PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA, SUA PRÁTICA E CONTRIBUIÇÕES PARA UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE NO CAMPO



Cilésia carvalho[1]

Tânia Mares[2]

Resumo:

O presente trabalho apresenta um discussão acerca da Pedagogia da Alternância e sua prática a favor da qualidade da educação nas escolas do campo. Essa discussão se volta para as práticas pedagógicas atuais e o modelo de educação que se encontra nestas escolas. O campo precisa de uma escola que desenvolva desde cedo nas crianças e nos jovens o senso de participação e de crítica, já que a realidade continua cada vez mais injusta e discriminatória.Mas como ter a escola contribuindo para o desenvolvimento do senso crítico se na prática as aulas reproduzem o medo, a insegurança e perda da identidade cultural dos alunos? Este trabalho apresenta também o que a escola tem feito na construção da identidade crítica dos alunos; sobre a avaliação que é aplicada nos espaços escolares sua contribuição para a qualidade da educação e sua missão enquanto formadora dos cidadãos do campo. Apresenta ainda a necessidade da discussão sobre a Pedagogia da Alternância enquanto uma prática de interação e de significações, que é realmente praticada e não apenas modelo de mais uma proposta de participação dos envolvidos e da importância de se tornar política para as escolas do campo.

Palavras chaves: Pedagogia da Alternância, Educação do campo, Qualidade da educação.

Introdução

Em todos os tempos foram feitas análises a respeito do homem e sua capacidade de aprender e de se educar, pois a educação é um processo vital desenvolvimento e formação da personalidade. Assim, pode se dizer que esse processo começa na família, continua na escola e prolonga por toda a existência humana.

Com a Pós Modernidade[3] chegamos à era das incertezas onde o real não tem mais tempo determinado. Estamos num mundo de constantes buscas, de insatisfações e a Educação também se encontra neste cenário de procura pelo caminho da qualidade, das significações.

Pelos caminhos da Educação surge a Pedagogia da Alternância, uma proposta de ação conjunta com a escola a família/comunidade objetivando um desenvolvimento amplo do alternante-estudante.

Sempre pensando numa educação que promova a cidadania, a Pedagogia da alternância ultrapassa os limites dos tradicionais Centros de Formação por alternância e chega a outros espaços. A Pedagogia da Alternância acredita na experiência coletiva como elemento da verdadeira aprendizagem: crítica e dialética. É uma proposta que busca a socialização do saber, a valorização da cultura popular, bem como o diálogo para um aprofundamento científico e aprimoramento desses saberes em vista da transformação do meio.

O ato de ensinar e aprender nas escolas rurais – uma análise necessária

Quando discutimos sobre o processo de ensino e aprendizagem é importante que seja contemplado todos os sujeitos envolvidos na ação educativa, entendendo ser está uma ação recíproca de intenções e motivações diversas e muitas vezes diferenciada. Tanto quem ensina, como quem aprende podem ou não terem objetivos e perspectivas convergentes. Isto apenas será identificado a partir da análise critica dos resultados e da auto-reflexão da práxis.

A sala de aula é por excelência um espaço interativo de infinitas possibilidades educativas, para o professor e para o aluno, basta que os dois estejam abertos para experimentarem novas vivencias pedagógicas.

Mas, o que se presencia na maioria das escolas rurais é a reprodução de metodologias e conteúdos de escolas urbanas, ou uma educação bancária com valores e moral capitalista. Onde as metodologias e conteúdos afastam a comunidade do saberes escolares e distancia o fazer e o transformar.

A escola e a vida são mundos diferentes que pouco se aproximam e muito se distanciam. Tal distanciamento ocorre porque a escola rural, assim como o contexto onde se situa, é burguesa. Cultivam-se na sociedade os interesses e as idéias dominantes na sociedade. Predominam os valores que mantém o reino do capital, da propriedade privada e do poder de mando. Cultiva-se pela valorização da escola o trabalho intelectual em detrimento ao trabalho manual.(QUEIROZ, p. 58).

Manter o trabalho distante das atividades escolares é manter os alunos numa posição de escolha entre o que se precisa fazer do que precisa saber. E nesta posiçãoque os alunos se perdem entre as atividades escolares e as atividades cotidianas da família, e acabam na maioria das vezes, repetindo de série.

A prática autoritária que se desenvolve na sala de aula reflete toda a construção do currículo e da proposta pedagógica da escola rural, conjugando com o autoritarismo existente em vários âmbitos da sociedade.

O campo precisa de uma escola que desenvolva desde cedo nas crianças o senso de participação, de critica à realidade, já que esta continua cada vez mais injusta e discriminatória.Mas como ter a escola contribuindo para o desenvolvimento do senso crítico se na prática as aulas reproduzem o medo, a insegurança e perda da identidade cultural dos alunos?.

Há de se pensar o que a escola está fazendo na construção da identidade participativa e questionadora destes alunos, qual é a sua missão enquanto formadora dos cidadãos do campo. A práxis nas escolas rurais acaba por resumir-se em aulas expositivas, onde o saber concentra-se na figura do professor e nas páginas dos livros didáticos. Não é intenção aqui desqualificar o sentido metodológico da aula expositiva, mas discutir efeitos negativos tanto no ato de aprender quanto no desenvolvimento do senso crítico-participativo dos alunos, quando esta não é bem planejada e desenvolvida de forma dialogada. Quanto o professor exige da turma total silencio na hora da explicação dos conteúdos, as dúvidas e até mesmo, as contribuições orais dos alunos são impedidas de serem colocadas no desenrolar da exposição do professor, que gera, na maioria das vezes, uma apatia e uma desmotivação por parte da turma. Se parte da explicação não foi entendida pelo aluno e as duvidas não foram respondidas no momento em que apareceram, as respostas após a explicação, pode não adiantar.

De onde surge a dúvida e o questionamento é o parâmetro de onde se deve partir para ensinar, já que os alunos criam na duvida a pré- disposição de aprender. Se a resposta da dúvida só vem no final da explicação e se o entendimento geral dos conteúdos apresentados depender da compreensão das partes da explicação, como os alunos que não tem suas dúvidas respondidas no momento em que aparecem terão a facilidade de aprender?

É importante transformar o espaço da aula expositiva discutindo-o com o aluno, permitir que suas dúvidas e suas contribuições fluam naturalmente durante a exposição do professor. E que este canalize a fala dos alunos de forma a contribuir na construção do conhecimento e na qualidade da educação.

Há muito que construir para que as escolas rurais se transformem em escolas do Campo com ensino de qualidade para os sujeitos do campo. Programas, projetos pedagógicos, metodologias e material didático precisam ter um novo olhar e uma nova prática. Não há lugar para instrumentos e ações pedagógicas que disseminem relações autoritárias e massificadoras, onde nenhuma atenção é dispensada às questões básicas do campo e a produção da cultura local. Não há lugar para as raízes autoritárias existentes na maioria das práticas docentes, onde cada fala, cada ação expressa o poder detenção da verdade e do conhecimento do professor e submissão da maioria dos alunos.

É urgente a questão da avaliação que atualmente é um dos nós da aprendizagem, apresentada em vários livros nas mais variadas abordagens e variados sentidos. E por mais que os cursos de capacitação e encontros pedagógicos tratem do tema, há muito ainda a ser discutido e analisado, e mais ainda a ser mudado na prática dos professores, que muitas vezes, dão um passo na avaliação diagnóstica e processual e dois passos na avaliação tradicional. Ao mesmo tempo, que a avaliação assume uma conotação qualitativa, os resultados percebidos pelos professores, são expressos de forma quantitativa. Ao mesmo tempo, a avaliação é compreendida como processo e também fechada em momentos específicos como o dia da prova do bimestre ou nas avaliações externas.

Na prática, há uma nítida separação entre a avaliação processual e a avaliação formal, prevalecendo sempre o quantitativo nos testes escritos e provas finais. Isso coloca a prática da avaliação tradicional numa posição de excelência, em relação avaliação continua.E mesmo que os professores saibam da importância de se avaliar o aluno no todo, ainda estão atrelados à pedagogia tradicional e a avaliação formal. As práticas de avaliação aplicadas nas salas de aula, por mais, progressistas que possam parecer mostraram a arbitrariedade e a discriminação, onde o desrespeito aos ritmos de aprendizagem é uma constante.

Nessa perspectiva a avaliação da aprendizagem acontece de forma unilateral, visto que os critérios, a seleção dos conteúdos e o julgamento da aprendizagem concentram-se na figura do professor, que não se percebe autoritário e tradicional. Seu papel é medir o que deveria ser aprendido pelo aluno e classificar essa aprendizagem, desconsiderando os fatores sociais, culturais e cognitivos que interferem no ato de aprender.

O aluno não sendo avaliado pelas suas próprias respostas sente-se incapaz de responder o certo, já que se convencionou dizer que o professor sabe mais. O que o aluno realmente entende como filho de trabalhador rural não é aproveitado na escola, seja como conteúdo ou como forma de avaliação, deixando para este, dois caminhos. Ou o aluno decora o conteúdo para se sair bem na prova, ou saí da escola antes de ser reprovado por ela, para não ter que repetir o ano e ser considerado incapaz. "Há professores dignos na educação, melhores, muitas vezes, do que as instituições a que servem; mas, de um modo geral, todos estão se revelando autoritários no processo de avaliação e reproduzindo na escola a repressão da sociedade, quando ameaçam o aluno, quando o reprovam, quando o assustam e geram dificuldades onde não existe" LUCKESI(1992).

A exclusão de muitas crianças e jovens do campo não passa apenas pelo processo de avaliação, mas pela própria estruturação e organização das escolas rurais, que carecem de pedagogias que valorizem o trabalho, a cultura e as relações sociais das famílias. A arbitrariedade e o autoritarismo do currículo, das práticas docentes e da avaliação classificatória transformam as escolas rurais numa forma aliada da ideologia dominante oprimindo aqueles que deveria libertar.

Para muitos professores destas escolas, o processo de ensino e aprendizagem, passa por três entraves significativos que dificultam o sucesso dos alunos. O Primeiro é a falta de motivação da maioria dos alunos, o segundo é a infrequência, e o terceiro é a falta de apoio dos pais.

A falta de motivação dos alunos é expressa pela não participação ativa nas aulas. A maioria deles só participa quando são chamados pelo professor. E, em muitos casos, os alunos preferem se omitir, a terem que participar dando sua opinião acerca de assuntos tão distantes da sua realidade; pouco perguntam, pouco respondem. É comum, portanto, encontrar alunos dormindo no horário das aulas, já que estas não estabelecem um diálogo direto com o contexto campesino e entre um cochilo e outro,perdem parte da explicação dos conteúdos e parte dos exemplos escritos no quadro. O que, segundo os professores, são momentos de extrema importância para a aprendizagem dos alunos. Para eles se o aluno não estiver atento nesses momentos certamente terão muitas dificuldades em aprender o conteúdo proposto.

Não se questiona quais as causas desta falta de motivação, quais os elementos internos e externos que contribuem para essa apatia generalizada por parte dos alunos. Os professores apenas vêem como a falta de motivação prejudica os resultados esperados dos alunos, mas não refletem nem discutem sobre as questões preliminares ao ato de aprender que são pontos primordiais para se compreender o processo da assimilação dos conteúdos e do desenvolvimento dos aspectos cognoscitivos.

A segunda causa, a infrequência dos alunos, é explicada por muitos professores de forma superficial, pois não analisam as causas dentro de um contexto cultural e econômico. Acreditam que os alunos faltam às aulas por conta do trabalho que realizam junto às suas famílias e que se os pais quisessem poderiam modificar esta situação.

Para compreender a causa da infrequência e evasão dos alunos a partir do trabalho, deve-se levar em consideração que em grande parte do Brasil rural, os filhos, desde cedo já ajudam seus pais na lida diária para melhorar o orçamento da família. O trabalho exige também dessas crianças um tempo determinado, por exemplo, na época do plantio e da colheita.

Como trabalhar é condição para a sobrevivência e como o currículo não é adaptado para as questões regionais, é difícil conciliar, tempo escolar e tempo no trabalho. O trabalho do menor no campo sempre fez parte da história econômica da zona rural e por muito ainda o fará. Dadas às condições sócio-econômicas, o menor no campo precisa ajudar a família para sobreviver, mesmo que para isso tenha que sacrificar seus estudos, deixando de lado a leitura, a escrita e os cálculos matemáticos, que são tão necessários às novas exigências da sociedade atual. Estabelece aqui uma relação de conflito entre o que se tem que fazer para sobreviver e o que se tem que saber para melhorar de vida.

Assim, os alunos quando não faltam na época do plantio e da colheita, chegam atrasados e cansados, dificultando o aproveitamento das aulas e aumentando os índices de reprovação nas escolas rurais. O resultado final é sempre marcado pelo insucesso dos alunos.

Mais uma vez a escola não discute sobre as questões dos aspectos sociais e econômicos, que interferem no desenvolvimento do aluno. Não se discute que os trabalhadores rurais são alvos da exploração do capital, e que seus filhos são essa reprodução. Não leva em consideração a própria condição de classe do aluno que por uma questão conjuntural é obrigado a trabalhar com os demais membros da família para sobreviver. O trabalho para esses meninos e meninas representa a sua própria vida e é elemento básico do cotidiano; trabalham desde cedo porque é assim que tem que ser. Existir sem trabalho é não ter o respeito da família e dos outros.

A escola, por sua vez, não toma conhecimento da realidade do aluno trabalhador. Assim, a prática docente do meio rural evidencia de forma mais exacerbada a dicotomia entre trabalho manual e o trabalho intelectual. Parece que uns são feitos para o estudo, e outros, para o trabalho. Há também pais que cultivam a mentalidade de que aquele filho supostamente não inteligente deve ficar na roça, enquanto o filho 'que não dá para o trabalho pesado' poderá ir estudar e um dia ser professor. Desta maneira, ser professor, então, é para aqueles que não servem para outra coisa.(CAMINI, 1996, p.54).

Visto dessa forma o trabalho é além de uma questão econômica, uma questão também cultural. As crianças desde cedo gostam de serem apontadas como ajudantes dos pais na lida e como "entendedor das coisas da roça". Nos depoimentos os professores tratam a relação escola/trabalho como pontos extremos sem convergência pedagógica, onde a escola sempre ocupa um espaço de excelência e importância bem maior que o trabalho no campo, chegando ao ponto de alguns professores afirmarem que o sucesso desses alunos na vida dependerá de como eles são na escola. A escola passa a ser o único meio de melhoria e significado de vida e o trabalho no campo como um empecilho para o crescimento destes alunos.

Os professores não vêem o trabalho da mesma forma que os alunos, entendem que o mesmo apenas dificulta os avanços quantitativos da aprendizagem, sem entender de fato todos os mecanismos capitalistas inseridos nas relações de o trabalho com a escola e sugerem às famílias que os filhos devam estudar em um turno e trabalhar em outro, mas sem que isso traga prejuízos na aprendizagem dos alunos. Tal conciliação apenas superficializa a dicotomia escola/trabalho, sem contudo, problematizar as questões de infra-estrutura e as questões pedagógicas viáveis para tornar o trabalho um instrumento educativo.

A terceira causa ligada ao fracasso escolar apontada por muitos professores, é a falta de participação dos pais no processo de aprendizagem dos alunos. Muitos responsabilizam a família pelo fracasso dos alunos, por entenderem que o papel da família seria apoiar as atividades escolares, bem como, acompanhar e ajudar os alunos na aquisição dos novos conhecimentos e já que a maioria dos pais são analfabetos ou possuem um baixo nível de escolaridade, estes dificilmente poderiam ser parceiros efetivos da escola.A forma mais usada para chamar os pais à escola é através das reuniões, que acontecem de forma esporádica e sem meta coletiva. Nelas, os professores apresentam para os pais as várias situações de dificuldades de aprendizagem e indisciplina, as situações de reprovação por infrequência.

Duas reflexões merecem ser feitas. A primeira é: quais são os objetivos traçados e como estes são trabalhados na reunião de pais? É importante que os professores tenham em mente o que querem com a reunião, se colocando no lugar dos pais inseridos num contexto histórico-cultural de subordinação e exploração. A segunda reflexão é quanto aos resultados práticos dos problemas apresentados nas reuniões.

A participação direta da família nas atividades escolares é de suma importância para o sucesso do aluno, porém, ao se tratar desta questão, não basta apenas apontar os prejuízos causados aos alunos pela omissão dos pais, faz-se necessário também refletir sobre que espaços de participação estão sendo oferecidos à família e quais espaços devem ser construídos com a família. Questões não só de ordem pedagógica, permeiam a falta de participação e parceria dos pais no acompanhamento escolar dos seus: Questões políticas, culturais e sócio-econômicas certamente influenciam o pensamento e ações das famílias quanto a sua importância e função no contexto escolar. E estes pontos merecem atenção e reflexão por parte dos educadores, não bastando apenas dizer que os pais são negligentes, que não gostam de participar e que nada entendem de educação, já que são mais analfabetos que seus filhos; é necessário realmente ver que a família e a comunidade podem ser fortes aliadas.

A escola não pode apenas apontar as falhas e as dificuldades dos alunos sem construir com a família espaços educativos significativos para todos envolvidos, o significado prático da escola perderá força. Por anos, a escola nas comunidades rurais foi respeitada e era motivo de orgulho para muitas famílias, contudo, a distancia educativa que separa a escola da comunidade possibilitou o surgimento de uma onda de descrédito e de discriminação em relação às escolas no meio rural. Muitas famílias preferem deslocar seus filhos para a cidade do que matricula-los nas escolas rurais, acreditam que dificilmente estas escolas poderão oferecer uma educação de qualidade.

A pedagogia da alternância como alternativa integradora

Em todos os tempos foram feitas análises a respeito do homem e sua capacidade de aprender e de se educar, pois a educação é um processo vital desenvolvimento e formação da personalidade. É uma atividade criadora que abrange o ser humano em todos os aspectos. Assim, pode se dizer que esse processo começa na família, continua na escola e prolonga por toda a existência humana.

Com a Pós Modernidade chega à era das incertezas onde o real não tem mais tempo determinado. Estamos num mundo de constantes buscas, de insatisfações e a Educação também se encontra neste cenário de procura pelo caminho da qualidade, das significações.

Pelos caminhos da Educação surge a Pedagogia da Alternância, uma proposta de ação conjunta com a escola e a família/comunidade objetivando um desenvolvimento amplo do alternante (estudante participante).

A alternância, enquanto princípio pedagógico, mais que sucessões de seqüências, visa desenvolver na formação dos jovens agricultores situações em que o mundo escolar se posiciona em interação com o mundo que o rodeia. Buscando articular universos considerados opostos ou insuficientemente interpenetrados – o mundo da escola e o mundo da vida, a teoria e a prática, o abstrato e o concreto – a alternância coloca em relação diferentes parceiros com identidades, preocupações e lógicas também diferentes: de um lado, a escola e a lógica da transmissão de saberes e, de outro, a família e a lógica da pequena produção agrícola... (Silva, 2003, p.p. 11-12)

A Alternância teve seu início na França em 1935, conforme nos relata Freitas (2007), por intermédio de um processo de mobilização de um grupo de pequenos agricultores que buscavam alternativas educacionais para seus filhos. Esses agricultores buscavam uma formação geral, social e profissional que fosse ao encontro das condições de vida dos jovens que viviam naquela realidade rural.

Nesta época, nos anos 30, a França vivia uma situação bastante difícil, período entre as duas grandes guerras, na qual o desafio básico era a reconstrução social e econômica da sociedade. Numa realidade agrária marcada pela permanência de grande número de pequenas propriedades, tendo por base a produção familiar, os agricultores viviam uma situação de total abandono: de um lado, um estado desinteressado pelos problemas do homem do campo e de sua educação, voltado apenas para o ensino urbano, e, de outro, uma igreja que, apesar de se mostrar preocupada com a situação dos camponeses nada fazia para apresentar uma proposta que abrangesse a educação do meio rural.

E nesse contexto de mobilizações e reflexões de um grupo de agricultores surgiu a proposta que hoje se torna referencia de qualidade na educação. A primeira experiência que reuniu como primeiros responsáveis pelas MFRs[4], nasceu sobre o terreno do catolicismo social. Existia um movimento que incentivava a democracia como condição de progresso social, que inspirou o sindicalismo agrícola, estimulante da solidariedade e da ação comunitária em todos os níveis da vida profissional, social e cultural

Segundo Silva (2003), a Alternância ganhou espaço e surge a proposição de que jovens, trabalhando nas propriedades de seus pais, poderiam se reagrupar periodicamente para adquirir um complemento de formação que fosse adaptado à sua situação de agricultor. Pelas condições existentes, houve um acordo de que este período de formação complementar seria realizado sob forma de internato, onde os alunos passariam três semanas em aprendizado prático nas suas propriedades e uma semana em formação teórica na escola. Este ritmo de alternância se repetiria cinco vezes durante o período de inverno, de novembro a abril. Nascia, assim, aquela que viria a ser uma das características e base fundamental do projeto pedagógico das Maisons Familiares Rurales (MFRs): a alternância entre o trabalho prático na propriedade agrícola e a formação geral e técnica no centro de formação.

O propósito da Alternância era possibilitar aos educandos vivencias de socialização e interação do meio familiar e comunitário com os conhecimentos adquiridos na escola.

No Brasil, alternância iniciou-se em meados da década de 1960, no Espírito Santo e tem suas raízes vinculadas ao modelo italiano. A primeira experiência das MFRs ocorreu no Brasil, em 1968, sob a influência e tendo como referência direta a Maison Familiale Italiana de Castelfranco-Vêneto.

Após a criação da primeira experiência de formação por alternância no Brasil , foram criadas as MFRs na Argentina e em diversos paises da América Latina e Ásia.

A expansão das MFRs pelos diversos continentes resultou, em 1975, na criação da Association Internationale dês Maisons Familiales Rurales (AIMFR), com o objetivo de representação e integração das Maisons Familiares em todos os paises, efetivando os contatos e as trocas de experiência entre as diversas iniciativas, com a criação de serviços necessários à existência da Associação.

De acordo com Pereira (2004), no Brasil hoje, existem sete tipos de experiências educativas com o sistema de Alternância:

·EFAs – Escolas Famílias Agrícolas – surgiram no Brasil, no Espírito Santo, sobre a coordenação dos jesuítas. Influencia italiana.

·CFRs – Casas Familiares Rurais – surgiram no Brasil, inicialmente no Nordeste, na década de 1980. Influencia francesa.

·PROJOVEM – Após ter conhecido uma experiência de educação no Paraguai e as Casas Familiares Rurais no Sul do Brasil, um grupo de pessoas apoiado pelo Centro Estadual de Educação Tecnológico Paula Sousa criou na década de 1990, no Estado de são Paulo, o Programa de Formação de Jovens e empresários rurais (PROJOVEM). Este trabalho está representado somente neste Estado.

·ECORS – Escolas Comunitárias rurais, surgiram em 1989, no Espírito Santo com apoio de vários seguimentos da sociedade.

·ETAs –Escolas Técnicas Agrícolas - com base nas Escolas Famílias Agrícolas, também surgiram em São Paulo.

·CdFRs –Casa das Famílias Rurais -surgiram na Bahia, Pernambuco e Piauí com o apoio da Universidade Federal de Pernambuco.

·EPAs – Escolas Populares Assentamentos – surgiram no Espírito santo, nas áreas de assentamentos e são dirigidas pelo Movimento Sem Terra.

Este conjunto das sete experiências convencionou-se chamar de Centro Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs). Apesar das particularidades, todos se baseiam no mesmo princípio metodológicos e filosóficos e busca os mesmos objetivos. Trabalhando com os pilares da Pedagogia da Alternância: Formação Integral, Desenvolvimento do Meio, Alternância e Associação Local.

Sempre pensando numa educação que promova a cidadania, a Pedagogia da alternância ultrapassa os limites dos tradicionais Centros de Formação por alternância e chega a outros espaços. Espaços que a Pedagogia da Alternância acredita na experiência coletiva como elemento da verdadeira aprendizagem, uma aprendizagem crítica e dialética. É uma proposta que busca a socialização do saber, a valorização da cultura popular, bem como o diálogo para um aprofundamento científico e aprimoramento desses saberes em vista da transformação do meio.

É sabido que o campo possui uma diversidade geográfica, histórica e econômica bastante rica e complexa, proporcionando o aparecimento de escolas de diferentes tamanhos, estruturas e organizações. Então, como a Pedagogia da Alternância poderá contribuir para as escolas do campo não sendo elas EFAs ou Escolas agrícolas?

A maior contribuição que a Pedagogia da Alternância dará às escolas do campo é quanto ao sentido do saber e do fazer, aproximando a escola do meio e o aluno da comunidade. Nesta concepção a ação educativa não se restringe apenas na relação aluno/professor em sala de aula, mas, redimensiona o espaço educativo para além escola, onde as relações com pais, profissionais do meio, associações de produtores, lideranças de comunidades, também são referências de saberes e competências.

Mesmo sendo a Pedagogia identificada e vivenciada nas escolas família-agrícola, a metodologia sob a ótica a Alternância, é assegurada por Lei e pode ser utilizada nas escolas do campo, desde que alicerce nos princípios de que:

a) não se aprende só na escola;

b) os sujeitos do campo são os sujeitos da educação do campo;

c) os saberes e sabores do campo são conteúdos curriculares;

d) o fazer do campo é ação educativa, portanto, escolar;

e) a práxis libertadora constrói-se coletivamente na ação cidadã.

Construir uma proposta pedagógica sob a ótica da Alternância é criar novos espaços e tempos de vivências educativas que: Respeitem a adversidade dos grupos humanos, valorizem os saberes dos diversos sujeitos da aprendizagem, façam valer o direito a educação de qualidade com sucesso para alunos e professores, valorizem as atitudes de compaixão e zelo pela terra e por todos os seres vivos, respeitem e valorizem o trabalho do campo como instrumento de transformação sócio-econômica e política, valorizem da solidariedade e da coletividade.

O Ambiente de Alternância

A Alternância deve ter espaço de destaque nas proposta pedagógicas das escolas do campo, independente do tamanho da escola ou da sua localização, a fim, de oferecer aos alunos e educadores uma maior articulação entre os saberes do Campo e os saberes da escola.

A metodologia da Alternância é um momento de crescimento teórico e prático para alunos, educadores e comunidade, onde desde cedo a escola possibilita um momento de construção da consciência crítico-participativa dos sujeitos do Campo. A Alternância é um forte instrumento pedagógico para estreitar os laços de convivência e de saberes entre a escola e a comunidade.

Varias estratégias de ensino podem ser usadas a fim de assegurar a integração entre a escola e a comunidade. Dentre elas, ousaremos orientar uma estratégia que é a construção do Painel pratico pelos alunos e professor do campo.

Nessa proposta existem dois momentos pedagógicos em que a Alternância se faz

presente: A Alternância do aluno e a Alternância do professor.

Na alternância dos alunos, estes, uma vez por semana, dirigem seus olhares para

a comunidade e trazem de lá informações, conhecimentos, vivências, expectativas e necessidades que serão socializadas na semana seguinte e dialogam com o conteúdo teórico e prático do professor.

Na alternância do professor, a cada quinze dias, entra em contato direto com as

famílias dos alunos, interagindo com estas, buscando conhecer de perto a realidade campesina, orientando e orientando quando preciso. Da comunidade, o professor recolhe dados que também serão levados para a escola, socializados no grupo e usados como referenciais para intervenções práticas na comunidade e como referência para replanejamento das aulas. Com esse envolvimento comunitário o professor tornará, a cada Alternância, um defensor do campo, um agente comunitário, um educador do campo.

Painel Prático deverá ter seu espaço visível dentro da sala de aula. Nele o professor, em consenso com a sala, escolhe um tema, partindo de uma necessidade coletiva da comunidade ou de uma curiosidade da sala seguindo questionamentos simples e objetivos como o exemplo abaixo:

1.O que queremos saber?

2.Como vamos fazer?

3.O que descobrimos?

4.O que sabemos agora sobre ____________________

Muitos professores podem fazer uso de sua criatividade ilustrando o painel, acrescentando mais perguntas. Porém, o mais importante é não perder o foco da pesquisa que deveria sempre estar relacionadas: ao interesse dos alunos, ao contexto comunitário, às necessidades familiares, ao desenvolvimento sustentável, ao desenvolvimento do senso crítico-participativo e solidário, a formação integral do ser humano.

Assim que o tema for escolhido, o professor deverá planejar com a turma a forma como iria trabalhá-lo na sala de aula e na comunidade, registrando no painel prático as informações. Com este trabalho os alunos trazem e levam saberes, que tanto os mantém mais próximos da escola e da comunidade.

Conclusão

A Alternância pode ser uma forte aliada na prática pedagógica das escolas do campo pois, ela é uma metodologia que ultrapassa os espaços escolares e exige uma interação entre a prática e a teoria. Respeita os saberes e as competências dos envolvidos e promove a inclusão do estudante no processo de ensino e de aprendizagem tornando-o sujeito ativo nas ações escolares.

Com prática da Alternância, a escola ganha porque ela vai de encontro à realidade dos alunos, conhece suas famílias, seu espaços e suas vivências e torna-se parte desta rotina favorecendo o ensino teórico no espaço escolar. Além de cumprir com seu papel de pesquisadora.

Os estudantes por sua vez têm oportunidade de se apresentarem para a escola tal como são e se tornarem realmente sujeitos do processo onde são a peça mais importante e que na maioria das vezes, não são levados em consideração.

A família passa a participar efetivamente da vida escolar dos seus, mesmo sendo analfabetas, porque suas competências serão consideradas e elas se tornarão sujeitos.

Por isso, a Pedagogia da Alternância é parte importante na efetivação de uma educação de qualidade porque trabalha com o desenvolvimento de ações que contribuem para o desenvolvimento integral dos envolvidos interagindo-os de forma a se tornarem sujeitos do processo educacional.

Há muito que construir para que as escolas rurais se transformem em escolas do Campo com ensino de qualidade para os sujeitos do campo. Programas, projetos pedagógicos, metodologias e material didático precisam ter um novo olhar e uma nova prática. Não há lugar mais para instrumentos e ações pedagógicas que disseminem relações autoritárias e massificadoras dentro das escolas, onde nenhuma atenção é dispensada às questões básicas do campo e a produção da cultura local. Não há lugar para as raízes autoritárias existentes na maioria das práticas docentes, onde cada fala, cada ação expressa o poder dos professores enquanto detentores de toda verdade e de todo conhecimento e submissão didática da a maioria dos alunos.

Com a Pedagogia da Alternância todos exercem seu importante papel na construção da qualidade da educação. Mas, a nós educadores, confere uma responsabilidade muito grande: discutir a realidade presente no dia a dia da escola e criar condições para a que haja uma interação entre a prática pedagógica e a realidade do estudante e desta forma adotar a Pedagogia da Alternância como uma prática de educação que promove o ensino, a aprendizagem e a vida.

Bibliografia

REVISTA da formação por Alternância. Vol.1 nº1. União das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Brasília, 2005.

REVISTA da Formação por Alternância. Ano 4 – Nº. 7, Setembro/2005.

Brasília: União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil, 2008.

SILVA, Lourdes Helena da. As Experiências de Formação de Jovens do Campo Alternância ou Alternâncias? Editora UFV, Viçosa, 2003.

HAGE, Salomão. A importância da articulação na construção da identidade e pela luta da educação do campo, Bragança/Pará, 2005. Artigo.

PEREIRA, Gildetina Leão; NOGUEIRA, Joaquim de Oliveira; e outros. A história das Escolas Famílias Agrícolas da Bahia e o processo educativo na formação de técnicos agrícolas da ETFAB. Monografia, IN: EFAs, A Promoção do Homem do Campo. Riacho de Santana, 2004.

FREITAS, Cristiane Benjamim de. Trajetórias Escolares de Jovens da Escola Família Agrícola Paulo Freire do Município de Acaiaca – MG. Monografia, Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, 2007.

QUEIROZ,Maria Aparecida de.Desacertos da educação: o professor e o ensino rural.São Paulo: Cortez Editora, 1985.

MOTTA, Fernando C.Pretes. O que é burocracia. São Paulo:Brasiliense, 1982.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Seminário interdisciplinar sobre avaliação.

Anais...Frederico Westphalen: Editora Marin, 1992

CAMINI, Isabela. Formação do professor na perspectiva popular: contribuição para o meio rural. Porto Alegre: Mediação, 1996 

http://pt.wikipedia.org Acesso em 18/08/2009


[1] Cilesia Maria de Oliveira Carvalho-Professora de Educação Básica- Anos Iniciais em Acaiaca/MG, Responsável pela Educação do Campo em Acaiaca/MG-2009,Pesquisadora em Educação do Campo na Escola Família Agrícola Paulo Freire, Doutoranda em Ciências da Educação, [email protected]

[2] Tânia Maria Mares Figueiredo - Professora da ALFA – Faculdade de Almenara/MG, Pesquisadora em Educação do Campo nos assentamentos do Baixo Jequitinhonha, Mestre e doutoranda em Ciências da Educação

[3] Pós-modernidade é a condição sócio-cultural e estética do capitalismo contemporâneo, também denominado pós-industrial ou financeiro. O uso do termo se tornou corrente, embora haja controvérsias quanto ao seu significado e pertinência. Tais controvérsias possivelmente resultem da dificuldade de se examinarem processos em curso com suficiente distanciamento e, principalmente, de se perceber com clareza os limites ou os sinais de ruptura nesses processos. Segundo um dos pioneiros no emprego do termo, o francês Jean-François Lyotard, a "condição pós-moderna" caracteriza-se pelo fim das metanarrativas. Os grandes esquemas explicativos teriam caído em descrédito e não haveria mais "garantias", posto que mesmo a "ciência" já não poderia ser considerada como a fonte da verdade.http://pt.wikipedia.org

[4] MFRs: Maisons Familiares Rurales – Primeira Instituição a trabalhar a Pedagogia da Alternância, surgiu na França em 1935 com a organização de trabalhadores rurais e a igreja católica local.


Autor: Cilésia Carvalho


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