A Reserva Florestal Legal em Área de Transição Amazônia-cerrado: O caso de Colinas do Tocantins - TO



Sergio Constantino Wacheleski1; Henrique dos Santos Pereira2

1FECOLINAS/Curso de Pós-graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia – PPGCASA-UFAM; 2Centro de Ciências do Ambiente, Universidade Federal do Amazonas;

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INTRODUÇÃO

A reserva florestal legal - RFL e áreas de preservação permanente – APP representam instrumentos que dotam a propriedade privada de funções ambientais ao tempo que também impõem limitações ao exercício do direito de propriedade.As diferenças entre RFL e APP dizem respeito à dominialidade e o grau de restrição de usos. Enquanto a RFL incide somente sobre o domínio privado e nela admite-se o uso sustentável de seus recursos florestais, as APP incidem sobre o domínio privado e público e são de proteção total (SIRVINSKAS, 2005; MACHADO, 2007; IRIGARAY, 2006). A MP 2.166-67/ 2001 determina a preservação da vegetação nativa nas propriedades e posse rurais nos seguintes percentuais: 80% em área de floresta localizada na Amazônia Legal; 35% em área de cerrado localizada na Amazônia Legal; e, 20% nas demais regiões do País. Contudo, o descumprimento desta e outras leis ambientais e agrárias tem sido responsável pela gênese de boa parte das tensões socioambientais em áreas de fronteira agrícola na Amazônia (MIRANDA, 2007). No Brasil, não existem dados precisos do número de imóveis rurais nem da proporção dos que mantêm RFL. Os únicos dados disponíveis são os do cadastro de imóveis rurais do INCRA, informados diretamente pelos proprietários (OLIVEIRA e BACHA, 2003). Colinas do Tocantins e vários municípios do estado do Tocantins estão em áreas de transição entre os biomas Floresta Amazônica e Cerrado (ZAETO, 2008). Somente recentemente, definiu-se o procedimento padrão para o cálculo da área de reserva nestas situações. A Portaria 189/08 do Ministério do Meio Ambiente faculta aos proprietários nestes municípios a obtenção de declaração de localização e define que o percentual da RFL de propriedade situada em área de floresta e cerrado será considerado separadamente. Em regiões em que propriedade e posse rurais representam a grande parte da área disponível para ocupação, a RFL passa a significar o mais importante instrumento para a manutenção de porções representativas dos ecossistemas locais e o fornecimento de serviços ambientais.

OBJETIVOS

Avaliar o grau de observância e a adequação da averbação de reserva florestal legal em propriedades e posses rurais de diferentes tamanhos localizadas em área de transição Amazônia/Cerrado, em Colinas do Tocantins – TO. Identificar as características físico-ambientais da região rural do município e identificar o que preconiza a legislação ambiental, considerando-se estas características. Avaliar todas as propriedades rurais registradas no município quanto à existência e adequação da averbação da RFL. Analisar as percepções e atitudes dos proprietários e posseiros quanto à implantação e recomposição da FRL.

METODOLOGIA

Foram levantados dados sobre todas as propriedades rurais registradas no município quanto à existência ou não da Reserva Florestal Legal e sua adequação, mediante consultas ao Departamento de Ordenamento Fundiário do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Prefeitura Municipal de Colinas do Tocantins e Cartório de Registro de Imóveis. Doze proprietários rurais foram entrevistados quanto a percepções sobre a RFL, sendo quatro com áreas de até 50ha, cinco com áreas de até 999ha e três com área acima de 1.000ha.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Existem 413 imóveis rurais em Colinas, sendo que a maior parte deles (92%) possui título definitivo de propriedade, revelando uma estrutura agrária consolidada nesta área de fronteira agrícola. Foram identificados 43 imóveis rurais com RFL averbada, o que corresponde a 10,4% do total de imóveis e a apenas 19% dos 83.328ha de área territorial passível de apropriação privada. Em nenhum dos imóveis que possuem reserva legal averbada junto ao Cartório de Registro de Imóveis foi obedecido o percentual de 80%, previsto para áreas de floresta na Amazônia Legal, embora existam no território de Colinas do Tocantins 667 mil hectares com potencial de floresta.A primeira averbação ocorreu somente no ano de 1991, após a edição da Lei 7.803/89. As averbações ocorridas entre os anos de 1991 a 1994, no total de 10, respeitaram o percentual de 50% vigente à época. É importante destacar que a redação original do Código Florestal de 1965 não determinava, explicitamente, que imóveis compostos por vegetação de Cerrado devessem ter reserva legal. Com a edição da Lei 7.803/89, passou a vigorar a exigência de RFL de 20% para tais imóveis. Do ano de 1995 até 1999, não há registro de averbações de RFL no município de Colinas. As averbações ocorridas até 12/06/2000 observaram o limite de 20%, previsto na Medida Provisória 1736/31, de 15 de dezembro de 1998. Embora tenham sido respeitados os limites mínimos em vigor na ocasião, essas RFL já deveriam ter sido retificadas vez que a legislação em vigor determina o valor de 35% para áreas de cerrado na Amazônia Legal. As averbações ocorridas após o mês de junho de 2000 passaram a observar o limite mínimo de 35% mantido pela Medida Provisória 2166/67-2001. Em 3 imóveis houve a averbação da RFL. O ano de 2000 registra o maior número de averbações (21), provavelmente devido ao rigor das Medidas Provisórias que entraram em vigor nos anos anteriores. Após o ano de 2000, houve significativa redução de averbações. Verificou-se que das averbações registradas, apenas 9,3% são de imóveis de até 100ha que somam 47% do total de imóveis registrados. A maior incidência (39,6%) corresponde aos imóveis entre 201 e 500ha e que representam 29,5% da área total em propriedades rurais. Ao que tudo indica, o pequeno proprietário rural é menos propenso a averbar a RFL, se comparado com as demais categorias (MENEZES, SANTOS e BERGER, 2005). Embora a qualidade do meio ambiente tenha sido considerada boa pelos entrevistados, a maioria (onze) afirmou ter percebido a diminuição da quantidade de água nos rios e córregos, cujas causas atribuem ao desmatamento e à diminuição das chuvas.A metade dos entrevistados afirmou terem adquirido o imóvel já desmatado. As espécies de árvores consideradas mais comuns na região foram o Ipê Roxo e o Ipê Amarelo. O Pau-Brasil e a Aroeira foram citados como espécies raras, ou mesmo ausentes na maioria das propriedades. A maioria dos entrevistados demonstrou algum grau de conhecimento sobre a RFL, no entanto declarou desconhecer a obrigação legal da sua demarcação e averbação. A totalidade dos entrevistados que não possuem reserva florestal legal afirmaram que pretende implantá-la. Quanto ao tamanho ideal da RFL, a maioria dos entrevistados (82%) afirmou ser de 20% ou 35% do imóvel. A minoria considerou ser de 50% e nenhum entrevistado citou o percentual de 80%. Questionados sobre aquele percentual, os proprietários consideraram ser um sacrifício à exploração econômica da propriedade ou posse.Perguntados sobre qual o melhor modo para recuperar a reserva legal em suas propriedades, a maioria dos entrevistados (seis) respondeu que preferiria fazê-lo com a regeneração da vegetação.

CONCLUSÕES

Segundo dados do PRODES (INPE), dos 667km² da área de Colinas considerados com potencial de floresta, em 2006, restavam pouco mais de 4.8km². Por não haver nenhuma área publica destinada à manutenção dos ambientes naturais, a conservação e a recomposição das áreas de reserva florestal legal nos imóveis rurais são os únicos modo de manter parcelas conservadas/preservadas do ambiente natural. Nesta situação, a RFL assume máxima importância como mecanismo capaz de auxiliar na manutenção de um ambiente ecologicamente equilibrado e provedor de serviços ambientais. Deveriam existir, em Colinas, 533km2 de RFL em área de domínio de floresta e 63km2 de RFL em área de domínio de Cerrado. No entanto, em 2008, havia apenas 5.8km2 de RFL averbadas. O desconhecimento dos critérios para conservar ou recompor a reserva legal nas propriedades rurais de Colinas prejudica sua implantação, o que poderia ser modificado através de campanhas educativas, objetivando a conscientização do proprietário rural sobre a importância da reserva legal para a sua propriedade e para coletividade assim como sobre as conseqüências administrativas e civis para o seu descumprimento. O alto custo de oportunidade da recuperação e manutenção da RFL na pequena propriedade localizada na Amazônia (MENEZES, SANTOS e BERGER, 2005), e em especial em áreas de assentamento rural, poderia ser amenizado pela implantação de Sistemas Agroflorestais nas áreas destinadas à RFL. A utilização dessas áreas recuperadas seja através de manejo florestal sustentado ou extrativismo tradicional permitiria a manutenção dos ecossistemas florestais e a geração de renda.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

IRIGARAY, C. T. J. H. A Amazônia: encontrando soluções. 2.ed. Brasília: Embaixada Italiana, 2006. 159 p.

MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. 1112 p.

MIRANDA, J. P. R.; ARRUDA, D. S. B. 2007. Tutela jurídica da reserva florestal legal na Amazônia: sua natureza jurídica e importância ecológica. Monografia (Especialização em Direito Ambiental). FESMP-MT / UNIC, Cuiabá.

OLIVEIRA, S. J. M.; BACHA,C. J. C. Avaliação do Cumprimento da Reserva Legal no Brasil, Revista de Economia e Agronegócios, Viçosa, V. 1, n. 2. p. 117-204, 2003.

SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004. 216p.

ZAETO - Zoneamento Agroecológico do Estado do Tocantins. Disponível em:www.zaeto.cnpq.embrapa.br, acesso em 17/08/2008.

MENEZES, R. S.; SANTOS, A. J. S.; BERGER, R. A importância da reserva legal na geração de renda dos pequenos produtores rurais: estudo de caso no estado do Acre, Amazônia. Floresta, Curitiba, V.35, n. 1, p.1- 11, 2005.


Autor: Sergio Wacheleski


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