Esporte como fator de inclusão social?!



Vivemos uma época realmente difícil! E mais do que isso, cega e cínica. Sempre que eu ouço falar ou leio algo que coloca o esporte como um fator principal para incluir os socialmente excluídos, me vem sempre um sentimento que mescla tristeza, raiva e indignação. Quero antecipar, porém, que não sou contra o esporte. Muito pelo contrário, sou a favor e pratico sempre que posso. Só não consigo entender como alguém pode ser incluído socialmente praticando esporte e sem educação! As escolas públicas, que é onde estuda a grande maioria da população de crianças e jovens desse país, estão quase todas falidas nas suas estruturas materiais e humanas, com prédios caindo aos pedaços e falta de professores. No caso destes, ainda faltam também um melhor preparo e melhores salários para que possam estar constantemente atualizados. Mas os defensores do esporte como substituto da educação (esse é que deveria ser o slogan, já que essa é a verdade que está por trás disso) não devem estar muito preocupados com isso, pois por mais abandonada que uma escola esteja, sempre tem um campinho para se jogar uma bolinha. Sendo assim, o problema está resolvido.

Às vezes fico me perguntando se alguém como o físico Albert Einstein nascesse hoje no Brasil e fosse de família pobre, o que lhe aconteceria? Provavelmente, nós teríamos um ótimo atletae deixaríamos de conhecer um dos maiores cientistas de todos os tempos. Quanta vantagem, hein! Quem sabe ele não seria um novo Guga, e nós vibraríamos com suas paralelas; ou quem sabe até um novo Romário, e nós viveríamos novamente toda aquela emoção, angústia e ansiedade pelo seu milésimo gol! O máximo que poderíamos perder seria um cientista que, simplesmente, mudou o mundo. Mas quem se importa com isso? Vivemos na sociedade do espetáculo, onde o que importa são os gols, os pontos, as braçadas, os saltos e, obviamente, a inclusão social através do esporte, não podemos esquecer. A verdade, é que é muito mais fácil manipular um grupo enorme de pessoas adestradas física e mentalmente, do que manipular uma única pessoa que tenha uma capacidade de reflexão, senso crítico e um alto grau de conhecimento. E isso, só quem proporciona é o estudo de qualidade; e não o esporte.

Mas do ponto de vista do Mercado, esta entidade divinizada que nos comanda e governa com sua mão invisível, não há porque e nem pra quê investir na educação e na formação das crianças e adolescentes porque, simplesmente, não haverá emprego para eles na arena do mercado de trabalho. Isso vale, principalmente, para os filhos da pobreza e da miséria que, por não terem condições de acompanhar as atualizações técnicas, eletrônicas, em informática, etc., que são constantemente exigidas em empregos públicos e privados, estão praticamente fora de uma disputa realmente justa, sendo por isso considerados, para usar um jargão do próprio Mercado, um mau investimento. Mas, por outro lado, é muito perigoso deixar toda uma geração sem perspectiva de um futuro imediato ou de longo prazo. Daí a crueldade que se faz com o esporte, porque coloca-se numa atividade que tem o objetivo de educar, disciplinar e formar o corpo, a responsabilidade de educar, disciplinar e formar a mente, a consciência cidadã. Por isso esse discurso que se repete exaustivamente de que o esporte forma o cidadão quando, na verdade, somente a educação através da escrita, da leitura, da sala de aula, da arte, etc. tem essa capacidade de formar o morador da cidade, aquele que participa da vida política, econômica e social de sua comunidade e, conseqüentemente, de seu país. O esporte é um importante fator coadjuvante nesse processo, mas nunca o principal. Provavelmente, se os gregos da Antigüidade ouvissem um disparate tão grande como esse do "esporte que forma o cidadão", eles iriam rir de nós. Já que a principal preocupação da Paidéia grega era a de formar cidadãos conscientes da sua importância para a polis,no sentido de que através de críticas e novas idéias eles ajudassem a trazer soluções para os problemas de sua cidade participando da vida política, além de também buscarem respostas para as inquietações e dúvidas do espírito humano em relação ao sentido da vida.

Talvez isso nos ajude a explicar porque vivemos hoje numa sociedade tão vazia de valores éticos e morais, de conceitos e de tradições. O grande homem, o ídolo, não é mais aquele grande escritor, político, cientista, guerreiro, etc.; mas sim, um jogador de futebol, um vencedor do Big Brother, uma modelo de passarela, etc. Como disse uma vez a filósofa Olgária Matos: "Os grandes homens são aqueles sem os quais o mundo não seria o mesmo." Homens e mulheres que têm a coragem e a capacidade de mudar e transformar o mundo. É disso que necessitamos hoje, mas talvez eles estejam ocupados demais com suas tarefas de superar marcas, fazer gols, marcar pontos ou se preparando para a nova edição do Big Brother Brasil. Um mundo cheio... de gente vazia.

Renato Prata Biar; historiador; pós-graduado em filosofia; Rio de Janeiro; RJ


Autor: Renato Prata Biar


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