Atendimento Clínico-cirúrgico de Animais Silvestres



Em Nota Técnica (nº 02/04 – CGFAU/LIC) o Dr. Otávio Borges Maia, Coordenador Geral da Fauna, em muito elucidou a respeito do atendimento clínico-cirúrgico de animais silvestres em estabelecimentos médicos veterinários, criadouros e mantenedores de fauna silvestre. Sabemos que atualmente não existe regulamentação específica a respeito do assunto e muitos profissionais têm receio em exercer atendimento de emergência de animais silvestres em seu estabelecimento. Isso porque a Lei nº 9605/98, que dispõe a respeito das sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, impõe restrições legais não apenas aqueles que agem de forma degradante contra a fauna e a flora brasileira, mas também aqueles que tem em sua guarda, cativeiro e depósito quaisquer espécimes da fauna silvestre, nativa ou migratória (artigo 29, §1º, inciso III, da Lei nº 9605/98).

Atualmente cerca de 30% das pessoas entrevistadas tem ou já tiveram animais silvestres em sua residência, segundo pesquisa encomendada ao IBOPE pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RENCTAS), sendo, portanto, uma prática comum a domesticação de animais silvestres, embora a legislação vigente decrete a ilegalidade dessa conduta. Com efeito, cerca de 60 milhões de animais silvestres estão fora de seu habitat natural e, portanto, que necessitam de atendimento de urgência que muitas vezes é realizado por médicos veterinários em clínicas particulares. E, por questões éticas, devem ser tratados e medicados quando necessário.

Neste aspecto, o Código de Ética do Médico Veterinário, impede o profissional de exercer atos que a lei defina como crime ou contravenção (artigo 13, inciso I), como é o caso de terem sob sua guarda espécimes da fauna silvestre, nativa ou migratória. No entanto, outros dispositivos legais determinam que seja competência exclusiva dos médicos veterinários a prática da clínica em todas as suas modalidades (alínea "a", do artigo 5º da Lei 5517/68), a assistência técnica e sanitária aos animais sob qualquer forma (alínea "c" do mesmo diploma legal) e, sobretudo, a defesa da fauna, especialmente o controle da exploração das espécies de animais silvestres, bem como dos seus produtos (alínea "i", do artigo 6º).

Ainda, segundo disposto na Declaração Universal dos Direitos dos Animais,todos os animais têm o mesmo direito à vida, direito ao respeito e à proteção do homem, dentre outros. Assim como a Constituição Federal atribui o direito à vida do Homem como direito essencial do ser humano, o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais atribui que todos eles são iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência. Por essa razão, o artigo 2º, item 3 dispõe que "todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem".

Portanto, verificamos que o animal, inclusive os animais silvestres, tem direito à vida e a sobrevivência, devendo ser respeitados e protegidos, cabendo ao Homem zelar pelo seu bem estar e sua saúde. Sendo assim, da mesma forma que um médico não pode omitir-se a socorrer um ser humano, em quaisquer condições, não poderia um Médico Veterinário se negar a prestar atendimento emergencial a um animal, seja silvestre, exótico ou doméstico.

A nossa Constituição Federal determina, no artigo 5º, inciso XIII que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, como a do médico veterinário.

Temos ainda, em âmbito estatal, o que dispõe a Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 193, incisos X e XVIII, o seguinte:

Artigo 193 - O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, assegurada a participação da coletividade, com o fim de:

X - proteger a flora e a fauna, nesta compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e que provoquem extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, fiscalizando a extração, produção, criação, métodos de abate, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos.

XVIII - incentivar e auxiliar tecnicamente as associações de proteção ao meio ambiente constituídas na forma da lei, respeitando a sua autonomia e independência de atuação.

Evidentemente a responsabilidade pela criação de um sistema que administre a qualidade ambiental, a proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e o uso adequado dos recursos naturais, dentre outras inúmeras atribuições, é do Estado de São Paulo, que assegura, inclusive, a participação da coletividade na proteção da fauna e da flora, nesta compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, bem como, incentivar e auxiliar associações de proteção ao meio ambiente.

Entende-se por coletividade o povo, a sociedade, em caráter amplo e genérico, sendo, portanto, os Médicos Veterinários inclusos. Assim, o atendimento clínico-cirúrgico pelos profissionais mencionados em clínicas particulares do Estado de São Paulo podem ser entendidas como participação da coletividade na proteção da fauna e da flora, incluindo, animais silvestres, exóticos e domésticos, desde que devidamente comunicado ao órgão competente, como será observado posteriormente.

Ante a inexistência de legislação específica que disponha a respeito do atendimento clínico-cirúrgico de animais silvestres e exóticos, pelos profissionais da Medicina Veterinária, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) com a aprovação da Procuradoria Geral Federal Especializada – IBAMA (Parecer nº 028/2005 – PROGE/COEPA) disciplinou a matéria em Resolução nº 829 de 25 de abril de 2006.

Tal normativa determina que é dever do Médico Veterinário proporcionar assistência médica aos animais silvestres/selvagens independentemente de sua origem. Para tanto, em caso de atendimento médico veterinário a esses animais, em quaisquer circunstâncias, deverá o profissional realizar os seguintes procedimentos:

1.Elaborar prontuário contendo informações indispensáveis à identificação do animal e de seu detentor (inciso I, do artigo 2º da Resolução 829/06);

2.Informar ao detentor a necessidade de legalização dos animais e a proibição de manutenção em cativeiro dos animais constantes na lista Oficial Brasileira da Fauna Silvestre Ameaçada de Extinção ou dos anexos I e II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, caso haja irregularidade (inciso II do artigo 2º da Resolução 829/06).

3.Encaminhar comunicado à Superintendência do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, bem como, ao órgão executor da Defesa Sanitária Animal do Estado, quando do atendimento de doenças de notificação obrigatória.

A Resolução acima, embora sucinta, regulamenta o atendimento clínico-cirúrgico dos animais silvestres e exóticos por Médicos veterinários, atribuindo as obrigações acima. Vale ressaltar que o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) possui, dentre outras atribuições, a função de expedir as resoluções que se tornarem necessárias à fiel interpretação e execução da presente lei (alínea "f" do artigo 16 da Lei 5517/68).

Sabemos que os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária transferem para a própria classe a função fiscalizadora do exercício profissional, ante a inoperância dos órgãos competentes em relação à classe. O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) tem por finalidade, além da fiscalização do exercício profissional, orientar, supervisionar e disciplinar as atividades relativas à profissão de médico-veterinário em todo o território nacional, diretamente ou através dos Conselhos Regionais de Medicina Veterinária (CRMV), conforme artigos 7º e seguintes da Lei nº 5517/68. Sendo assim, o Conselho Federal de Medicina Veterinária é plenamente capaz de regulamentar a respeito do atendimento clínico-cirúrgico de animais silvestres pelos profissionais da área, tendo, portanto, plena validade o disposto na Resolução acima.

Devemos salientar, todavia, que, além do que dispõe a Resolução mencionada, os profissionais devem se ater à regulamentação apresentada, inclusive, quanto aos os procedimentos cirúrgicos em animais de produção e em animais silvestres, e cirurgias mutilantes em pequenos animais (Resolução 877/08, também do Conselho Federal de Medicina Veterinária).

O artigo 6º da Resolução 877/08 trata das cirurgias realizadas em animais silvestres, dispondo que devem ser executadas em salas cirúrgicas ou ambientes controlados e específicos para esta finalidade, vedando, inclusive, as cirurgias consideradas mutilantes com a finalidade de marcação ou que impeçam o comportamento natural da espécie.

Concluímos, portanto, que se faz necessário, além de ser considerado um dever do Médico Veterinário, o atendimento clínico-cirúrgico de animais silvestres e exóticos em clínicas particulares. Além de tratar-se de proteção às espécies selvagens, permite a proliferação desses animais, muitas vezes em regime de extinção.


Autor: Ignez Fecchio


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