A (FR)AGILIDADE DA GESTÃO DA BOA VONTADE EM ORGANIZAÇÕES NÃO FORMAIS



A principal marca da evolução da humanidade em seu processo civilizatório, que deu sustentação a todos os empreendimentos neste percurso foi a formação dos Estados, e, como concebido na atualidade, está em íntima associação com as corporações. Embora o discurso neoliberal alinhave uma tentativa de distanciamento entre eles.

E, nestes tempos neoliberais, o ideário do modelo clama o Estado "mínimo", em troca da solidez do mercado, da obsolescência dos produtos da flexibilidade das relações de trabalho, da fluidez da ética e da cidadania, ambos confundidos com a capacidade de consumo. Um verdadeiro processo de desestruturação e desconstrução de conquistas sociais, a custo de sangue e vida de gerações passadas.

O Estado, com suas leis e a burocracia, que mediava os conflitos sociais, a princípio garantiu a corporação, mas com o tempo também tornou-a "pesada", emperrando o processo decisório para novas conquistas e aumento dos lucros. A agilidade neste momento é necessária, para sair na frente e obter resultados.

Por outro lado, com a minimização do Estado, as políticas públicas voltadas para o bem-estar social, passam a ser cerceadas e para recuperar espaços nesse cenário, o Estado passa a apoiar as corporações e a sociedade civil em novos arranjos organizados, formais e informais para assumir o papel de responsabilidade social.

E, a partir destes dois pilares, surgiram as organizações que formam o Terceiro Setor (em relação ao Estado Primeiro Setor e ao Mercado, Segundo Setor), entidades sem fins lucrativos, identificadas em: Organizações Não Governamentais (ONG's), fundações, organizações de moradores, fundações, movimentos sociais, etc, assumindo o atendimento a questões voltadas à prestação de serviços nas áreas de saúde, educação e bem-estar social, defesa dos direitos de grupos específicos da população, como as mulheres negros e povos indígenas, ou de proteção ao meio ambiente, promoção do esporte, da cultura e do lazer.

Enquanto as ONG's e fundações, foram sendo aparelhadas, na sua trajetória evolutiva dos novos conceitos de administração, as demais enfrentam dificuldades no processo de gestão, pois contam basicamente com o voluntariado dos seus componentes.

De acordo com Hudson (1994), a grande diferença entre o terceiro setor e os outros é que nele há apenas uma frágil ligação entre os financiadores do serviço e os usuários: "O feedback que as empresas recebem dos usuários (ou a falta dele) e que o setor público recebe das urnas é muito fraco no terceiro setor".

Este autor ainda cita alguns outros fatores que distinguem a fragilidade dessas organizações sem fins lucrativos: (a) é fácil ter objetivos vagos; (b) o desempenho é difícil de ser monitorado; (c) as organizações são responsáveis perante muitos patrocinadores; (d) as estruturas administrativas são complexas; (e) o voluntariado é ingrediente essencial; (f) os valores precisam ser cultivados; (g)não existe um resultado financeiro para determinar prioridades.

Para Peter Ducker (1990), a diferença mais perceptível entre organizações do terceiro setor e do mercado está no fato de que organizações sem fins lucrativos se articulam em diversas redes, possuindo uma diversidade muito maior de relacionamentos fundamentais.

Nas empresas, com exceção das maiores, os relacionamentos vitais são poucos - funcionários, clientes e proprietários e é tudo. Toda organização sem fins lucrativos tem uma multidão de públicos e precisa desenvolver um relacionamento com cada um deles. (DRUCKER, 1990 - p.115).

Este relacionamento entre os diversos públicos se dá na maioria das vezes a partir do desenvolvimento de projetos. Assim, a medida de desempenho é o resultado do projeto e não o lucro financeiro peculiar às organizações formais do mundo capitalista. Assim, as organizações do terceiro setor têm uma dificuldade histórica para monitorar desempenho, construir indicadores e avaliar resultados.

Essas instituições são agentes de mudanças humanas. Portanto seus resultados sempre são mudanças em pessoas - de comportamento, condições, visão, saúde, esperanças e, acima de tudo, de sua competência e sua capacidade. (Drucker, 1990 - p. 82)

Especialistas, como Drucker (1990) e Hudson (1994), reconhecem que são os recursos humanos que determinam a capacidade de desempenho de uma instituição, conseqüentemente a organização cresce quando desenvolve as pessoas, as ajuda a crescer. E para que as mesmas tenham bom desempenho, precisam ser estimuladas na sua força, em vez de terem as fraquezas enfatizadas. Drucker (1990), por sua vez aponta dois fatores para a eficácia da pessoa numa instituição: (i) que ela compreenda claramente o que irá fazer; (ii) que ela assuma a responsabilidade de decidir que precisa fazer.

Estes fatores, por sua vez não são muito comuns entre as organizações do terceiro setor, pois os envolvidos na operacionalização e mesmo na gestão, estão concentrados na resolução de problemas sociais, voluntários altruístas sem qualificação e disponibilidade de tempo, e, teimando no espírito de solidariedade, não conseguem o mesmo sucesso daquelas organizações cujo movimento se dá em favorecimento à acumulação e reprodução do capital.

No compasso de buscar garantias para o bem-estar e recuperar espaços de ação e relações sociais, proliferam as ONG's, associações de moradores e outras tantas instituições sem fins lucrativos. E, dentre elas vale mencionar o caso do Centro de ApoioSocialaosAdolescentes eIdososdaBahia (CASAIBAHIA), situado na periferia da cidade do Salvador, na Avenida Cardeal Dom Avelar Brandão Vilela, nº. 1049, Mata Escura - Santo Inácio, uma entidade civil com fins não econômicos, sem interesses religiosos e políticos partidários, fundada em 17/10/1999.

O principal objetivo da CASAIBAHIAédesenvolver ações e campanhas solidárias, valorizando o ser humano,bem como prestar serviços de radiodifusão e teledifusão para melhor divulgar a origem de sua comunidade, buscando melhor qualidade de vida e informação de interesse coletivo.

E, dentre as atividades defendidas no estatuto da organização destacam-se:

a)Despertar nas pessoas o interesse pela importância da cidadania.

b)Abrir discussão sobre a educação fundamental e oferecer cursos preparatórios, inserindo atividades poliesportivas, proteção ao meio ambiente e outros.

c)Oferecer aosacolhidos pela Entidade, educação doméstica, relações interpessoais, valores de ordem familiar, e oportunidade de aprender uma profissão, visando construir a sua auto-sustentação financeira eoferecer atividades ocupacionais.

d)Promover ações de caráter social junto à população de origem humilde, solicitando auxílio ao poder público e privado, apoio nas ações de combate à desigualdade social, à violência, à marginalidade, e cobrar o cumprimento da ordem pública e da sobrevivência da família

e)Criar programas de planejamento e saúde da família, educação sexual, física, e apoio aos adolescentes e idosos, campanhas beneficentes aos abandonados, e vítimas de catástrofes; oferecer aulas práticas de plantio e hortifrutigranjeiros, educação, proteção ao meio ambiente

f)Desenvolver atividades terapêuticas, objetivando promover a auto-estima, além de proporcionarintegração na vida moderna da sociedade, com programas que atendamaos idosos, levando ao conhecimentodo Estado constituído, informações sob fatos que caracterizam desrespeito ao idoso, bem como criar atividades assistenciais.

Foram ouvidas algumas pessoas para compartilhar a experiência com a CASAIBAHIA:

"Trabalho aqui como voluntário. Ajudo nas aulas de informática porque conheço um pouco do assunto. Resolvi ajudar pra diminuir a malandragem aqui no bairro. Tirando as crianças e adolescentes da rua a gente pode ter um mundo melhor". (F, 17 anos).

"Eu era um menino de rua. Já usei droga e roubei. Apanhei da polícia. Um dia quando estava dormindo na calçada da entrada de um beco, uma mulher que trabalha aqui me pegou e cuidou de mim. Hoje eu estudo, moro com minha mãe e estou aprendendo a usar o computador para trabalhar e ajudar minha mãe." (J. 12 anos).

"Me separei do meu marido porque ele me batia muito. Ele saiu de casa e nunca me deu nada para ajudar a criar os cinco filhos que tenho.Com o trabalho de reciclagem de lixo que faço pela cooperativa, dá para ganhar uns trocados. Aí eu junto com que ganho da roupa que lavo para comprar comida". (G. 48 anos).

"Mesmo trabalhando, venho aqui na rádio todo sábado pela manhã para fazer a locução, durante um período de 1h, de um programa que exibe músicas evangélicas para despertar a população da necessidade que temos de buscar Deus. Tem outros tipos de programas também. Mas a minha parte é essa. Dessa forma acho que posso ajudar os outros a orar." (D.25 anos).

"Morar aqui é motivo de preconceito de discriminação porque é próximo da Penitenciária Lemos de Brito. A maioria das pessoas pensa que todo mundo é ladrão. Mas não é assim. Aqui tem muita gente boa. Gente que trabalha e estuda também. Com a ajuda desse centro a gente podemelhorar de vida". (A. 34 anos).

"Buscar emprego porque já aprendeu a fazer alguma coisa. No meu caso, tenho vontade de estudar para passar no vestibular e entrar em uma faculdade, por isso estou fazendo o cursinho pré-vestibular. Quer ser engenheiro." (P. 27 anos).

"Antes eu ficava em casa sem ninguém me dá atenção porque sou velha. Depois que entrei aqui para fazer bordado todo mundo diz que sou esforçada e me dá parabéns pelas toalhas bonitas". (J., 69 anos)

A CASAIBAHIA mantém ainda, com o recurso dos seus associados uma rádio comunitária (Rádio Jovem Ban), que funciona de forma irregular, pois até hoje não conseguiu licença da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), para ir ao ar. Esta rádio e o trabalho com a cooperativa de reciclagem de lixo, são um exemplo de instituição do terceiro setor, pois foge ao sentido de organização, das formas tradicionais, que busca a sensibilização para atingir objetivos sociais.

A gestão desta instituição é feita de forma não-profissional, mas voluntária. Isto no entanto não faz perder a importância política, econômica e social no âmbito da sociedade. Pois apesar da sua aparente desestrutura inicial, está caminhando na busca de sua legitimação enquanto instrumento de acesso a bens e serviços básicos à população carente, pois as soluções apresentadas, têm o cunho inovador do associativismo, uma estratégia para os problemas com criatividade e dentro de recursos que lhes são próprios, às vezes, com poucos recursos econômicos e muitos recursos humanos.

A fragilidade deste tipo de organização é identificável, quando em uma reunião percebem-se os desejos de pertencimento à causa e a possibilidade de tomar decisões em prol delas, com a idéia de ter outros que pensam de forma igual. Mas, é bom lembrar que as ações nem sempre são semelhantes. A mínima discordância neste tipo de instituição – onde a comunicação é basicamente informal e leva a descontentamentos –leva à ruptura entre os gestores que logo cuidam de inaugurar uma instituição com os mesmos propósitos, pela incapacidade de reflexão sobre os objetivos reais da instituição, confundidos com o desejo individual de cada um dos partícipes.

REFERÊNCIAS

DRUCKER, Peter. Administração de organizações sem fins lucrativos - princípios e práticas. São Paulo: Pioneira, 1990

HUDSON, Mike. Administrando organizações do Terceiro Setor. São Paulo: Makron Books, 1994


Autor: JOSÉ TADEU NERIS MENDES


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