POR QUE O LULA SE GARANTE



POR QUE O LULA SE GARANTE (ATÉ AGORA)

Por Marcelo C. P. Diniz

A primeira observação é que não estamos falando de todos, mas da maioria. E a opinião pública não se forma de uma hora para outra. Ela vai amadurecendo, ou, como costuma dizer o Sr. Cesar Maia, vai se contaminando. Existe um momento em que o coletivo se encontra. Em sua maioria, as aspirações coincidem. E as soluções apresentadas não dizem respeito a toda a verdade, mas ao que se percebe. Lula encontrou o momento certo para conquistar essa maioria.

Podemos retornar às preocupações sociais que se avolumaram nas décadas de 80 e 90, simbolizadas pela campanha "Natal sem Fome", do saudoso Betinho. E, então, surgiu um candidato declarando que, no seu governo, todo brasileiro tinha que tomar café da manhã, almoçar e jantar. Simples assim. A opinião vinha se contaminando a seu favor, desde o impeachment de Collor, por corrupção explícita. Lula, que junto com o Partido dos Trabalhadores vendia a imagem da ética, já tinha perdido duas eleições, sendo uma para Collor.  Mas, em 2002, quando foi eleito pela primeira vez,  moralidade, proteção aos menos favorecidos e expansão do emprego foram três baluartes que se juntaram à sua fala popular e conquistaram a maioria.

Além disso, o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, desagradava em muitos aspectos. Como exemplo, reportagem da revista Newsweek denunciou o fracasso da nossa Reforma Agrária. Segundo ela, foi um fiasco, pois pelo menos um em cada quatro assentados desiste do seu lote em 2 anos. "No campo, o transporte é indigno de confiança, a eletricidade um luxo. Doenças como a malária e a dengue são freqüentes; só uma em cada duas famílias chegou a ver um médico. Cerca de 95% não têm água corrente potável..." Ao lado de fracassos como esse, o Índice de Preços ao Consumidor vinha em escala ascendente, atingindo 12,53% ao ano. A memória inflacionária do povo botava medo e prejudicava a situação. E ainda aconteceu o apagão. A população perdia dinheiro e ficava às escuras. Fernando Henrique Cardoso apoiava José Serra contra Lula. Apoio prejudicial.

Com o tempo, as classes menos favorecidas melhoraram de vida no Brasil, houve o "boom" da classe C.Com isso, a estética foi influenciada, passando, por exemplo, da Bossa Nova ao Pagode, ao Forró ou ao funk; Os pobres e a classe média baixa ganharam força, poder de influência. Eleger um "sapo barbudo", como dizia o Brizola, exigiu, sem dúvida alguma, uma mudança na estética dominante, entre outros requisitos.

Um homem, um voto. Se os pobres são maioria, o poder passou para as mãos deles e a hierarquia das necessidades mudou, naturalmente. Não é fácil virar esse jogo, principalmente porque a informação está aberta. Adeus, Atenas, onde só a elite votava; e um gradual adeus aos engenhos, onde só a porteira contava.


A INFLUÊNCIA DA MÍDIA

Vamos voltar um pouco no tempo para lembrar da eleição de Fernando Collor de Mello (1989) no Brasil. Ele e sua cara bonita, seus ternos bem cortados, sua bandeira de moralização e a caça aos marajás, contra Lula e seu discurso popular. Naquela época, Lula era um sindicalista nordestino, retirante, apoiado pelo Partido dos Trabalhadores, de esquerda, com uma bandeira vermelha nas mãos e uma estrela no peito. Mas não era só isso: a seu favor, tinha uma boa experiência política e falava como o povo falava. Só não falava como os mais letrados falavam – estava longe disso, e seria ridicularizado por essa razão durante muito tempo.

Como em todas as eleições, procuravam-se "recomendadores", os chamados líderes de opinião. Entretanto, ao contrário do que afirmam alguns, a comunicação de massa não morreu. No Brasil, pela influência incontestável da televisão no cotidiano das pessoas, pela sua velocidade e capacidade de cobertura, os líderes de opinião mais importantes passaram a ser os editores e apresentadores de telejornais, os autores e artistas das novelas, os apresentadores dos programas de auditório. Atingindo quase 100% dos lares, com média de quase 3 horas de exposição por dia, por pessoa, a televisão domina as massas e tem o benefício de poder apresentar os fatos no momento em que eles acontecem. Um nível abaixo da televisão, atingindo públicos mais qualificados ou não, estão os editores e colunistas das revistas e jornais de grande circulação, além dos comunicadores de rádio. Os demais lideres de opinião estão dispersos. A maioria só pode ser atingida pela mídia de massa. Outros nós identificamos na internet, um meio ainda não perfeitamente dominado, e por meios alternativos, inclusive os contatos de rua.

A mídia dominante no Brasil é de massa e apenas uma rede de televisão tinha e ainda tem por volta de 60% de audiência em horário nobre. Então, se uma revista de grande circulação faz coro com meia dúzia de jornais líderes nos maiores colégios eleitorais do pais, mais a Rede Globo de Televisão, está formada uma campanha de opinião difícil, embora não impossível, de ser derrotada.

Pois bem, a Rede Globo, depois de alguma relutância, resolveu apoiar o imprevisível Collor, que nem ao menos um partido de expressão tinha. Às vésperas da votação decisiva, promoveu um debate entre os dois candidatos, Collor e Lula, e, no dia seguinte, editou o debate no Jornal Nacional, realçando os melhores trechos do seu candidato e os piores do seu opositor. Na ocasião, publiquei no Jornal do Commercio de Belo Horizonte um editorial intitulado "O Jornal Nacional Gaguejou". Percebi que todos os locutores gaguejaram naquela edição, assim como quem fica desconfortável quando passa a fazer parte de uma mentira.

Collor deu no que deu. Em setembro de 1992 sofreu um impeachment  por abusos e corrupção, dele e de seus assessores mais próximos, na condução da coisa pública. Alguns dizem que ele inviabilizou a propina, ao subir as taxas acima do que os corruptores estavam dispostos a pagar. Outros dizem que ele apavorou o empresariado com a abertura do mercado aos produtos estrangeiros. A bem da verdade, esses processo de "modernização" estava acontecendo em todo o mundo. Mundo global. E não podemos nos esquecer do confisco do dinheiro de todos, assim, de uma hora pra outra, reduzindo nossos caixas a 50 dinheiros. Os valores foram devolvidos aos poucos, não sem o prejuízo de muitos, e, além disso, para todo mundo, os preços disparavam nos supermercados: 22% de inflação em 7 meses. A República das Alagoas estava mexendo no bolso de gente demais, fator primordial para a geração de insatisfação popular e mudança de opinião.

Coincidência ou não, a Rede Globo exibia na época, de segunda a sábado, às 7 da noite, a novela "Deus nos Acuda". A abertura simulava um mar de lama. A Revista Veja relatou assim: "Deus nos Acuda transporta para a teledramaturgia o país de corrupção no poder público, do tráfico de favores e da mentira".

Pedindo o impeachment de Collor, o povo saiu às ruas, com destaque para os estudantes de caras pintadas, jovens de classe média, até mesmo alta. Uma das suas faixas estampava: "a imprensa denuncia, a CPI apura e o povo derruba". Por que, então, este mesmo povo não protestou nas ruas quando estouraram os grandes escândalos do governo Lula? Esta é uma pergunta que a teoria da opinião pública deve explicar. Depois de alguma reflexão, veremos que não é tão difícil.

O VALOR DO DISCURSO

Há uma pergunta fundamental que precisa ser respondida desde já. Se a mídia é tão importante, se a televisão é tão poderosa, como é que, em 2001, Lula conseguiu ganhar do PSDB, partido da preferência dos veículos dominantes, depois de ter perdido para o mesmo partido, na pessoa do Sr. Fernando Henrique Cardoso? Em primeiro lugar, mesmo que não seja imparcial, a maioria dos veículos se esforça por se mostrar assim. E não tem como deixar de abrir espaços para aqueles que não são da sua preferência, mesmo que esses espaços sejam menores, até mesmo editados.

Há também os espaços gratuitos, a que todos os partidos têm direito. E esta é a arena onde o discurso tem mais vez. O conteúdo e a forma dos programas gratuitos podem moldar um candidato. Em comparação com o quase carrancudo José Serra, o discurso do homem do povo, Lula, e suas propostas de combate à desigualdade social tornaram-se  imbatíveis em 2001.

A intelectualidade mundial de cunho ético e humanitário vibrou com a eleição do nosso operário. Susan Sontang, da Academia Americana de Letras, chegou a declarar que foi a única coisa boa que aconteceu no mundo nos últimos tempos. Aqui no Brasil, o povo, principalmente os militantes e simpatizantes do PT, criaram uma expectativa fantástica em torno desta eleição – o sonho era possível: um novo modelo de governo seria implantado, o povo existia.

Entretanto, como declarou o nosso próprio presidente na televisão, "em política dois mais dois não são quatro." E ele se notabilizou a cada dia pela sua capacidade de negociação e de verbalização, sempre com extrema simplicidade e clareza, em todos os fóruns e em todas as suas declarações para o povo brasileiro.

Cabe ressaltar que Lula nunca foi esquerdista de fato. Por que o Sr. Meirelles, ex-presidente do Bank of Boston, é o Presidente do Banco Central? Por que os juros são tão altos? Por que tantas viagens ao exterior? Por que estar no G-8 e no Conselho de Segurança da ONU?

Vale a pena ler Tarso Genro:

"...o governo Lula está usando políticas tradicionais para criar condições objetivas – econômicas e políticas – para mudar o modelo de desenvolvimento... não significa uma ruptura, mas uma transiçao... negociada, interna e externamente, que crie uma base social estável para sustentá-la, dentro e fora do Congresso..."

A inflação foi mantida sob controle, o dólar oscila num patamar aceitável, o risco Brasil caiu, a comunidade internacional elogia.

__ "That's my man", saudou Obama em 2009.

A opinião pode ser irradiada de fora para dentro e vice-versa.

O lançamento do Fome Zero, mais tarde absorvido pelo Bolsa Família, mudou o foco da administração pública: pobre passou a existir, são seres humanos, são eleitores, não importa se a logística do programa está bem montada ou não. Há beneficiários que realmente precisam, e não são poucos. E o poder de compra que eles ganharam movimenta o comércio e as economias de muitos municípios que viviam à mingua.

Lula, durante a campanha eleitoral para 2002, acertou em cheio ao valorizar a nossa força e a nossa capacidade de construir um grande país, acertou em cheio sendo amável e divertido como nós, também acertou, depois falhou, ao prometer combater a corrupção, Vejamos as demais promessas:

As cidades serão valorizadas.

Haverá muito mais moradias populares, financiadas pelo FGTS e outros meios (inclusive títulos de propriedade para os favelados).

As crianças serão preparadas para o mercado, com acesso à tecnologia digital.

A política do Meio Ambiente será transversal e estará presente em todos os setores da administração pública.

Uma redução da jornada de trabalho bem conduzida poderá criar novos postos de trabalho, aumentar o consumo e melhorar a economia.

Será aprovada a Bolsa-Atleta, que vai beneficiar todos os estudantes que se destacarem nos esportes.

Os exames vestibulares serão progressivamente substituídos pelas provas anuais do ensino médio, incentivando os estudos todos os anos.

Não haverá mais crianças analfabetas no Brasil. Haverá um censo dos meninos de rua e casas e escolas para todos.

O combate à corrupção terá uma superestrutura, as licitações federais serão mais transparentes, será o fim do nepotismo.

Os direitos humanos não serão apenas direitos civis, mas também direitos econômicos ao trabalho, à saúde, à educação.

Será lançada a Carteira do Primeiro Emprego.

A política dos remédios genéricos será ampliada.

O Natal sem fome será o ano inteiro.

Não fez nem a metade. Mas ganhou a eleição porque convenceu e gerou confiança. Convenceu pela linguagem simples, convenceu porque o discurso era fácil de entender, fazia sentido, vinha ao encontro das necessidades dos pobres, e os pobres eram maioria.

MAS, E OS ESCÂNDALOS?

Música, futebol e dança: o brasileiro é da paz, rejeita grandes disciplinas, ri de si mesmo, não é muito afeito aos comandantes, embora aprecie os regimes paternalistas. No fundo, no fundo, ele é um grande comodista:

__ E o governo, não vai fazer nada quanto a isto?

Afora os militantes por vocação, a grande massa dá ao presidente Lula vários créditos de confiança, simplesmente esperando o cumprimento das promessas. Quando ele foi à televisão, no primeiro mandato, e disse que o preço da gasolina nas bombas teria que baixar, quando disse que precisávamos abrir a caixa preta do judiciário ou que ia ter uma conversa com os banqueiros para entender direitinho porque os juros que o povo pagava eram tão altos, o povo elogiava:

__ Temos um presidente, ele é forte, ele enfrenta, ele nos protege.

O povo é passivo, até o dia em que a sua própria realidade contradiz enfaticamente os seus sentimentos.

A comunicação, como sabemos, é um processo de atrair a atenção, criar interesse e mobilizar. Então, apesar do meu interesse no noticiário, como é que eu vou me mobilizar contra a corrupção com o dinheiro público se a minha cultura me diz que aquele dinheiro não é meu, é do governo?

__ E o governo, não vai fazer nada quanto a isto?

Como é que eu vou me mobilizar contra a corrupção se eu mesmo a pratico, ou simplesmente sou permissivo, em pequenas ações do dia-a-dia?

Mas, se houver inflação, se o "Meu" dinheiro estiver sendo corroído e se, além de incompetente, o governo for corrupto, então está na hora de ir para as ruas. A desculpa é a corrupção, que é uma vergonha, mas a verdadeira causa é porque mexeram no meu bolso. Melhor dizendo, na minha capacidade de ter acesso a bens – é como aparece nas pesquisas.

A revista Veja noticiou, em 2006: "o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito com 58.295.042 votos – a segunda maior votação que um governante já obteve na história das democracias ocidentais. Além do formidável respaldo popular conquistado nas urnas, o presidente Lula terá a maioria dos governadores do país ao seu lado e sua base parlamentar será mais ampla do que no primeiro mandato."

Naquele ano, crescia o consumo, a produção industrial, a massa de rendimentos e o emprego. A inflação era menor do que 4% ao ano, chegaram a declarar que ela não existia mais. Ricos e pobres, quase todos estavam sendo beneficiados.

Então, "é a economia, estúpido". Não foi isto que o analista político James Carvilledisse para Bill Clinton?

"EM POLÍTICA, DOIS MAIS DOIS NÃO SÃO QUATRO"

Quem declarou foi o próprio Lula. E talvez ele tenha sido o maior, senão o melhor executor desta sua própria crença. Ele passou pelo escândalo do Mensalão e, no seu governo, mais de uma centena de episódios de corrupção foram listados. Chegaram até ao seu filho, chegaram até ao seu irmão e caíram os seus principais assessores. Não escaparam nem o chefe da Casa Civil, José Dirceu, nem o czar da economia, Antonio Pallocci. Mais ainda: o presidente saiu em defesa de uma pá de indefensáveis – Sarney inclusive. Mas não conseguiram sujar o seu terno. Para todos os efeitos, ele não fez nada, não sabia de nada. Lula foi absolutamente permissivo e costurou todas as alianças políticas possíveis dentro do país e até fora dele. Famélicos do PMDB de um lado, Hugo Chávez do outro – tudo é permitido e "that's my man".

Aliás, as pesquisas também mostram que, para quem almeja a mudança, os corruptos estão de tal forma disseminados, que tem-se a impressão de não haver opções. Ainda não apareceu uma liderança convincente, para que se acredite que a situação vá mudar. "Mata-se uma barata, aparecem centenas".

É preciso muita inteligência, muita capacidade de lançar mão de qualquer aritmética, muita capacidade de comunicação com a maioria para, depois de sete anos de governo, alcançar os índices de popularidade e aceitação que Lula conseguiu. Até a última grande crise financeira mundial, o mundo ficava mais rico e o Brasil também. Nossos números eram inferiores aos demais países emergentes, mas isso não importava: estávamos crescendo, era o que bastava. E, pelo menos até agora, tudo indica que vamos sofrer menos com a crise mundial, assim como vamos sair dela mais rapidamente. É o que garantem as autoridades monetárias, que juram ter costurado um cenário macro-econômico muito sólido para o Brasil.

Pode-se xingar, pode-se discutir com os amigos, escrever contra ou enviar mensagens virais na internet. Mas ninguém vai para as ruas numa situação dessas. A ética não é mais importante do que a perspectiva de melhoria de vida. Pelo menos para a maioria.


Autor: Marcelo Diniz


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