Sexualidades e Docências na educação infantil: um estudo exploratório das práticas cotidianas



Autora: Leticia Braghin Alves

Co- autora: Arilda Inês Miranda Ribeiro

Introdução

A escola é um lugar de construção social, onde em seu espaço se revelam as práticas de sociabilidade. É nos espaços rotineiramente utilizados na instituição, que se reproduzem e se constroem o preconceito, as desigualdades, a discriminação. Entre elas: as raciais, étnicas, religiosas, de classe, de gênero, de sexualidade, etc. Sendo, até o momento, a questão de gênero e sexualidade as mais silenciosas.

A sexualidade é um aspecto que permanece muito camuflado nas escolas, sendo que é nela que as crianças e adolescentes começam a conhecer o mundo e têm possibilidades de acesso às informações claras, democráticas e honestas. A sexualidade desperta nos alunos a motivação e o envolvimento, pois como afirma Foucault "a sexualidade é um dispositivo" que o sujeito queira ou não, é atingido por ela (1993, p. 48). Diante disso:

[...] cumpre falar do sexo como de uma coisa que não se deve simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. (FOUCAULT, 1985, p. 27).

Por essa razão a escola e a família, desde a infância devem ajudar a construir uma visão sem preconceitos e mitos. Com isso, o papel do professor (a), em relação às manifestações como: a masturbação, a homossexualidade, a curiosidade de conhecer o corpo do outro, devem ser feitas de forma natural, conversando e satisfazendo à curiosidade de crianças e adolescentes, pois se não se prepararem para trabalharem com essa questão, "se tornarão os alvos preferenciais das pedagogias corretivas e das ações de recuperação ou de punição" (LOURO,2008).

A sexualidade é um aspecto que gera polêmica desde a Colônia do século XVI, onde o sexo era visto apenas como procriação das espécies, a mulher era submissa ao comportamento sexual, as normas e regras, e pecado aos olhos da igreja. "Nessa fase o sexo se reduz a sua função reprodutora e o casal procriador era o único legítimo" (FOUCAULT, 1985).

A partir de então, a sexualidade passa por várias mudanças, passando a ser tratada como caso de higiene e saúde, onde o discurso passa a ser médico e não mais religioso, por isso o comportamento sexual não é visto mais como pecado, mas como um risco de se contraírem doenças orgânicas ou mentais. É na década de 60, que ocorre a implantação de programas de orientação sexual em várias escolas. Diz Louro:

A partir da segunda metade dos anos de 1980, no Brasil, passou-se a discutir muito mais a sexualidade (e a homossexualidade) em várias instâncias sociais, inclusive nas escolas. A preocupação em engajar-se no combate à doença fez com que organismos oficiais, tais como o Ministério da Educação, passasse a estimular projetos de educação sexual e, em 1996, o MEC incluiu a temática, como tema transversal, nos seus Parâmetros Curriculares Nacionais (os PCNs, a nova diretriz para a educação do País). E, as condições que possibilitaram a ampliação da discussão sobre a sexualidade também tiveram o efeito de aproximá-la da ideias de risco e de ameaça, colocando em segundo plano sua associação ao prazer e à vida. (LOURO, 2008. p. 36).

Apesar da implantação de programas de orientação sexual nas escolas, muitos professores não estão preparados para trabalharem com temas transversais, ficam presos aos seus costumes, suas crenças e consideram a abordagem das questões sexuais como algo não-sadio, que estimularia precocemente a sexualidade da criança e do adolescente. Além de muitos ficarem perplexo e com receio, ao se depararem com manifestações sexuais infantis como a masturbação, descoberta do corpo, etc. Diante disto, apesar da sexualidade estar em constante transformação muitos docentes, mostra-se desafiados por questões para as quais pareciam ter respostas seguras e estáveis e "não conseguem se situar fora dessa história" (LOURO,2008).

A sexualidade na infância é auto-erótica, e não está relacionada ao ato sexual em si, pois a criança tem prazer na descoberta e encontra seu objeto no seu próprio corpo. Geralmente, dá início após a retirada das fraldas, que é quando a criança consegue um acesso maior ao próprio corpo, o restante fica por conta da curiosidade inata que o ser humano possui.

Na história da humanidade, a criança foi tratada de diversas maneiras. A noção de infância carrega a ideia daquele que não fala, por isso não existia na sociedade medieval o sentimento da infância. As crianças por volta dos sete anos, assim que não precisavam mais dos cuidados da mãe ou da ama, misturavam-se aos adultos, com isso, não mas faziam distinções das crianças e do adulto.

No catolicismo medieval, a criança só era relevante como signo de pureza e inocência, e venerada pela religião era o "anjo" e circulava assim vestida em todos os acontecimentos e assim travestida em todos os recantos da vida cultural (COSTA, 1989). Por volta do século XIV, no seio da família surge um sentimento bastante difundido em relação à infância. A criança com toda sua graça, ingenuidade se torna uma fonte de distração e relaxamento para os adultos, o que Ariès chamou de "paparicação". Com isso, a criança era considerada apenas como um acessório, incapaz e impedida de participarem das reuniões familiares e dos conhecimentos transmitidos pelos mais velhos. Diz Ariès:

A criança teria permanecido apenas o bambino, o ser cômico e gentil com o qual as pessoas se distraíam com afeição, mas também com liberdade – quando não com licença sem preocupação moral ou educativa. (ARIÈS, 1986. p.186).

Durante o século XIX, a infância foi problematizada e tornou-se objeto de estudos e investigações. Essas investigações possibilitaram a implantação de políticas higienistas, que trouxeram modificações na organização familiar, nas ideias sobre a criança e nas práticas escolares, sendo o ponto central dessas políticas a repressão da sexualidade, com o intuito de realizar o controle da população. Através disso, a mãe e a escola ficaram comprometidas com a saúde e educação das crianças. Então, dava-se nesta medida o controle do sexo.

Nas últimas décadas do século XIX, no Brasil, tanto no âmbito familiar, quanto escolar mudou-se a maneira de falar e o ambiente de formação das crianças. "Enquanto na sociedade medieval o sexo objetivava apenas a procriação, na sociedade burguesa a sexualidade é idealizada com o objetivo de unir sexo, amor, matrimônio e procriação". (CAMARGO, 1999).

No início do século XX, Freud, expõe com clareza a existência da sexualidade na criança, desde o nascimento, tirando-a do campo da patologia e dando-lhes um caráter de normalidade. A sexualidade na infância é essencialmente auto-erótica, e o primeiro local onde ela se manifesta é na boca, através do que Freud chama de chuchar. O chuchar consiste na repetição rítmica de um contato de sucção com a boca, do qual excluí o propósito de nutrição. O chuchar, assim como a masturbação é visto como "mau costume", pois leva a criança numa espécie de orgasmo. Segundo Freud, muitas crianças passam do chuchar para a masturbação.

A masturbação, apesar de ser um tabu em qualquer fase e aterrorizar educadores e pais, ela faz parte da vida das pessoas desde a infância. Em torno dos três anos de idade, quando as crianças saem das fraldas, é normal quererem descobrir o corpo, e isso não está relacionado ao erotismo ou ao ato sexual em si, mas esta é a forma com a qual a criança busca explorar o próprio corpo e ter prazer nesta descoberta. Diante disto vimos que a sexualidade infantil, nada mais sé do que a descoberta do corpo e suas zonas erógenas, que se dá logo após a retirada das fraldas e continua com a curiosidade inata que o ser humano possui.

Por isso, lidar com a sexualidade infantil requer, principalmente, o conhecimento do desenvolvimento infantil e das características de cada faixa etária, para compreender que a sexualidade faz parte do desenvolvimento humano, assim como engatinhar e falar. Além do mais, pais e professores precisam agir de forma natural diante de manifestações sexuais infantis, conversando com a criança, mostrando o que pode ou não fazer em certos locais, e satisfazendo a curiosidade delas, deixando de lado seus mitos, preconceitos, costumes, crenças, repensando sua própria sexualidade e os valores que cultivam referentes à mesma.

O trabalho de educação sexual nas escolas deveria ser realizado de maneira que permitisse a participação constante dos alunos e alunas, por meio de discussões que privilegiasse o levantamento de dúvidas, divergências de curiosidades, pois a sexualidade humana abrange as pessoas, seus sentimentos, mitos, costumes, sonhos, desejos sociais e relacionamentos. Assim, como propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais, os professores precisam ter "flexibilidade, disponibilidade e abertura", para que possam trabalhar essas e tantas outras questões.

Desta forma, quando todos encarar a sexualidade de forma natural e como parte do desenvolvimento humano, respeitando principalmente o outro, teremos como afirma Cortez: "teremos ao menos caminhado uma geração sexualmente saudável e responsável".

Conclusão

Este artigo buscou resgatar o conceito de sexualidade, especialmente no que diz respeito à sexualidade infantil, relacionando conhecimentos prévios e formas de lidar com a sexualidade infantil, estimulando reflexões sobre as práticas sexuais das crianças com menor idade e suas manifestações como: a masturbação, a descoberta do corpo, etc, no âmbito escolar.

Referências Bibliográficas

ARIÉS, P. História Social da Criança e da Família. Tradução Dora Flaksman.2ª Edição. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 156 - 279.

CAMARGO, A. M. F; RIBEIRO, C. Sexualidade(s) e infância(s): a sexualidade como um tema transversal. Campinas, UNICAMP, 1999.

FREUD, S. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. Imago, 1926. (Parte deste livro). Disponível em: <www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/sexualidadeinfantil_textos.html>. Acesso: 30 mar. 2009.

LOURO, G. L. Um corpo estranho – ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 1 ed.; Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 7 - 54.

RIBEIRO, P. R. M, Sexualidade e Educação: aproximações necessárias. Editora Arte e Ciência, 2004.

ROCHA, D. F., PICAZIO, C., LEITE, E. P., COSTA, R. J., CORTEZ, S. Sexualidade infantil: aspectos pedagógicos e sócio-culturais. Disponível em: <http://www.filosofiabarata.com.br>. Acesso: 24 mar. 2009.

SACCHETTO, K. K. Sexualidade Infantil: a descoberta da sexualidade. Disponível em: <http://guiadobebe.uol.com.br>. Acesso: 19 abr. 2009.

SCAPATICI, A. L. S. Masturbação infantil: como lidar com a libido de crianças de pré-escola que se masturbam na sala? Revista Nova escola, São Paulo, 5 set. 2003. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br>. Acesso em: 24 mar. 2009.


Autor: Leticia Braghin Alves


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