Pernil de Porco da Vovó
PERNIL DE PORCO DA VOVÓ
O melhor da festa era esperar por ela. Todos os domingos, o almoço da família – umas vinte pessoas, entre filhos(as), netos(as), genros, noras e os inevitáveis “perus-de-fora”... – era na casa da Vovó - napolitana de boa cepa, "la vera Nona"... E pelo menos em um deles por mês, saboreávamos o pernil de porco. Particularmente em certas comemorações, como Dia das Mães, Dia dos Pais, aniversário de alguém, ou mesmo no Natal.
Tudo
começava na quinta-feira, com um telefonema ao criador de porcos, que morava
Na sexta-feira,
pela manhã, outro telefonema – agora para o “Seu Abel”, do Armazém
Sublime. Para encomendar uma lista de
“não perecíveis”, que não variava muito. E depois, íamos à feira, na Praça
Xavier de Brito, ali na Muda da Tijuca, para comprar os “perecíveis”.
Por volta
das duas, três da tarde, chegavam o
pernil e as compras do Armazém. Tinha início, então, o grande ritual. Minha
avó, virginiana, e, como tal, detalhista e meticulosa, ia agindo com precisão
cirúrgica, dando ordens muito claras – e enérgicas ! - a nós, seus jovens
netos, e às fiéis empregadas Minervina e sua filha Dulcinéia.
A assadeira
imensa de barro já havia sido retirada do armário sob a pia e muito bem lavada.
Enquanto isso, o pernil “descansava” numa travessa de
alumínio, mergulhado numa água onde haviam sido espremidos seis ou sete limões,
naturalmente sem os caroços.
De início,
derretia-se no fogo uma
xícara de chá – exatamente uma, rasada com faca – de manteiga
“Sinhá”, com sal. O líquido cheiroso resultante
dessa “química” era derramado na assadeira de barro. A ele eram juntados:
Minha avó misturava tudo isso numa
pasta fortemente aromática. Depois, fazia vários furos no pernil, com uma faca
de ponta; colocava-o na assadeira e o esfregava durante um bom tempo com essa
pasta, para que entranhasse bem nele.
O passo seguinte era cobrir a assadeira com papel de alumínio,
vedando tudo muito bem, e colocar na geladeira. A essa
altura, já eram cinco ou seis ou da tarde de sexta-feira: hora de tomar banho,
para depois ingerir um vinho do Porto enquanto se aguardava o jantar.
Ao longo do sábado, Minervina e Dulcinéia
faziam a faxina na casa: palha de aço no assoalho, depois cera Parquetina e
esfregão; vassourão no teto; varredura geral; baldeação e esfregação de
azulejos dos banheiros e da cozinha; lavagem de louças, copos e talheres,
cuidadosamente retirados da cristaleira e do “birô” de jacarandá; tirar poeira
e passar óleo de peroba nos móveis; e por aí a fora.... Enquanto isso, minha
avó começava a preparar os acompanhamentos do
pernil: feijão preto com costela e lombo, arroz branco com coentro, salada de
batatas, cenoura, chuchu, azeitonas sem caroço, pimentões de várias cores e
cheiros verdes, muito bem temperada com maionese feita em casa....E de duas em duas horas,
religiosamente, abria a geladeira, levantava o papel de alumínio e virava
o pernil...
E por fim, o domingão ! Primeiro, o café da manhã, que ninguém é de ferro. Minervina e Dulcinéia estavam lá – naquele tempo, as empregadas trabalhavam aos domingos...
Às sete e
meia, ligava-se o forno. Às oito em ponto, a assadeira era levada a ele. Íamos
todos para a Missa – exceto as empregadas, que ficavam de olho no forno.
E durante quatro horas,
até meio-dia – ou mais, se necessário – o bicho ia sendo assado, volta
e meia revirado na assadeira, e banhado com aquela vinha-d’alhos incrível...
Meu avô já
havia comprado vária cervejas e refrigerantes, a mesa já estava posta, com
toalha de linho impecável e aqueles descansos de madeira, axadrezados e
dobráveis, para os pratos. Mesa também de jacarandá, combinando com a cristaleira,
o birô e as cadeiras, daquelas que se abria no meio, para colocar duas
extensões, de forma a caber toda a família em volta....Vitrola ligada, com
discos de 78 r.p.m: sob o comando de meu avô, ouvia-se Francisco Alves, Carlos
Galhardo, Sílvio Caldas, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Emilinha, Marlene,
Elizeth Cardoso, Cauby Peixoto, Orlando Silva...Ou então a Rádio Nacional ! Mas
quando chegava minha avó, só se ouviam as cançonetas napolitanas - O Sole Mio,
Torna a Sorrento, Mallafemena, Core'ngrato, Funiculi Funiculá..
E tome de
chegar gente, a provar o “rabo-de-galo” que meu avô preparava, beliscando
amendoim torrado, castanhas, picles...até a hora de a comida vir para a
mesa...E lá vinha o pernil...Minha avó forrava com folhas de alface americana uma grande
travessa de porcelana inglesa Ainsley; sobre esse "berço", deitava o
pernil, e, à volta dele, rodelas de abacaxi - sobre cada uma delas, uma
outra, de figo, e, por cima destes, cerejas ao Maraschino - branco, verde
e vermelho, as cores da Bandeira de sua saudosa Itália... A
partir daí...Avanti,
Italia ! Forza, Azurra ! Dove sei un italiano, là e il tricolore !
Ah, deliciosas lembranças das tardes de domingo...
E as sobras
do pernil duravam ainda alguns dias, na geladeira, sendo consumidas aos
poucos, como deliciosos sanduíches, com pão francês fresquinho,
ou de fôrma, cortado na própria padaria...
Sim, o
pernil era maravilhoso. Mas o bom mesmo era curtir esses domingos na casa da
Vovó !
Autor: Gil Ferreira
Artigos Relacionados
Saudade
Seguir Com F�
Os Gozos E Prazeres Que Sua Carne Me Da!
10 Poderosas Palavras Que Vendem Valor
O Sexo � Sagrado...
Perto
Lbv Em Po�os De Caldas Realiza Entrega De Certificados Dos Cursos De Inform�tica E Maquiagem