMS (operações relativas à circulação de mercadorias)

'Operações relativas à circulação de mercadorias' eis o fato social previsto no antecedente da RMIT do ICMS. Sendo o verbo, embora implícito, realizar, e o predicado, operações relativas à circulação de mercadorias.

O critério material, não obstante, hospeda expressões que definidos seus conceitos auxilia na compreensão do que o legislador constitucional pretendia no artigo 155, inciso II.

'Operações'

Inicialmente, 'operações' relacionam-se a negócio jurídico, e como nos dizeres do professor Carvalho:

Operações, no contexto, exprime o sentido de atos ou negócios hábeis para provocar a circulação de mercadorias. Adquire, neste momento, a acepção de toda e qualquer atividade regulada pelo Direito, e que tenha a virtude de realizar aquele evento. (p. 363 livro ouro b. jf.)

Para Ataliba e Giardino, as operações "são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes." (v. 24/26, p. 105-106 apud BALLEEIRO, 1999, p. 376 apud LINSINGEN, 2001, p. 42).

A hipótese, deste modo, não trata de mera existência de mercadoria, mas sim de uma operação, enquanto negócio jurídico mercantil, podendo ser a compra e venda, a doação, a troca etc.

Destarte, a hipótese de incidência do ICMS recai sobre uma obrigação de dar uma mercadoria, ora consubstanciada em uma operação jurídica.

' Circulação'

'Circulação', ao seu tempo, é expressão que trata de mudança. E essa se refere à titularidade, que, não obstante, é a situação de alguém ter disponibilidade jurídica sobre um bem, independente de ser ou não seu proprietário.

Conforme citação de Carrazza "tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio do ICMS. Esta idéia, abonada pela melhor doutrina (Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cleber Giardino etc.), encontrou ressonância do próprio STF.", (2006, p. 39) referindo-se à RTJ 64/538.

A 'circulação' é termo que qualifica, portanto, a expressão 'operação'. E, ainda, a 'circulação' é o simples efeito da 'operação' realizada.

Na doutrina de Ataliba:

sempre que haja relação jurídica negocial, de um lado, e mercadoria, de outro (como objeto daquela) - relação na qual um dos sujeitos (o que detém mercadoria) é titular dos direitos de disposição sobre ela e os transfere (operação) a outrem - haverá circulação."(1994, p. 26-27)

E, para o Superior Tribunal de Justiça é necessária uma operação que promova a circulação da mercadoria, de acordo com inserido na Súmula n.166 "Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadorias de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.".


'Mercadoria'

Por sua vez, todavia, definir a expressão 'mercadoria' é tarefa das mais complexas, e igualmente de suma importância para o deslinde deste.

A CF, fundamento de validade das leis complementares designadas por Código Civil Brasileiro, Código Comercial e Código Tributário Nacional, ao distribuir as competências tributárias fez referência a diversos fatos sociais tributáveis, por exemplo, às operações relativas à circulação de mercadorias, propriedade de veículo automotor, operações relativas a produtos industrializados, ou, mesmo, propriedade de imóvel urbano ou rural etc.

O conceito de 'mercadoria', pois, sob o ponto de vista constitucional já está definido, porquanto, ao avesso não haveria a homenagem ao princípio do pacto federativo, além de não representar importância a definição dos termos elegidos.

Malgrado, apenas com o fito de afastar qualquer semelhança entre a 'mercadoria' e o 'produto', este se considera por um bem móvel que seja o resultado de um esforço humano, motivo pelo qual possui alterações ou acréscimo no seu proveito.

Machado ensina sobre o conceito de 'mercadoria' sob a ótica do Direito Tributário:

Se a Constituição fala de mercadoria ao definir a competência dos Estados para instituir e cobrar o ICMS, o conceito de mercadoria há de ser o existente no Direito Comercial. Admitir-se que o legislador pudesse modificá-lo seria permitir ao legislador alterar a própria Constituição Federal, modificando as competências tributárias ali definidas. (2006, p. 130).

Inclusive, consoante às palavras desse doutrinador, é a disposição do artigo 110 do CTN:

A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

De tal modo, o conceito de 'mercadoria' para o Direito Tributário deve acompanhar outro já existente, o do Direito Privado.

O artigo 191 do CC[1] estabelecia que: "É unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes [...] contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor seja comerciante." Este dispositivo foi revogado pelo CC/02, nos termos do artigo 2.045 das Disposições Finais e Transitórias: "Revogam-se [...] a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850.".

O CC/02, apesar da revogação do artigo em epígrafe, traz sob sua égide, basicamente, as mesmas regras, contudo, com outras palavras. Paralelamente, declara com ênfase, pois, no artigo 79 "são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente". Greco sobre o assunto assegura que:

um exame do termo 'mercadoria' a) no âmbito constitucional, b) no âmbito legal e c) mesmo no contexto interno da própria LC 70/91 indica que seu significado alcança apenas os bens móveis e não os imóveis. (...) O termo 'mercadoria' encontra na Constituição Federal nítido perfil, alcançando apenas os bens móveis. A discriminação constitucional de competências procura, em mais de uma oportunidade, separar as incidências que correspondam a bens imóveis (ITBI, IPTU, ITR) da incidência sobre bens móveis (ICMS). (...) O termo 'mercadoria' com 'objeto da mercancia' também alcança apenas bens móveis )Cód. Com., art. 191) (...) O termo mercadoria tem sentido circunscrito aos bens móveis, tanto é assim que o legislador, quando quis definir a incidência de contribuições de maneira mais abrangente, utilizou o termo 'bens' (p. ex., Lei n. 9.715/98) ou previu singelamente 'receita bruta' sem especificar qualquer tipo de atividade de que decorra (p. ex., Lei n. 9.718/98). (Revista Dialética n. 51, p. 134-135)

Aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afirma quanto 'mercadoria', embora atinente ao COFINS, tributo diverso dos evidentes neste, que: "Mercadoria é bem móvel. O COFINS não incide sobre bens imóveis. A Lei tributária não pode ignorar ou desvirtuar os institutos de Direito Privado." (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2ª. Turma. Acordão no REsp nº. 179723/MG, por maioria, Relator Ministro Helio Mosimann, rel. para acórdão Min. Francisco Peçanha Martins, 09 de março 03 de 1999, publicado DJU 02/05/2000, RDR 18/256; RET 14/60; RJADCOAS 9/101)

Com a mencionada revogação não há interferência no conceito de 'mercadoria' doDireito Comercial de outrora, e, muito menos, nas competências tributárias estatuídas. De tal modo, 'mercadoria' é, de fato, bem móvel, desde que sujeito à mercancia.

Relevante, ainda, para a discussão, se o bem móvel é corpóreo ou não, fungível ou não, porque esta reflexão influencia no anseio da CF com a delimitação das competências tributárias.

Considerando, pois, bem móvel corpóreo como aquele que possui corpo e é móvel ou suscetível de movimento próprio, ou ainda de remoção por força alheia, em menção ao artigo 82 do CC/02. E, ademais, fungível como aquele suscetível de substituição e que satisfaça adequadamente as necessidades (dinheiro, café etc.).

Afora tais conceituações, alude-se que a atividade do sujeito que pratica a 'operação relativa à circulação de mercadoria' é significante porque adequada ao conceito de sujeito passivo trabalhado no conseqüente da RMIT.

Para a caracterizarão do sujeito passivo é necessária que haja a prática de operações mercantis, com habitualidade, e com o fito de lucro, podendo para tanto, ser comercial, industrial, produtor, e até mesmo, comerciante de fato ou irregular, entre outros.

Em outro passo, o sujeito ativo será a pessoa política onde aconteceu a operação mercantil, uma vez que a CF optou por combinar o critério espacial do antecedente da RMIT do ICMS, com a limitação geográfica.

Enfim, a incidência do tributo não ocorre somente com a circulação da mercadoria, e sim, nas 'operações relativas à circulação de mercadorias', ante as acepções apontadas.




Autor: Vanessa Pavani Mello


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