VALORES ÉTICOS NA FORMAÇÃO DOCENTE



VALORES ÉTICOS NA FORMAÇÃO DOCENTE: reflexos no âmbito escolar

SILVA, Raquel[1]

RESUMO

O presente trabalho trata de uma pesquisa que aborda a importância de valores éticos na formação docente. Para tanto, foram analisados documentos referentes à formação de professores, e a fala de alguns docentes de uma escola da rede municipal. Diante desse contexto, a luz dos referenciais teóricos, como Paulo Freire, Henry Giroux, Mizukami, Tanury, fizemos um diálogo com os dados coletados a fim de percebermos a importância dos valores éticos na atividade docente para a construção de uma escola democrática.

Palavras-chave: Valores Éticos. Formação De Professores. Atividade Docente.

1.INTRODUÇÃO

Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso nos fizemos seres éticos.

Paulo Freire

As mudanças ocorridas no meio político, econômico, tecnológicos e sociais trazem a necessidade de repensar a função social da escola, onde princípios democráticos de cidadania, inclusão, participação e respeito à diversidade são enfatizados nos paradigmas atuais de educação. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), estabelece as normas para uma educação democrática quando o objetivo dela tem como princípio "o pleno desenvolvimento do ser humano, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (LDB/96, Art. 2°).

As concepções ideológicas que movem as práticas docentes será um dos fatores que contribuirá para a concretização ou não, de uma escola mais democrática e cidadã.

Ser professor, portanto, se torna um desafio, pois o profissional da escola democrática cidadã, deve ter compromisso político, ético e moral com a educação. Por isso, a prática docente precisa ser constantemente avaliada para que a perspectiva de uma educação democrática se concretize, não ficando reduzida aos discursos teóricos.

A formação continuada é uma possibilidade de refletir sobre a importância de valores éticos na educação. Porém, percebe-se que a discussão sobre a ética é raramente discutida nas formações de professores. Quando ocorrem são de forma implícitas em disciplinas ou em rápidas palestras.

Entretanto, valores éticos são cada vez mais necessários a uma educação pautada em princípios democráticos. Em nossa sociedade outros valores têm sido priorizados, como o ter uma posição elevada diante a outras pessoas.

No cotidiano escolar, as prática pedagógicas também estão envolvidas por valores de competição, i.e. A utilização das avaliações para destacar os alunos(as) mais inteligentes é uma prática desprovida de valores éticos, pois, enquanto o aluno(a) que consegue se destacar com boas notas se sente incluído socialmente, aquele(a) que não consegue obter o melhor êxitonas avaliações, consequentemente será visto como o diferente.

Outro valor presente na sociedade que se reflete no âmbito escolar é o (des)respeito ao outro. Dependendo da maneira como cada pessoa vê as outras (inferior, superior ou como iguais) serão estabelecidas práticas entre si de inclusão ou exclusão.

A falta de valores éticos ao respeito das diferenças tem sido manifestas nas violências físicas ou simbólicas entre os sujeitos dentro das escolas. Como exemplo, professores que expõe alunos ao constrangimento diante de outros em situações sensíveis na sala de aula. Também existe casos contrários, são alunos que agridem os professores e outros alunos por não respeitarem os direitos à vida e expressão que cada ser humano possui.

Estas constatações iniciais da realidade conduziram à definição da questão central que guiaria nosso estudo na perspectiva de desvelamento do fenômeno estudado: O que dizem os professores sobre os valores éticos presentes no processo de sua formação tendo em vista a influência dos mesmos para a concretização de uma educação ética e cidadã no âmbitoescolar?

Esta questão central remete a outras:

Como os valores subjacentes à formação de professores interferem no processo ensino-aprendizagem?

Como a questão da ética é trabalhada pelos professores e também vivida nas escolas?

Geral:

Conhecer o que dizem os professores sobre os valores éticos presentes no processo de sua formação e a influência dos mesmos para a concretização de uma ética cidadã no âmbito escolar.

Específicos

- Identificar os valores morais e éticos característicos na história da educação brasileira.

-Refletir sobre como os valores subjacentes à formação de professores interferem no processo ensino aprendizagem.

- Analisar como a ética é trabalhada e vivida por professores e alunos na escola.

2. A importância da formação dos professores nos Cursos Normais do Brasil

A formação de professores no Brasil inicia-se muito antes da fundação das instituições destinadas a esse fim. Conforme Tanuri (2000), houve a preocupação, ainda no período do Brasil colônia, em estabelecer critérios para selecionar os docentes que atuariam nas escolas primárias. Para tanto, o Alvará de 6/11/1772 regulamentado pela corte portuguesa submete os professores tanto de Portugal quanto de seus domínios a exames que deveriam ser realizados em Lisboa. Porém, naquele período, D'Azevedo (apud Tanuri, 2000) descreve que no Brasil havia poucas escolas e o exercício da docência era praticado por homens leigos, não havendo nenhum sistema de norma ou seleção do professorado.

Já no período imperial, com a presença da corte portuguesa no Brasil, as melhorias pertinentes a educação vinham atender "a elite colonial nativa e a nova burocracia que havia sido transplantada de Lisboa para o Rio de Janeiro" (Filho, p. 45, 2004). A instrução elementar para os mais pobres constituía tarefa da família e para os mais ricos existiam os colégios confessionais. Assim, Saviani, (2006) comenta sobre a inexistente preocupação da formação dos professores desde o período colonial até a vinda de D. João VI ao Brasil. É somente com a Lei promulgada em 15 de outubro de 1827 que esta preocupação aparece mais evidente ao estabelecer que o ensino nas escolas das primeiras letras deveria ser desenvolvido pelo método mútuo e os professores deveriam ser treinados naquele método às próprias custas.

Ademais, a Lei de 15/10/1827 consagra a instituição do ensino mútuo no Brasil, dispondo, em seu art. 5°, que "os professores que não tiverem a necessária instrução deste ensino irão instruir-se em curto prazo e à custa de seus ordenados nas escolas da capital." (Tanuri, p. 63, 2000)

Com a promulgação do Ato Adicional de 1834 (emenda à Constituição de 1824), segundo Saviani (2006), a instrução primária fica sob a responsabilidade das províncias, e estas adotaram o sistema de formação de professores igual ao dos europeus criando as escolas normais.

Quanto à formação pedagógica nos cursos, Tanuri (2000), fala sobre as deficiências didáticas, como "o currículo bastante rudimentar, não ultrapassando o nível e o conteúdo dos ensinos primários, acrescido de rudimentar formação pedagógica, esta limitada a uma única disciplina (Pedagogia ou Métodos de Ensino)".

Diante a situação precária tanto nos cursos de formação de professores quanto na desvalorização salarial dos professores, Tanuri (2004) afirma que poucas pessoas na época, se interessavam pela profissão docente gerando o fracasso das primeiras escolas normais. A situação levou alguns presidentes de Províncias e inspetores de Instrução a rejeitá-las como instrumento para a formação dos professores e adotar o sistema de "professores adjuntos", prática copiada da Áustria e Holanda, onde os professores não precisavam da base teórica para desempenhar suas funções docentes, pois tal sistema consistia em empregar os professores como auxiliares com o objetivo de prepará-los através da prática para o desempenho da profissão.

A partir de 1868/70 a disseminação do ensino, conforme Tanuri (2000) ocorreu devido ideologia da época sobre a importância da educação para o desenvolvimento econômico e social do país. Neste contexto de popularização do ensino as escolas normais passam a terem maior preocupação com o enriquecimento do currículo e predomínio da participação feminina no magistério, uma vez que, até então, era restrita a participação do elemento popular feminino nos cursos de magistérios, mas como a procura do elemento masculino pela profissão era reduzida devido as baixas remunerações, apresentou-se como solução a feminização no magistério para atender as necessidades educacionais.

Porém, Tanuri (2000) lembra que o conhecimento pertinente ao sexo masculino e ao feminino era diferenciado. Como exemplo, somente os currículos voltados para a formação das alunas tinha noções de economia doméstica e trabalhos de agulha, já aos alunos lhes era específico a prática manual de ofício.

Filho, (2004), ressalva que as escolas normais para a formação de professores iniciam no Período Regencial, estas localizadas nos grandes centros e freqüentadas, principalmente, pelas filhas da elite, meninas que não tiveram a mesma oportunidade que os meninos em adquirir o conhecimento escolar sistematizado, pois até então, às mulheres era designado aprender os ofícios do lar.Por isso, o mesmo autor comenta sobre a desvalorização por parte da sociedade machista em relação aos termos pejorativos atribuídos às professoras como "professorinhas e tias", além das músicas que enfatizavam este acontecimento.

Mesmo com a expansão das escolas normais, as "professorinhas", conforme Filho (2004), ainda recebiam baixíssimos salários, trabalhavam em condições precárias, muitas escolas fecharam e, aquelas que continuaram funcionando, permaneceram com um nível inferior na qualidade do ensino, pois, não trabalhavam com a realidade brasileira.

Houve uma certa expansão das escolas normais, e em 1881, o Império criou a Escola Normal Oficial, na Capital, servindo de modelo às províncias. No entanto os salários das "professorinhas" eram baixos, as condições de trabalho, precárias, não existia qualidade e era restrito em termos de quantidade. Algumas acabaram fechando. As que permaneceram funcionando tinham nível baixo, não trabalhavam com a nossa realidade, tinham duração de dois ou três anos e eram considerados cursos de "humanidades". (Filho, p. 61, 2004)

Na república, Tanuri (2000) descreve a permanência da descentralização para legislar sobre o ensino normal. À União cabia o ato de legislar sobre o ensino superior na Capital da República, aos estados e municípios ficava a responsabilidade sobre a instrução primária, profissional e o ensino normal. Mesmo havendo um movimento de chamada de participação do governo através dos projetos de lei e teses pertinentes à "Organização e Uniformização do Ensino Normal no País", a normatização ou o financiamento do governo central no âmbito do ensino normal e primário não se concretizou.

Diante desta descentralização os Estados mais progressistas apresentaram alguns avanços no desenvolvimento quantitativo e qualitativo nas escolas de formação de professores, como o Estado de São Paulo, influenciado pelas filosofias cientificistas realizou uma reforma no ensino. Tal reforma ampliou, segundo Tanuri (2000), a parte propedêutica do currículo da escola normal e contemplou as escolas modelo-anexas.

Nestas condições, introduzia-se em nosso sistema de ensino uma bifurcação nos estudos gerais imediatamente após a escola primária: o curso complementar, espécie de primário superior, propedêutico à escola normal, de duração, conteúdo e regime de ensino anteriores ao secundário, e este último, de caráter elitizante, objeto de procura dos que se destinavam ao ensino superior. A criação do curso complementar estabelecia um elo de ligação entre a escola primária e a normal e o ingresso na última passava a exigir maiores requisitos de formação.(Tanuri, p. 70, 2000)

Uma possível explicação para a influência das filosofias cientificistas pode-se ver em Filho, (2004) ao relatar a visão positivista predominante em todos os setores da sociedade a época inclusive na educação, quando o dever da escola era o de "fornecer pessoal para a política e administração" (Filho, p. 75, 2004). Logo, o importante nesta se encontrava na necessidade de fornecer a educação básica como ler e escrever para que os cidadãos pudessem executar as novas funções urbanas de uma sociedade industrializada.

Por isso o ensino público compreendia os seguintes ensaios de renovação pedagógica, conforme Tanuri (2000): valor da observação, experiência sensorial, educação dos sentidos, "lições de coisas" e o método intuitivo de Pestalozzi.

Neste momento, se consolida nas palavras de Tanuri, (2000), "a idéia de desdobramento dos estudos propedêuticos e profissionais em dois cursos distintos". Um curso seria os estudos complementares como preparatório ao normal e em alguns estados o curso normal se dividia em dois ciclos: um geral ou propedêutico e outro profissional. É neste contexto de preocupação com uma formação técnico-profissional nos cursos normais é que fica evidente, para Tanuri (2000), a diferenciação na disciplina Metodologia de ensino que se distribui nas especialidades: metodologia da leitura e da escrita, do vernáculo, da aritmética, do ensino intuitivo, das ciências naturais, do desenho, da geografia, da música, dos exercícios físicos e dos trabalhos manuais.

Durante a fase que se segue a Primeira Guerra Mundial há a divulgação dos princípios escolanovistas. Princípios estes pautados na tendência liberal progressivista, onde, segundo Luckesi, (1994) a finalidade da escola é "adequar as necessidades individuais ao meio social", ou seja, o aluno aprende através de uma interação entre suas estruturas cognitivas e estruturas do ambiente. Neste sentido:

Dá-se, portanto, muito mais valor aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a conteúdos organizados racionalmente. Trata-se de 'aprender a aprender', ou seja, é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito. (Luckesi, p. 58,1994)

Desta forma, Tanuri descreve os valores que fundamentaram a formação de professores durante este período dos anos 20:

A literatura pedagógica, até então voltada quase que exclusivamente para uma abordagem ampla dos problemas educacionais, de uma perspectiva social e política, passa a tratar os problemas educacionais de um ponto de vista técnico, "científico", e a contemplar, desde questões teóricas e práticas do âmbito intra-escolar, até abordagens pedagógicas mais amplas, da perspectiva da escola renovada. (Tanuri, p. 72, 2000)

Para Saviani, (2006), o advento dos institutos de educação, trouxeram uma amplitude sobre a visão do modelo técnico-cientificista, que já na década de 30, encarava os espaços de formação não somente como objeto de ensino, mas também de pesquisa. A reforma realizada por Anísio Teixeira no Distrito Federal, pelo Decreto 3.810, de 19/3/1932 transforma a Escola normal em Escola de professores incluindo nos currículos disciplinas e práticas que superassem as distorções das velhas escolas normais e re-significassem o modelo pedagógico-didático.

Em 1938 houve a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), órgão do governo que contemplava a qualificação do pessoal da administração escolar. Um ano depois surge o curso de Pedagogia, criado pela Faculdade nacional de Filosofia. Tanuri (2000) descreve a função destes em formar bacharéis, para atuar como técnicos de educação, e os licenciados, habilitados para a docência.

Segundo Saviani (2006), este modelo ficou conhecido como 3 + 1, pois se formavam os professores para ministrar disciplinas nas escolas secundárias e se formavam aqueles que exerceriam a docência nas escolas normais. Porém o autor observa que a generalização do modelo de formação de professores em nível superior perdeu sua referência de origem, uma vez que os objetivos iniciais dos cursos eram as escolas experimentais, fornecedoras de base para a pesquisa na educação. O mesmo é destacado ao ensino normal com a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Normal em 1946. Ambos modelos centraram a formação no aspecto profissional e dispensavam a exigência de escolas-laboratórios.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n°4.024/61) conforme afirma Tanuri (2000), não trouxe soluções para o ensino normal, pois conservou os princípios da organização anterior, somente deu equivalência a todas as modalidades de ensino médio e descentralizou a uniformidade curricular das escolas normais.

Em 1964, é o período da ditadura militar, as mudanças no ensino vieram com a Lei 5.692/71 onde modificou os ensinos de primeiro grau para primário e o ensino de segundo grau para a denominação de médio. As escolas normais foram substituídas pela Habilitação Específica de 2° grau para o exercício do magistério de 1° grau. Porém, Saviani, (2006) ressalta a dispersão e redução da formação dos professores com esta nova forma de currículo mínimo implantado pelo governo.

Com a Lei 5.692/71 o que se refere a organização da formação dos professores ficou desta forma:

Para as quatro últimas séries do ensino de 1º grau e para o ensino de 2º grau, a Lei n. 5.692/71 previu a formação de professores em nível superior, em cursos de licenciatura curta (3 anos de duração) ou plena (4 anos de duração). Ao Curso de Pedagogia, além da formação de professores para Habilitação Específica de Magistério (HEM), conferiu-se a atribuição de formar os especialistas em educação, aí compreendidos os diretores de escola, orientadores educacionais, supervisores escolares e inspetores de ensino. (Saviani, p. 9, 2006)

Em 1996 foi aprovada a Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), onde todos os níveis de ensino foram englobados. E esta estabelece a "formação docente em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação." (LDB 9394/96, art. 62).

Apesar das conquistas na história da formação docente, Tanuri (2000) ressalta os desafios que ainda precisam ser superados na qualificação dos professores, como as incertezas sobre as conseqüências da regulamentação dos Institutos Superiores de Educação (Res. CNE 1/99), quanto à qualidade de alguns cursos de formação de professores. Desta forma Saviani traz a reflexão:

O quadro de mobilização dos educadores alimentou a expectativa de que, findo o regime militar, o problema da formação docente no Brasil seria mais bem equacionado. Mas a nova LDB promulgada, após diversas vicissitudes, em 20 de dezembro de 1996, não correspondeu a essa expectativa. Introduzindo como alternativa aos cursos de pedagogia e licenciatura os Institutos Superiores de Educação e as Escolas Normais Superiores, a LDB sinalizou para uma política educacional tendente a efetuar um nivelamento por baixo: os Institutos Superiores de Educação emergem como instituições de nível superior de segunda categoria, provendo uma formação mais aligeirada, mais barata, por meio de cursos de curta duração. A essas características não ficaram imunes as novas diretrizes curriculares do Curso de Pedagogia homologadas em maio deste ano de 2006. (Saviani, p. 9, 2006)

3.A importância da formação inicial e continuada de professores

 

Alguns autores tanto da filosofia quanto da área educacional trazem conceitos sobre a ética e a moral baseada em estudos e observações realizados por eles.

Na Filosofia Vázquez, (1990), define ética como a ciência que estuda a moral, ou seja, o modo de comportar-se do ser humano histórico-social. Além disso, também tem preocupações práticas na tentativa racional da raça humana viver melhor com seus semelhantes.

Para Cabanas, (apud Menin, 2002) a ética busca saber a questão sobre o que nos obriga a sermos bons, e a resposta a tal pergunta leva aos valores morais. Menin (2002) afirma que esta bondade é um valor que varia de acordo com a sociedade e contexto histórico, pois as ações humanas são avaliadas conforme os costumes e concepções de vida dos indivíduos.

A escola composta por indivíduos diferentes, também terão valores que poderão se distinguir, por isso a diversidade é um tema que precisa ser trabalhado dentro do âmbito escolar, porém não é tão simples como se imagina. Os professores como mediadores da aprendizagem são os responsáveis na construção do saber sistematizado, que por sua vez como lembra Severino (2002), antes de ser profissionais do magistério e lecionar uma determinada disciplina, é uma pessoa que possui marcas tanto das experiências individuais quanto coletivas.

Mulheres e homens, seres históricos-sociais, nos tornamos capazes de comparar, da valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso nos fizemos seres éticos (…). É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Paulo Freire, (1996, p. 33)

Assim compreende-se que a diversidade não é exclusiva dos alunos, mas o professor também possui valores, porém estes devem ser iluminados conforme Severino (in: Pimenta, 2002) pela teoria, ou seja, a prática pedagógica imbuída de valores da experiência de vida do profissional é re-significada no momento em que o docente se permite refletir e compreender a sua ação. Tendo aquele compromisso profissional e ético com a educação que Paulo Freire (1983) já descrevia quando pensa no professor que visa uma educação para a liberdade e não opressão.

Por isso a formação continuada como diz Mizukami, (2003) deve propiciar momentos para a reflexão, onde serão feitos os nexos entre a formação inicial, a continuada e as experiências de vida.

O professor segundo, Giroux (1997) necessita de uma consciência crítico-reflexiva-emancipatória, pois, como mediadores do processo ensino aprendizagem, trazem valores que ensinam, mesmo que de forma oculta. Por isso refletir sobre a prática se faz necessária no processo ensino-aprendizagem. O ensinar, como afirma Castro, (2005), transforma-se em "incentivar, investigar, provocar (…) ensinar algo é desafiar o interlocutor a pensar sobre algo".

Neste sentido, Mizukami, (2002), alerta para o desafio de se aprender a ser professor no atual século, pois a aprendizagem requer ir muito além de saber fazer, é preciso trabalhar também as atitudes. O conhecimento passa pelos "valores éticos e morais, que considere o desenvolvimento da pessoa…", ou seja, deve-se aprender a conviver. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB 9.394/96 já define em seus princípios no art. 2° uma educação que contribua para o "pleno desenvolvimento do educando", e nisto compreende-se o sujeito humano cidadão.

O ser humano como alguém complexo, imbuído de valores e diferenças culturais, torna-se um desafio aos educadores, e se coloca a questão da formação dos professores que precisam atender as necessidades atuais de uma educação democrática, onde se depara com situações divergentes, que, muitas vezes o professor, conforme Mizukami (2002), não se sente preparado, pois, nos cursos de formação alegam não aprenderem a lidar com situações do cotidiano escolar. Por isso, a autora vê que a formação do professor é um continuum, considera as experiências do professor acumulada durante a sua vida, mas leva-o a refletir sobre a sua prática e perceber as possíveis mudanças.

"A idéia de processo – e, portanto, de continuum – obriga a considerar a necessidade de estabelecimento de um fio condutor que vá produzindo os sentidos e explicitando os significados ao longo de toda a vida do professor, garantindo, ao mesmo tempo, os nexos entre a formação inicial, a continuada e as experiências vividas. A reflexão é vista aqui como elemento capaz de promover esses nexos". (Mizukami, p. 16, 2002)

Um professor eticamente compromissado com a educação aprende com seus erros sem se constranger, pois, é capaz de "manejar essa complexidade e resolver problemas práticos, integrando com criatividade o conhecimento técnico" (Mizukami, p. 17, 2002).

Paulo Freire, (1983), traz a reflexão sobre um profissional compromissado com a sociedade, quando o sujeito percebe os condicionamentos da sociedade, reflete sobre eles e é capaz de buscar a transformação se torna, segundo Paulo Freire, um ser da práxis. Porém, o autor lembra mediante as experiências de vida, o homem pode desenvolver a sua ação-reflexão ou atrofiá-las, e isto dependerá dos valores construídos pelo sujeito. O ideal para Paulo Freire é que o professor tenha este compromisso profissional, pautado em valores humanos.

Pensar quais valores podem ser válidos na educação, mesmo sabendo que as diferenças culturais existem no âmbito escolar, é possível quando, há o diálogo, reflexão e busca de soluções racionais e emancipatórias para a melhor convivência humana de aprendizagem. Estas possibilidades colocam aos educadores novos desafios e Paulo Freire (2000) chama a atenção em perceber uma ética para a diversidade, pois se entendermos a sociedade multicultural o dever do educador compromissado com a educação, neste contexto, é desenvolver os valores de: ouvir, prestar atenção ao diferente, despertar sensações, sentimentos e respeitar seu semelhante.

Tais valores são construídos na experiência tanto de sala de aula quanto na formação. Em ambos os casos percebe-se a influência do currículo escolar que segundo Carvalho, (2005) as ideologias e princípios que permeiam o currículo formal serão manifestados no currículo vivido. Compreendendo este último como aquele que envolve as relações presentes no cotidiano escolar. Assim, pensar o currículo que permeará as relações dentro das instituições de ensino precisam considerar que estará sendo construído para seres humanos diferentes entre si, mas que necessitam aprender a conviver com as diferenças.

Sendo assim, a adoção de um currículo escolar que considere a diferença aponta um caminho que se vá fazendo ao caminhar e que vá fazendo a análise da escola como campo de possibilidades, visualizando-se um dos campos de luta política e da re-significação da relação psíquico-social. Carvalho(2005, p. 107)

O respeito ao outro em sua subjetividade é imprescindível numa educação que priorize valores para a construção de uma sociedade mais democrática.

4. Considerações finais

Se quisermos compreender a função social da escola é necessário, primeiro, entender as relações de poder que permeiam a construção da democracia em nosso país. Segundo Cunha, (1991), a democracia no Brasil se remete mais ao plano das esperanças do que ao das realizações, pois, ao analisar a luta pela democracia no governo militar, ele demonstra como os interesses de um grupo, que se diz representante do povo, são articulados para a ascensão política dos seus partidos.

No entanto, em Giroux, (1986), a efetivação da democracia é possível, quando o autor em sua análise sobre a escola, enquanto esfera pública, a vê como um espaço onde os educadores e acadêmicos devem reagir a estas forças paralisantes, sendo críticos, criativos e esperançosos em relação ao potencial que, tanto eles como seus estudantes podem oferecer, a fim de contrariar as tendências políticas e conservadoras que têm imposto uma definição de excelência que significa mais uma submissão às pressões de mercado do que excelência educativa nos termos de uma produção intelectual inovadora.

Assim uma pedagogia crítica deve propiciar as condições que dão aos alunos a oportunidade de falar com suas próprias vozes, de autenticar suas próprias experiências. Uma vez que os alunos se dêem conta da dignidade de suas próprias percepções e histórias, eles podem dar um salto para o nível teórico e começar a examinar o valor de verdade de seus significados e percepções, particularmente na medida em que elas estão relacionadas com a racionalidade com a racionalidade dominante. (Giroux, 1986, p. 264)

São os educadores, enquanto intelectuais transformadores, na visão de Giroux (1997), que podem contribuir para uma possível efetivação da democracia na esfera pública – escola. Esta inserida numa sociedade pautada em valores democráticos, a divergência e uma cultura de questionamentos devem ter lugar de destaque priorizando o debate, a livre expressão, a divergência e o diálogo no espaço público.

A perspectiva de uma escola cidadã e democrática, segundo Bordignon, (2001), são construídas a partir da igualdade na diferença, pois, considera a participação ativa do cidadão.

Para que o respeito às diferenças sejam vividas no âmbito escolar convém ressaltar o que diz Carvalho, (2005) sobre os preconceitos que muitas vezes equivocam o entendimento do assunto, tendendo a radicalização, em três traduções pedagógicas: vê o outro como superior, inferior e igual. Essas percepções são precipitadas, conforme a autora, e o viável seria entender a escola como um campo de possibilidades em aberto, e esta visão se torna um passo fundamental para trabalhar o respeito ao outro na escola.

A educação em sua essência sempre se preocupou em formar os cidadãos correspondentes aos modelos da sociedade. A compreensão de valores é concebida em várias esferas da sociedade, inclusive na escola onde a formação de sujeitos passa também pela observação das atitudes desenvolvidas dentro da esfera pública.

Os autores aqui apresentados na pesquisa como Paulo Freire e outros ajudam a compreender a importância de ser construídos valores para a emancipação dos sujeitos, quando a prática docente é refletida e se busca compreender as razões dos atos e se percebe quais princípios e ações são pertinentes a uma sociedade mais justa, humana e democrática.

Como lembra Basso, (2006), afirmar que as pessoas que vivem na época atual são melhores ou piores do que as das sociedades passadas é um equívoco, pois, as mudanças ocorridas nas sociedades configuram práticas diferenciadas e se tornadesafios aos docentes diante os novos processos que surgem em sociedade como os comunicacionais, tecnológicos, econômicos, políticos e religiosos da época atual que afetam a forma de vida dos cidadãos e conseqüentemente fazem refletir sobre os valores adquiridos em sociedade.

Hoje, a educação pautada em princípios democráticos e cidadãos, traz em seu bojo o discurso do respeito as diferenças, estas cada vez mais perceptíveis devido a evolução das tecnologias que aproximam os seres humanos. A escola como espaço das aprendizagens discute a temática, pois percebe que a tolerância, o respeito, o diálogo e a justiça são valores que precisam ser aprendidos para exercer o seu papel de formação de sujeitos humanos éticos, entendendo a concepção de humanidade em Paulo Freire (1996, p. 18)

Quando, porém, falo de ética Universal do ser humano estou falando da ética enquanto marca da natureza humana, enquanto algo absolutamente indispensável à convivência humana. Ao fazê-lo estou advertido das possíveis críticas que, infiéis a meu pensamento, me apontarão como ingênuo e idealista. Na verdade, falo da ética universal do ser humano da mesma forma como falo de sua vocação ontológica para o ser mais, como falo de sua natureza constituindo-se social e historicamente não como a priori da História.

Os professores estão no espaço público e são responsáveis pela formação dos cidadãos. Dependendo da concepção que se tenha de educação a tendência será formar sujeitos para a reprodução de um sistema opressor ou para a libertação. Por isso é conveniente o pensar crítico sobre quais valores está sendo construída a percepção dos docentes nas formações, tanto inicial quanto continuada.

Permitir-se buscar uma educação com valores éticos dignos da democracia e justiça social passa pela reflexão da prática. Conscientizar-se sobre as questões implícitas nas ações e mudar as ações é um caminho para quem se permite lutar por uma educação que vise a emancipação de sujeitos. Conforme Giroux (1997, p.196)

 

Referências

 

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Autor: Raquel Meireles


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