Fichamento: Estado e partidos políticos no Brasil (Maria do Carmo C. Souza)



O período de 1930 a 1945 é marcado por uma centralização que deslegitimou os partidos políticos e mecanismos eleitorais. O que a autora deste texto se questiona é se se trata de uma lei geral que tal ideologia exclua qualquer hipótese de evolução partidária ou ainda se se pode afirmar que "todo processo concreto de centralização estatal (...) exclui por definição uma paralela constituição de um sistema de grandes organizações partidárias." (p.83) Souza não pretende confirmar ou negar as proposições, mas mostrar que isso ocorreu no Brasil e mostrar que o processo da centralização se deu de forma complexa e gradual através de mecanismos- interventorias, institutos, autarquias, grupos técnicos, entre outros- que visavam viabilizar o controle do poder central e não de maneira monolítica como comumente se afirma.

Para a autora, a implantação do Estado Novo significou uma "redefinição dos canais de acesso e influência para a articulação de todos os interesses." (p.85) O "desmantelamento" da ordem que existia pode ser considerado uma "modernização conservadora", já que não alterou a configuração existente, apenas passou a englobar interesses da nova classe que surgia, além de um modo de operar diferente que foi adquirindo ao longo do tempo: unificação, intervenção nos estados, suspensão das organizações partidárias.

O sistema de interventorias surgiu antes mesmo da Revolução de 30, mas foi a partir daí que passou a funcionar verdadeiramente. Seu funcionamento se dava pela nomeação de um governador nativo do estado pelo Executivo federal que poderia até se identificar com os interesses da elite, mas não poderia ter raízes partidárias- o que às vezes causava conflitos devido à imposição de interventores desconhecidos. Isso não interferia nos pilares econômicos, mas enfraquecia a situação das oligarquias na medida em que os interventores estavam associados ao poder central. Nos estados politicamente mais complexos, como MG, SP e RS foram necessários mecanismos para evitar conflitos pela dificuldade de submissão ao poder central. Instrumento de controle do poder central, o interventor, que tinha papel difícil e crucial na relação com os estados, deveria, por sua vez, ser controlado pelo Estado. Para isso foram utilizados mecanismos como rodízios em algumas interventorias e criação de órgãos paralelos de centralização administrativa, como o DASP.

Em 1938, criou-se o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), órgão ao qual foi atribuída, em tese, a responsabilidade técnica de estudo global do sistema administrativo e implementações de mudanças no mesmo. Entretanto, na prática o departamento desenvolveu formas de controle central do sistema, agregando a si responsabilidades além das unicamente técnicas.

Em suas versões regionais, os "daspinhos", assumia a função do poder legislativo, além de acumular também o papel de supervisionar a interventoria e o Ministério da Justiça. Embora o interventor fosse o responsável pelos decretos e leis estaduais, os mesmos só eram válidos após serem sancionados pelo presidente do departamento. Em caso de oposição do mesmo, com dois terços dos votos do "daspinho" era possível suspender a ação do interventor, submetendo-a a juízo do executivo federal. Somando-se a isso o fato de que o departamento também era o responsável por encaminhar os apelos contra o interventor ao Ministério da Justiça (e em última instância ao Presidente da República), é fácil entender porque o "daspinho" era em muitas circunstâncias mais poderoso que o interventor.

Dirigido por burocratas e integrado por profissionais de áreas técnicas, os departamentos muitas vezes se orgulhavam de sua eficiência, atribuindo-a a ausência de "excesso" de instâncias políticas deliberativas. Segundo Gofredo da Silva Telles, presidente do "daspinho" paulista na época, o esquema era "democrático", pois o órgão arquivava projetos da interventoria que aparentavam ser de interesse privado ou de grupos de pressão indesejados.

Na realidade, era muito provável que as relações entre os departamentos estaduais e interventores não fossem aquilo que se delineava institucionalmente. Por certo, o equilíbrio do poder era diferente em cada estado em função da história política regional por detrás dos nomes que figuravam nas respectivas posições.

Em 1939, enfim se "legalizou", por meio de um decreto, a situação dos interventores, dispondo-os juntamente com os departamentos como órgãos do governo dos estados. A partir de então, os departamentos atuariam assessorando o interventor, limitados a certas áreas, e seus chefes seriam indicados pela interventoria.

Após 1937, portanto, nota-se uma mudança significativa na organização federativa do país, em especial no tocante à independência política dos estados. De 1934 a 1937, o arranjo era muito mais parecido com o da República Velha, em sua política bastante regionalista. Com o rompimento de 1937, porém, o grau de centralização deu um salto, e praticamente nenhum campo legislativo direto permaneceu nos estados.

De forma a efetivamente centralizar a administração política do governo federal, era também necessário que o mesmo se fortalecesse internamente. É comumente observado que esse processo se deu através dos conflitos da época e das decisões e medidas tomadas com respeito aos mesmos, ao invés de acontecer naturalmente.

Portanto, a atuação do governo em medidas decisivas de criação de institutos, autarquias e grupos técnicos nas áreas de produção e comércio (interior e exterior) agrícola, incentivo à indústria privada e infra-estrutura, bem como empresas estatais associadas à atividade produtiva (ex.: Petrobrás), demonstra essa intervenção econômica estatal, ainda que seu modis operandis tenha sido ponto de divergência por muito tempo. Com estes órgãos, o governo federal era capaz de centralizar sua influência por áreas específicas de ação em todo o território.

Ainda analisando fatores que contribuíram para a centralização do poder federal, um ator muito importante fica a ser analisado: o exército. Embora não tenha sido propriamente um instrumento getulista de poder, sua expansão e fortalecimento durante o período quebrou a autonomia das milícias estaduais e, portanto, atuou independente do Estado na centralização. Além disso, o exército atuou tanto como "avalista" da estrutura de poder baseado na interventoria-burocracia, como formulador e implementador de medidas relacionadas ao desenvolvimento industrial.

Concluindo, as mudanças político- institucionais surgidas a partir da Revolução de 1930 redundaram na criação de uma extensa e centralizada máquina burocrática que se deu pela cooptação de interesses diversos. O Estado eliminou as formas simples de representação, criando pequenos grupos que intermediavam as relações com a sociedade civil, o que sem dúvida facilitava a manipulação de interesses. O que não deve ser esquecido nessa análise é que o papel de comando estatal não se deu evidentemente por capricho, mas, sobretudo por uma fragilidade e heterogeneidade das classes. 

SOUZA, Maria do Carmo Campello (1976) Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1946). São Paulo: Alfa-Ômega. (cap.4)


Autor: Amanda Noronha Fernandes


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