Procura-se, Mais Morto do Que Vivo



Procura-se: Mais morto do que vivo!

Cidadão de estatura mediana; cor indefinida; aproximadamente moreno; meio preto, meio branco, meio índio; o qual costuma persignar-se antes de mergulhar de um barranco no rio; pede ajuda a Deus para as mínimas decisões; dorme agarrado às saias de Nossa Senhora; se benze duas a três vezes antes de se levantar.

Procura-se um cidadão comum que tenha tomado Panvermina para expulsar lombrigas, quando criança; que já tenha feito várias limpezas nos intestinos com óleo de Rícino; use pílulas de vida de quando em vez; cuide dos rins com pílulas de lússem; que trate suas azias com Magnésia Bisurada; resolva dor-de-barriga com Elixir Paregórico; espante espíritos e mau-olhado com arruda e guiné; que trate suas bronquites com açúcar queimado e casca de laranja.

Procura-se alguém que acredite piamente em Deus e nos Santos todos; se preocupe com as almas do purgatório e reze para elas na hora de dormir; que dê esmolas na porta da igreja para agradar a Deus; preste atenção à missa; seja capaz de rezar um terço contritamente;

Que evite lugares mal-assombrados e apresse o passo ao passar por cemitérios.

Procura-se um cidadão muito antigo, para quem o respeito é um fundamento de vida; a honra uma virtude que deve ser mantida, revigorada e polida continuamente; a amizade observe a honra e o respeito, mas se componha também de amor e tolerância.

Procura-se um ser digno, trabalhador, batalhador e que ache importante ter amigos e companheiros; que vibre com o êxito dos outros, reconheça suas fraquezas sem se sentir derrotado.

Procura-se um pacificador capaz de se calar; de tecer elogios; de rir e chorar; de dar o conselho oportuno; de não desagregar e de se esforçar para unir.

Procura-se alguém que ouviu falar de bomba Atômica como algo distante e abstrato; imagine a guerra como coisa inútil; que não sabe onde a pátria começa ou acaba; não entende direito porque é que o governo manda; que cumpre a lei casualmente porque seu código de conduta se encaixa nela.

Procura-se um cidadão com marca de vacina anti-varíola, com a boca amarga de quina, com um leve bafo de pinga, com fígado palpável e dolorido; talvez com disfagia; talvez com obstipação intestinal ; com história de ofidismo, contato com o barbeiro, picado de escorpião, lacraia e formiga Cabo-Verde.

Um cidadão que já rezou nas tempestades, se afligiu com as estiagens; já perdeu; já bamburrou; nasceu de parto domiciliar; acompanhou enterros chorando; já riu vendo um filho nascer; campeou inutilmente um animal sumido, ajudou parto de bezerro, curou bicheiras.

Procura-se um cidadão que perambulou nas ruas da cidade; estudou em cursos noturnos; andou na chuva sem ter dinheiro para o ônibus; comeu o pão que o diabo amassou, com a melhor boca do mundo e agradecido.

Um cidadão que enquanto sobrevivia venceu, entendeu, tomou consciência. Ainda que essa consciência seja só um desconfiar confuso; que o entendimento seja mínimo e que a vitória seja quase um nada.

Procura-se esse transeunte que contém a essência de um povo.

Rilmar José Gomes

07/08/1991


Autor: Rilmar Jose Gomes


Artigos Relacionados


Só Na Hora Da Dor

Ser Como Ser...

Tua Intenção

Não Há Impossível

BrevÍssimo Poema Do Amor Que Se Foi

A Criação

Mensagem Para A Paz E Comunhão