Fichamento: O Estado novo: estrutura de poder. (DINIZ e CAMARGO)



Dentre os vários autores que se propõem a estudar o Estado Novo, todos coincidem no que se refere ao caráter "centralizado e monolítico do Estado brasileiro durante esse período." (p.95) Nessa linha de interpretação, as questões que se colocam em primeiro plano são aquelas relacionadas à construção e aperfeiçoamento desse modelo de Estado, caracterizado por forte, centralizado, apartidário e distante das forças sociais.

"Em alguns casos, a análise identifica o fortalecimento do Estado através da concentração de poderes no Executivo (...)" (p.95, 96), que se manifesta por estabelecimento de maior autonomia do poder federal, restrição da autonomia estadual, mecanismos de intervenção na economia, entre outros. Sem questionar essas conclusões, Diniz e Camargo acreditam que essa abordagem não é suficiente se os pontos de articulação entre Estado e Sociedade não forem explicitados.

"A discussão do significado da centralização e fortalecimento do Poder Nacional nos anos 30 pode ser encarada sob dois ângulos distintos." (p. 96) O primeiro deles é o aspecto explorado pela ideologia oficial, que parte do pressuposto "de que a centralização, enquanto fator de organização e integração da nação, torna-se simultaneamente eficaz como instrumento de realização dos interesses coletivos." (p.97) Isso se dá pela eliminação do excesso de federalismo existente até os anos 30 e "a destruição dos canais de participação e representação política." (p. 98)

O segundo ângulo diz respeito às relações entre o aparelho estatal e as forças sociais que se afirmavam no quadro de transformações que se apresentava. "O Estado Novo representaria historicamente uma etapa no processo de incorporação à vida política das novas camadas sociais que acompanham o desenvolvimento e diferenciação da economia brasileira (...)" (p.98). "Dessa forma, a destruição dos instrumentos de poder comprometidos com a antiga ordem impôs-se como condição da afirmação dos interesses" (p.100) destas.

O período que antecede a implantação do Estado Novo é marcado por uma crise política. Há setores ligados a industrialização emergindo, acirram-se as cisões regionais e a unidade da oligarquia agroexportadora se rompe. É a incapacidade dos diferentes setores dominantes se sobreporem que cria condições de surgimento de um Estado forte "como condição de preservação da ordem e, portanto, de sobrevivência das classes dominantes" (p.102), que se caracteriza "pela acomodação entre os diversos atores em confronto." (p.101) Não se pode dizer que a centralização causou a perda da influência exercida pelos diversos grupos, mas os canais de acesso e influência foram redefinidos com o novo modelo.

Partindo dessas observações, os autores consideram que o Estado que se consolida entre 1937 e 1945 é heterogêneo e complexo, o que os leva a concebê-lo como um conjunto diferenciado e não monolítico e que os vínculos com grupos externos como parte integrante da dinâmica burocrática são centrais na análise da política no período considerado. Também consideram que o Estado Novo não é uma ruptura em relação à experiência liberal, na medida em que a centralização já havia se consolidado com a Revolução de 30 e não pode ser analisado isoladamente porque é decorrente de um processo.

Sobre a Revolução de 30, questiona-se o caráter de conservação ou mudança no quadro político nacional. Alguns analistas acreditam que foi um processo "sem qualquer reformulação substancial da estrutura econômico-social existente." (p.105) Para outros, a década de 30 foi crucial na evolução do país, pois significou a passagem para a sociedade de base urbano-industrial.

Também há uma divergência entre os autores a respeito das diretrizes econômicas do primeiro governo Vargas. Alguns acreditam que era antimodernizante, outros destacam seu impacto inovador pelas medidas favoráveis à implantação de um pólo urbano-industrial. O que cabe ressaltar aqui é a importância dada às variáveis externas e minimização dos atores internos nas transformações que marcaram o período considerado: de um lado a industrialização é entendida como simples reflexo da crise internacional, de outro, para os que enfatizam a orientação conservadora, a interferência da elite "teria determinado a incapacidade de o sistema reagir favoravelmente aos estímulos externos (...)" (p.108).

Contrariando essas visões, os autores destacam a importância estatal não apenas num sentido reativo, mas mais autônomo e específico. As transformações não podem ser minimizadas, embora a estrutura de dominação pouco tenha se alterado. Dito isto, os autores aceitam a terminologia de Moore, "modernização conservadora", para classificar as transformações decorrentes da Revolução.

Para os autores Villela e Baer, foi nos anos 30 que a industrialização ocorreu de fato, porque é quando se observa mudanças profundas na estrutura da economia (além do aumento da participação da indústria, a produção deixou de ser focada na exportação). O Estado Novo é um momento nesse processo e sua ação está associada à redefinição das classes a partir da incorporação da classe emergente sem desalojamento da elite agrária que até então detinha o poder. Embora houvesse pressão, o novo pacto político foi favorecido e os setores produtivos emergentes puderam se expandir e se consolidar.

Quanto à estrutura da produção industrial, pode-se dizer que as indústrias básicas dobraram sua participação no mercado, enquanto que as tradicionais tiveram sua participação diminuída. Com a Segunda Guerra, a indústria teve sua produção limitada por dificuldade de importação de máquinas e matérias-primas. A intensa utilização do equipamento existente teve como consequência o comprometimento de uma grande parte da capacidade produtiva.

Quanto à caracterização das forças sociais que impulsionaram a industrialização, a literatura política salienta a importância da atuação de grupos técnicos ligados ao governo na formulação e implementação de medidas industrializantes, ao lado da elite política como agente da modernização. Os autores deste texto, entretanto, pretendem chamar atenção para a importância da burguesia industrial, que comumente são considerados irrelevantes por sua incapacidade de assumir a hegemonia do processo de implantação da indústria. Discordando deste ponto de vista, Diniz e Camargo demonstram a intensa atuação desenvolvida pela burguesia, que ganhou visibilidade nas instâncias decisórias e através da identificação com o pensamento autoritário (com exceção do intervencionismo estatal no acesso aos centros de decisão).

Na literatura política brasileira, há um predomínio na ênfase a relativa indiferenciação de interesses das elites rural e industrial, tanto no período anterior a 30, quanto durante o processo revolucionário. Em contraposição, alguns estudos fazem essa diferenciação quando se inicia o processo de industrialização. O que ocorre é que há momentos de cisão e de recomposição- nem sempre o atendimento de interesses da indústria desagradava o setor agroexportador-, o que se explica pela inexistência de resistência a alteração da ordem social (lembrando que a elite cafeeira foi a matriz social da burguesia industrial). A política cafeeira permaneceu como aspecto prioritário da política governamental e a industrialização apareceu como alternativa ao crescimento econômico e proteção do setor que estava em crise.

Todavia, a industrialização ganhou força e isso implicou mudanças significativas no que tange a realocação de recursos e benefícios, bem como o controle do comércio exterior, criação de medidas protecionistas, demandas que exigiam uma ruptura com o marco institucional vigente, o que representaria por si só um fator de tensão nas relações entre as forças sociais do confronto, já que os comissários do café aos poucos foram perdendo sua função e poder de decisão, mas eventuais alianças eram necessárias para garantir recursos para que os industriais alcançassem seus objetivos. Pode-se dizer que o fortalecimento estatal e a rearticulação das alianças entre as elites desdobrar-se-iam de forma estreitamente interdependente e assim o Estado podia impor limites às alianças.

"As forças que lideraram a Revolução de 30, embora conscientes da necessidade de destruir a hegemonia da burguesia agroexportadora paulista, (...) não iam muito além da contestação do antigo regime." (p.117) A criação de uma ideologia própria do empresariado industrial foi fundamental, na medida em que foram os primeiros a questionar os princípios até então dominantes. Sua importância também se encontra na participação não só no sentido de estimular opções ideológicas, mas de uma atuação ativa pela presença de industriais em órgãos de formulação de política econômica.

O Estado forte e centralizado foi ganhando força, desestruturando as bases regionais numa tentativa de nacionalização das decisões e adquirindo habilidade de administrar os diversos interesses em jogo. Esta linha de evolução se afirmaria sem grandes oscilações e culminaria com o golpe de 1937, que consolidou o regime autoritário. A participação das classes como base do poder era uma forma de legitimar o sistema, assim como utilização de mecanismos de proteção da máquina governamental de influências exteriores. Observa-se, então, o estreitamento do círculo dos detentores do poder, articulações e alianças com o setor privado e também uma preocupação com massas que se expressa pela legislação trabalhista como elemento prioritário da pauta política. Qualquer mobilização fora do controle do Estado era fortemente reprimida.

A centralização política foi possível devido a alguns mecanismos como a faculdade de governar por decretos-leis, as interventorias (que constituíam o elemento-chave na relação entre Governo central e Estados, enfraquecendo efetivamente as oligarquias regionais), o fortalecimento do poder burocrático-estatal, (que com institutos, autarquias e conselhos econômicos –principais formas de acesso dos grupos privados ao poder central- adquiria maior poder de intervenção na economia, surgindo, a partir daí, formas embrionárias institucionalizadas de planejamento econômico), entre outros. Apesar dos esforços, a ausência de uma ordem dos órgãos consultivos resultou num "quadro não muito coerente, marcado pela coexistência de setores, livres e regulados, sem coordenação entre si" (p.138), dificuldade existente devido à complexidade da estrutura de poder que se configura neste período.

Entre os aspectos que fundamentariam a centralização política, é preciso destacar o papel do Exército, que teve participação ativa no processo decisório, sobretudo a respeito do desenvolvimento da infra- estrutura industrial, apesar de se manter a margem da discussão sobre industrialização até ver-se necessária a criação de uma indústria interna para suprir suas necessidades. O papel exercido pelas Forças Armadas não pode ser reduzido a um simples instrumento getulista, já que se afirmava enquanto organização que perseguia objetivos próprios, "questionando a validade da utilização da corporação militar pelas facções políticas em suas disputas internas." (p.144)

"A força do Estado, nesse período, está relacionado com a ausência de interesses hegemônicos numa estrutura de poder marcada por diferenciação crescente." (p.130) A queda do Estado novo, além de influenciada pelo término da guerra e vitória das potências democráticas, demonstrava uma situação extrema, "em que a ameaça da transgressão do grau de arbítrio exercido pelo Estado" (p.130) restauraria a unidade da aliança preponderante em torno de uma proposta de mudança de regime político.

DINIZ, Eli e CAMARGO, Aspésia. O Estado novo: estrutura de poder. Relações de classes. In FAUSTO, Boris (org.) História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, vol. 10, cap. 2.


Autor: Amanda Noronha Fernandes


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