Fichamento: “O processo Político Partidário na República Velha”



O texto inicia-se com um trecho do Manifesto do Partido Republicano de 1870, no qual o partido pronuncia-se terminantemente a favor da autonomia das províncias. A República concretizou tal idéia e a Constituição de 1891 foi escrita de modo a garantir que isso ocorresse, estabeleceu o presidencialismo e também permitiu a participação de grande contingente antes marginalizado no processo político através do regime representativo democrático.

Com a abolição da escravatura, "as motivações econômicas que ligavam as várias regiões produtoras" (p. 164) desapareceram. Pode-se dizer, então, "que a Federação surge em atendimento às necessidades de expansão e dinamização da agricultura cafeeira." (p.164)

A economia cafeeira era definida pelo latifúndio e voltada para o mercado externo, mas seu desenvolvimento e a transição para mão de obra assalariada permitiram o desenvolvimento de um núcleo urbano-industrial e a transição para uma economia mais integrada voltada para o setor interno. Segundo a autora, diversos estudiosos tendem a construir uma antinomia entre a República Velha e a era Vargas (política deliberadamente industrialista).Para ela, "o desenvolvimento industrial não se formou em antagonismo com o setor exportador." (p.220) O crescimento do núcleo cafeeiro nutria a economia do país e permitia que a atividade urbano-industrial se desenvolvesse, mesmo que secundariamente.

A autora também acredita que não há dados suficientes sobre a composição social do país neste período para que se possa fazer uma analise detalhada sobre conflitos entre interesses agrários e urbanos.

Os grupos condutores do processo político republicano eram os mesmos do período imperial, com nova nomenclatura, possuidores de privilégios (como a propriedade), "acompanhados do grupo militar ativo recém-chegado à arena política" (p.166). Estabelece-se, assim, uma federação de cunho democrático, entretanto sob hegemonia da elite econômica. O caráter ambíguo- democracia, liberalismo, federação, oligarquia- pode ser explicado por influências exteriores através das relações de comércio. Princípios liberais eram bastante aceitos por resultarem num produto melhor em menor preço, contribuindo para o comércio.

Entretanto, houve momentos convenientes em que a classe dirigente soube reformular o princípio de não-intervenção, como a defesa dos preços do café, por exemplo. "Ao nível da prática política, porém, o sistema liberal não podia se efetivar em todo o país. A inclusão dos demais grupos no processo político acabaria por pressionar os fundamentos da estrutura de poder necessários à manutenção do sistema produtivo monocultor-latifundiário existente." (p.169)

Quando a República foi instaurada, medidas centralizadoras de Deodoro da Fonseca desagradaram boa parte da Assembléia Constituinte que declarou luta contra um governo unitário. Devido a tal circunstância, houve uma articulação para que Prudente de Moraes disputasse as eleições contra Fonseca, contando com Marechal Floriano Peixoto como vice. Tal disputa poderia causar uma divisão no exército e isso provocou certo recuo nos que apoiavam Prudente. Deodoro venceu com pequena margem, mas foi o candidato da oposição, Floriano, que se tornou seu vice.

Após a eleição tornou-se necessária a organização legal dos Estados. Os componentes do grupo oposicionista foram afastados ou mantidos no ostracismo, gerando grande tensão entre o Legislativo e Executivo.Deodoro, que desejava uma unidade de magistratura e contava com uma minoria parlamentar, dissolve, então, o congresso e decreta estado de sítio com intuito de fortalecer-se. Todavia, não agüenta a pressão política, renuncia e Floriano assume a presidência.

A ascensão de Floriano exigiu transformações políticas: os presidentes de Estado favoráveis a Deodoro foram depostos, o poder local se fortaleceu e, baseando-se nisso se define a relação entre Legislativo e Executivo.

As deposições de presidentes de Estado favoráveis ao antigo presidente da República levaram a um sério problema no Rio Grande do Sul. Três influentes pessoas disputavam o poder da região e uma série de complicações gerou uma guerra civil denominada Revolução Federalista (1892-1895). Pouco depois, Custódio de Mello, não se conformando com o apoio do governo federal aos republicanos do sul, deu início à Revolução Armada, unindo-se aos federalistas (ambos os movimentos eram vinculados a um sentido de restauração da monarquia). A resistência do governo federal aos movimentos "levou à identificação de Floriano Peixoto com a "consolidação da República"" (p.177), o que não impediu que sofresse oposição no Congresso.

"A eleição de Prudente Moraes, para o terceiro quadriênio presidencial, foi possível" (p.178) por sua posição no golpe e na garantia do governo de Floriano P. e, por outro lado, pelo desgaste "sofrido por este no tumulto revolucionário e político de sua gestão." (p. 178) Prudente fundou o Partido Republicano Federal na tentativa de abrigar a "maioria maciça dos blocos estaduais" (p.178), entretanto logo sofreu oposição, foi associado à monarquia pelos florianistas por mudanças que desejava fazer em algumas situações regionais e "a propósito de medidas tomadas pelo executivo federal nas questões relacionadas à pacificação (...) na revolta de Canudos e na insubordinação da Escola Militar" (p.178, 179), pelas quais foi considerado antimilitarista e antirepublicano, o que gerou uma série de conflitos no Congresso.

As eleições se aproximavam e o Congresso se organizou, grosso modo, em dois grupos: Concentrados (ligados à linha jacobina- RS, PR e SC) e Republicanos (ligados ao presidente- BA, PE, MG, MA, RJ, e a maioria paulista). Campos Sales, então presidente de SP, apoiando o presidente da República, recebeu assentimento para se candidatar pelos republicanos e os oposicionistas levantaram a candidatura de Lauro Sodré. Venceu o candidato da situação.

Para resolver os problemas do Congresso, Sales fez uma mudança no Regimento Interno da Câmara garantindo a deputados e senadores mandatos sólidos e intermináveis e a seus partidos, longo domínio no poder do Estado. "Iniciou-se a implantação das oligarquias estaduais (...). Instituíra-se a norma básica da "política dos governadores"". (p. 185)

No sistema constituído os Estados tinham liberdade para controlar a política nacional e apoiavam o presidente da República em troca, pois, sem isso, o presidente não subsistiria no poder. "A força de uma oligarquia estadual adivinha do poder do controle exercido sobre os grandes coronéis municipais, condutores da massa eleitoral incapacitada e impotente para participar do processo político que lhes fora aberto com o regime representativo imposto pela Constituição de 1891." (p.185) Estabelece-se, então, o coronelismo, pelo qual, em troca de apoio, o Estado permitia que coronéis consolidassem seu domínio nos municípios e criassem verdadeiras máquinas eleitorais, que na prática mantinham a política dos governadores em voga.

São Paulo e Minas Gerais eram os mais importantes Estados por suas organizações político-partidárias compactas, força econômica e demográfica, o que lhes permitia um revezamento na presidência nacional. Outro Estado expressivo no âmbito nacional era o Rio Grande do Sul, que tinha, entretanto, lutas violentas entre forças políticas que se dividiam em Partido Republicano e Partido Federalista, que acabavam por enfraquecê-lo. Os demais se caracterizavam por lutas violentas entre várias facções, sendo peças pouco importantes no jogo político nacional. Foi determinada a proporcionalidade representativa proclamada pela Constituição brasileira, que também garantia a hegemonia dos três Estados já citados na política do país e causava certa indignação por parte dos Estados menores.

No mandato de Rodrigues Alves firma-se o Convênio de Taubaté, que visava à valorização do café. Entretanto, algumas medidas desejadas pelos paulistas e não executadas pelo presidente os levaram a apoiar Afonso Pena (MG), que vence a eleição seguinte, em 1906.

Em 1908 ocorre uma cisão na política mineira por causa da morte do presidente do Estado que era candidato natural a presidência nacional e elo que mantinha coesa a força política de Minas. Tal cisão consolida-se na "decisão de Afonso Pena em apoiar um candidato sem "prestígio" perante o quadro dirigente mineiro." (p.193)

Devido à impopularidade do candidato do presidente, Davi Campista, Hermes da Fonseca surge como candidato e acaba recebendo apoio do Rio Grande do Sul- que se recusava a apoiar o candidato da situação e estava sob ameaça de perder as dianteiras do movimento hermista para Rosa e Silva (NE). Ocorre uma união entre os Estados de MG e RS a favor de Mal. Hermes quando é oferecida a vice-presidência a Minas, conseguindo, também, apoio de Estados menores.

Afonso Pena falece, assume o vice Nilo Peçanha e a candidatura governista perde de vez sua força. Peçanha, que era inimigo político do presidente, esteve neutro a princípio e resolveu mais tarde apoiar a candidatura de Hermes, trazendo consigo o apoio de alguns Estados que ainda estavam indecisos. São Paulo acabou se decidindo por apoiar Campista e não queria voltar atrás, mas havia dissidentes. Por fim, a situação paulista acabou abandonando a campanha campista em busca de outra com melhores condições.

Mesmo atacados pelo caráter militarista, Hermes e Wenceslau Brás vencem a disputa. Aqui se observa a importância que tinha o apoio de pelo menos dois grandes Estados para que uma candidatura obtivesse sucesso. Quando Hermes assume, as forças que haviam se unido para consagrá-lo se dispersam, tão frágil eram os laços que os uniam. "À precariedade da base política do novo governo juntava-se o fato de o presidente não possuir raízes políticas em qualquer dos grandes Estados." (p.203) Por isso, foi criado rapidamente o Partido Republicano Federal, na tentativa de "congregar as forças hermistas ao nível federal." (p.203)

Mesmo antes que Hermes assumisse, começaram movimentos de intervenção -instrumento para término de conflitos estaduais e para assegurar equilíbrio à situação nacional- nos Estados. Depois, "com auxílio do governo federal, vários grupos estaduais foram alijados do poder, iniciando-se o período das "salvações" militares, para "a depuração do regime republicano e para defender a democracia." (p.204) As "salvações" são comumente vistas como antioligárquicas, mas para a autora, podem ser vistas sob outra perspectiva: como um poder moderador do Império, "a deposição das oligarquias teve como alvo e consequência colocar outros tantos grupos semelhantes nos Estados." (p.223) Era uma forma de revezamento entre duas alas de poder que não conseguiriam atuar juntas.

As "salvações" nada conseguiram nos Estados de MG, SP e RS, pois eram fortes e dificultavam a tarefa dos salvadores, fazendo com que o sentido antioligárquico do presidente perdesse um pouco sua força. Alguns Estados menores até aceitavam a intervenção, pois políticos viam aí a oportunidade de se ligarem ao poder, tão cansados estavam do ostracismo que sofriam pela "política dos governadores". Entre os poderosos, SP era o que oferecia mais motivos para a intervenção, pois havia sido amparo do candidato civilista e continuava se colocando como oposição. O RS era o que se apresentava mais vulnerável a intervenção, mas no final do mandado hermista era aos gaúchos que pertenciam os cargos mais importantes do governo federal.

Nova eleição se aproximava e o gaúcho Pinheiro Machado aparecia como candidato natural devido a cargos de grande importância que ocupava. MG e SP se aliam para lançar outro candidato. Surge, então, o nome de Wenceslau Brás. Rui Barbosa se candidatou e chegou até a criar um partido, o Liberal, para defender o programa do civilismo, mas ele acabou desistindo da candidatura por não alcançar muita popularidade e seu partido desapareceu. Wenceslau é eleito e ocorre um rompimento definitivo com Pinheiro Machado, pois não se demonstrou disposto a governar submisso ao partido oficial, desaparecendo também seu partido, o PRC.

A Política do Café com Leite, que teve início no governo de Campos Sales a partir de uma união entre SP e MG, se consolida neste momento e passa a controlar a vida republicana até 1930. "As eleições subsequentes (...) se desenvolveram dentro das coordenadas de um sistema no qual eram ausentes os partidos nacionais, definido pela "política dos governadores, sob a direção dos Estados de maior expressão sócio-econômica." (p.213)

Rodrigues Alves é eleito em 1918, mas falece e seu vice assume provisoriamente. No ano seguinte assume Epitácio Pessoa. Sua gestão, "embora possa parecer uma brecha na hegemonia dos Estados mais fortes," por ser representante da Paraíba, "representou, não obstante, sua efetivação." (p.213)

A ascensão ao poder do sucessor Artur Bernardes deu-se num clima menos propício. A oposição lançou Nilo Peçanha e J.J. Seabra. A campanha sucessória atinge seu auge com o episódio das "cartas falsas" contra o exército, atribuídas a Bernardes. Já empossado o novo presidente, as unidades que haviam apoiado a chapa vencedora esperavam recuperar seu domínio político nos Estados, enquanto que as derrotadas tentavam se aproximar do "rebanho governista". Multiplicaram-se as intervenções.

Atritos entre Bernardes e alguns grupos de militares acabaram por desencadear as sedições armadas de 1924 e a Coluna Militar sob direção de Luís Carlos Prestes, conhecidos como movimentos "tenentistas", que não devem ser vistos como causadores da queda das instituições, mas sim como componentes do complexo ideológico que expressava a necessidade de modernização do país.

Embora o governo de Bernardes estivesse sob constante pressão do estado de sítio, a campanha de Washington Luís desenvolveu-se sem qualquer oposição.

"Durante o encaminhamento sucessório para o seguinte quatriênio presidencial (1930-1934) deu-se uma cisão entre as políticas mineira e paulista." (p.218) Júlio Prestes, paulista, era o candidato de W. Luís. Entretanto, segundo compromissos firmados entre Minas e SP, a presidência caberia aos mineiros. Percebendo que não poderiam contar com o presidente, os mineiros uniram-se aos sulistas formando a Aliança Liberal e lançando Getúlio Vargas e João Pessoa como candidatos.

Eleito o candidato da situação, alguns conflitos como a oposição de Minas ao oficialismo governamental desencadeiam a Revolução de 1930 e impedem que Júlio Prestes assuma a presidência.

"Durante os anos vinte, já eram visíveis os sinais de reformulação do sistema político republicano." (p.216) As bases federalistas enfraqueciam e um exemplo claro disso é que os poderes do governo central ampliaram-se em uma revisão da Constituição em 1926. "A superação da ordem federativa descentralizada (...) encontrou condições de viabilidade para seu desencadeamento em 1930, efetuando-se de forma mais nítida com a promulgação do Estado Novo." (p.226)

"No sistema que emerge após a revolução, o foco de poder (...) irá se transferir dos Estados para a União. (...) O coronelismo e o regionalismo, não obstante sobrevivam (...) assumem continuamente formas mais fracas e o processo político nacional em consequência toma nova feição." (p.218, 219)

CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo 1968 "O processo Político Partidário na República Velha", in Guilherme Mora, Carlos (org.) Brasil em perspectiva (São Paulo: DIFEL).


Autor: Amanda Noronha Fernandes


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