A expressão da relação adverbial causal no português



1. Informações Gerais

Este trabalho tem como objetivo o aprimoramento de estudos em sintaxe da língua portuguesa, em especial nos conceitos de orações adverbiais causais, consistindo no estudo das orações adverbiais tanto em uma perspectiva normativa quanto descritiva.

Primeiramente, analisaram-se as definições sobre o processo de subordinação, para, posteriormente, com base nos conceitos extraídos do levantamento bibliográfico de gramáticas normativas e descritivas, de manuais de análise sintática e de lingüística, e de artigos publicados a partir de 1990 em periódicos especializados sobre o assunto, ser possível realizar a análise do corpus do português falado, IBORUNA[1], com todos os exemplos das relações adverbiais causais encontrados nos relatos escolhidos para análise.

Cada dado desse corpus foi analisado, em primeira instância, particularmente; e logo após, foram agrupados os resultados dessa análise particular para que pudesse ser feita uma constatação do que é mais prototípico e do que é mais raro em meio ao que aparece exemplificado no material utilizado como objeto de estudo deste trabalho.

2. Levantamento bibliográfico

2.1. Orações subordinadas adverbiais causais do ponto de vista da gramática tradicional

Na gramática tradicional, os autores consultados foram Barbosa (1881), Bechara (1961 e 1999), Cunha & Cintra (2001), Kury (1985), Lima (1956 e 1986) e Macambira (1970). Pode-se perceber que os autores não apresentam informações muito divergentes sobre o conceito das orações subordinadas adverbiais já que seguem a mesma linha gramatical, ou seja, gramática normativa ou tradicional. A diferença entre eles está na quantidade de informações, obviamente influenciando a qualidade, já que alguns autores caracterizados pela brevidade podem ser considerados incompletos.

Em relação ao conceito das orações adverbiais causais, podemos encontrar a definição básica em todos os autores, ou seja, de que as orações adverbiais causais exprimem causa, motivo, razão de algo expresso na oração principal.

Cunha & Cintra (2001) classificam as orações de acordo com as conjunções subordinativas. Não fazem nenhuma menção à semântica de cada tipo de oração adverbial e tampouco qualquer outra observação.No capítulo destinado às conjunções subordinativas, a explicação se restringe a dizer qual oração subordinada elas iniciam. Assim, como no capítulo das orações adverbiais, não são explicadas as relações de causa e conseqüência.

Bechara (1961) e Bechara (1999), antes de classificar as orações adverbiais, as divide em dois grupos: a) as subordinadas adverbiais propriamente ditas, que exercem função própria de advérbio ou locução adverbial e podem ser substituídas por eles. Estão neste grupo as orações que exprimem tempo, lugar, modo, causa, concessão, condição e fim; b) as subordinadas comparativas e consecutivas, que dependem de um termo correlato na sua principal. O autor realiza a classificação considerando a semântica das orações.

Barbosa (1881), o mais antigo dos gramáticos consultados, faz uma abordagem de acordo com Gramática Tradicional, porém apresenta termos e classificações pouco usadas atualmente e não traz exemplos que expressam relação causal.

Macambira (1970), assim como Lima (1956), também não enfatiza muito a classificação das orações subordinadas. Apenas apresenta a classificação das conjunções juntamente com o seu emprego em orações, sem explicar a relação semântica que elas estabelecem. Não faz observações sobre as particularidades de cada uma das orações adverbiais. Compara a denominação "explicativa" com a "causal" afirmando:

A denominação explicativa, em lugar de causal, como dantes se chamava, é desconcertante, porque tanto a explicativa como a causal exprimem causa. O que as individualizada é a maneira como se comportam na tessitura do período, e não, por certo, a menor ou maior, a mais tênue ou mais forte causalidade (MACAMBIRA, 1970, p.66)

2.2. Oração adverbial causal reduzida do ponto de vista da gramática tradicional

Bechara (1999) e Cunha & Cintra (2001), no que tange as orações causais reduzidas, afirmam que essas admitem a redução nas três formas nominais do verbo: infinitivo, gerúndio e particípio, sendo que os últimos exemplificam da seguinte maneira:

èReduzidas de infinitivo:

(01) Por serem trivialidades quotidianas tais virtudes, ninguém repara nelas. (CUNHA & CINTRA, 2001, p. 201)

èReduzidas de gerúndio:

(02) Pressentindo que as suas intenções haviam sido adivinhadas, Macedo tentou minorar a situação. (CUNHA & CINTRA, 2001, p. 201)

èReduzidas de particípio:

(03)Desesperado, parecia um doido por toda a casa. (CUNHA & CINTRA, 2001, p. 201)

Barbosa (1881), não cita a possibilidade de redução das orações.

Os dois autores, Lima (1986) e Kury (1985), ainda apresentam uma diferença quanto às orações que admitem a forma reduzida do verbo. Tanto para Lima (1986) quanto para Kury (1985), as causais admitem o gerúndio e o infinitivo, antecedido de preposição adequada.

É importante dizer que Lima (1956) não classifica as orações adverbiais de acordo com a semântica, ou seja, de acordo com as circunstâncias que exprimem. Somente apresenta os tipos de orações adverbiais existentes e as respectivas conjunções que as iniciam mais freqüentemente. Ainda não relata quais os tipos de orações admitem orações reduzidas de gerúndio, infinitivo e particípio; se limita a dar um exemplo de oração reduzida para cada forma nominal do verbo.

Isoladamente, Lima (1956) se preocupa não apenas com a apresentação das conjunções mais prototípicas para cada tipo de oração adverbial, mas também com a posição que elas ocupam em suas devidas estruturas sintáticas. Nas causais, porque é usado mais freqüentemente depois da principal, e para as outras conjunções a posição é facultativa, mas a anteposição, de certa forma, causa ênfase, portanto é mais utilizada. O autor faz uma observação, afirmando que essas enunciam-se mais comumente depois da principal, não sendo esse uso, todavia, rígido:

(04)A formiga não receia o inverno, porque economiza no verão. (LIMA, 1956, p. 87)

(05)Porque economiza (ou economize) no verão, a formiga não receia o inverno. (LIMA, 1956, p. 87)

                Lima (1986, p. 87) afirma que quando desenvolvidas, as orações causais se iniciam por conjunção subordinativa (exceto por conjunção integrante, que, como sabemos, é índice das orações substantivas): quando reduzidas, aceitam – muitas delas – as formas infinitiva, gerundial ou participial.

                Tratando das conjunções que devem ser devidamente empregadas para indicar uma relação causal, Kury (1985) é o único a dizer que a locução posto que, no português moderno, fixou-se com valor concessivo, e não causal, mostrando que a língua está em constante transformação, Além disso, é o único também a exemplificar a justaposição da subordinada adverbial em relação à sua principal, ou seja, a relação sem o auxílio de conjunção; em um dos tipos dessa justaposição podem ser encontrados dois pontos no lugar de uma conjunção indicadora de causa.

(06) Ninguém reparou em mim: todos andavam como pasmados. (KURY, 1985, p. 143)

Kury (1985) também aborda os casos em que a oração causal, puramente justaposta, se inicia por uma palavra intensiva, trazendo, portanto, uma informação que é incomum nos manuais de lingüística.

(07) Ainda que tivesse escondido o infame objeto, emudeceria, tão apavorado me achava. (KURY, 1985, p. 143)

                Macambira (1970) não apresenta conceitos sobre a oração subordinada adverbial, apenas cita os termos subordinantes e termos subordinados, e conseqüentemente, não traz informações sobre as orações reduzidas.

2.3. Adjunto adverbial causal do ponto de vista da gramática normativa

Primeiramente, é importante observar que o adjunto adverbial só se expressa por meio de locução e esta, por sua vez, por meio da preposição. Considerando esta afirmação, os tópicos serão tratados em conjunto.

Bechara (1999) ao classificar os adjuntos adverbiais de causa, os engloba juntamente com os de fim, de instrumento e de companhia, colocando uma observação interessante e não encontrada em outros autores, ou seja, ele afirma que como o complemento de agente da passiva é introduzido pelas preposições por e de, pode haver dificuldade em distingui-lo do adjunto adverbial de causa.

Todavia, o agente da passiva está sempre representado por ser animado ou então capaz de praticar a ação verbal, além de, na transformação para a ativa passar a sujeito; por seu turno, o adjunto adverbial de causa pode ter a preposição substituída pelas locuções por causa de, devido a, o que não se dá com o agente da passiva.

Além disso, Bechara (1999) afirma que em vez de um substantivo (ou pronome), pode ocorrer um adjetivo usado naturalmente que poderá expressar a idéia de causa:

(08) Os marginais fugiram de medrosos. (BECHARA, 1999, p. 132)

Lima (1986) e Kury (1985) seguem uma mesma linha de análise dentro da gramática tradicional. Ambos consideram que orações subordinadas adverbiais funcionam sempre como adjunto adverbial da oração principal de que dependem e as classificam de acordo com as circunstâncias que exprimem, ou seja, propõem uma classificação que abrange a semântica das orações.

2.4. Orações subordinadas adverbiais causais do ponto de vista lingüístico

Para o levantamento de dados das orações subordinadas adverbiais causais no ponto de vista lingüístico, os autores abordados foram: Mira Mateus (1989), Neves (2000), Perini (1995), Koch & Silva (1983) cujas obras são gramáticas descritivas e manuais de lingüística.

Assim como na gramática tradicional, além de existirem pontos em comum entre os autores desta linha de pesquisa, existem pontos divergentes. Alguns da vertente gerativista, outros da funcionalista, todos os autores deram contribuições significativas para o estudo mais detalhado das orações que este trabalho tem por objetivo analisar.

Perini (1995) fala da marca de subordinação, da classificação tradicional das conjunções subordinativas, que compreende as conjunções integrantes e as conjunções adverbiais, e estas, por sua vez, são subdivididas em causais, comparativas, temporais e etc., porém critica essa subdivisão, que é de base exclusivamente semântica, dizendo que é pobre demais para exprimir toda a variedade de relações semânticas que as conjunções podem formar. Por esse motivo, não classifica as orações subordinadas e não apresenta exemplo de nenhum tipo delas.

Mira Mateus (1989) agrupa as orações causais em grupos diferentes dos outros autores. As causais são agrupadas juntamente com as condicionais e conclusivas no grupo das orações condicionais, pois todas elas exprimem uma dependência semântica, entre as proposições; mas afirma que cada uma delas tem particularidades. Mostra a relação semântica de cada uma delas e dá as conjunções e locuções conjuntivas juntamente com o modo do verbo exigido.

Koch & Silva (1983) tratam a subordinação como processo de encaixamento de uma oração dentro da outra. Uma é encaixada na matriz ou principal e ela exerce a mesma função sintática do constituinte no lugar do qual se opera a inserção. Define as adverbiais como circunstanciais; são orações que se encaixam na posição de um sintagma preposicional modificador da matriz. Os exemplos são mostrados a partir dos enunciados que lhe dão origem. Assim:

(09) O torcedor ficou sem voz por algum motivo. (KOCH & SILVA, 1983, p. 110)

(10) O torcedor gritar demais durante o jogo. (KOCH & SILVA, 1983, p. 110)

(11) O torcedor ficou sem voz, porque gritou demais durante o jogo. (KOCH & SILVA, 1983, p. 110)

Já Neves (2000) baseia-se nos usos do português, ou seja, explica as orações com base no que se é realmente utilizado na língua portuguesa, privilegiando suas estruturas mais comuns. Não utiliza como exemplo trechos de obras literárias como fizeram muitos outros autores, cuja estrutura é mais elaborada e preocupada com a estética, distanciando-se do verdadeiro português utilizado no Brasil. Os exemplos apresentados por ela são enunciados sempre usuais no dia-a-dia, incluindo neles o ditado popular:

(12) Antes um pássaro na mão que dois voando. (NEVES, 2000, p. 901).

Nas causais, Neves (2000) mostra os exemplos das conjunções e explica a relação semântica que elas introduzem em uma oração: causa-conseqüência ou causa-efeito entre dois eventos, que pode indicar "causa real", "causa eficiente" ou "causa efetiva"; implicando subseqüência temporal do efeito em relação à causa. Por exemplo:

(13) Tratava-me como criança. Uma vez me passou um pito (posterior) porque joguei fora o remédio(anterior). Outra vez se zangou (posterior) porque me encontrou fora da cama(anterior). (NEVES, 2000, p. 804).

Porém, afirma que a causa efetiva não necessariamente envolve tempo; pode dar-se entre estados de coisas não dinâmicos; assim:

(14) Mas o caso americano é 'sui generis'porque não há partidos políticos no país. (NEVES, 2000, p. 804).

                Segundo Neves (2000), essas relações de causa podem ser marcadas por conhecimento, julgamentos ou crenças do falante (domínios epistêmicos) e por um ato de fala, ou seja, quando a expressão de causa motivou esse ato lingüístico, como em:

(15) É preciso começar de baixo. Não muito de baixo, porque você é meu filho. (NEVES, 2000, p. 805).

Quanto à ordem, afirma que as orações iniciadas por porque são geralmente pospostas; se antepostas, por motivo de focalização, e que, além disso, também podem se apresentar por correlação:

(16) Ou porque sentisse necessidade de primeiro, tomar um pouco de ar, ou porque o seduzisse a calçada larga e bem autorizada da Alameda Ibiruna, pôs-se a caminhar a passos lentos. (NEVES, 2000, p. 808);

ou ainda por clivagem:

(17) Foi porque éramos tecnologicamente adiantados que aprendemos a ganhar terra ao mar. (NEVES, 2000, p. 808)

Assim como os autores tradicionais, afirma que a conjunção como deve sempre vir anteposta, mas diferentemente deles faz comparação desse tipo de estrutura com as condicionais, dizendo que ambos os tipos de construção apresentam, possivelmente, na base de suas orações um mecanismo interacional que pode ser chamado para definir o estatuto das diferentes porções de enunciado, em termos de distribuição de informações.

2.5.Oração adverbial causal reduzida do ponto de vista lingüístico

As reduzidas são chamadas orações sem conectores, as causais admitem a redução de gerúndio e de particípio. Há uma visão diferente aqui em relação à redução de infinitivo, já que, como o infinitivo exige uma preposição antecedente, Mira Mateus (1989) não considera uma oração que tenha essa estrutura como reduzida.

Perini (1995) não trata especificamente da oração adverbial reduzida. Afirma de modo conclusivo, que existem em português dois tipos de orações reduzidas, isto é, cujo NdP não se flexiona em número e pessoa: as de infinitivo e as de gerúndio. As chamadas reduzidas de particípio não são orações, mas sintagmas adjetivos bastante regulares.

Koch & Silva (2001) apenas tratam da subordinação, não se aprofundam nas classificações feitas pela Gramática Tradicional, não subdividem essa subordinação e conseqüentemente não tratam das orações reduzidas tal qual Neves (2000).

2.6. Adjunto adverbial causal do ponto de vista da lingüística

Mira Mateus (1989) define advérbio como sintagma nuclear do sintagma adverbial, podendo apresentar-se como uma única palavra ou como uma locução adverbial. Como preposição, a autora define que essa pode ser simples ou constituída por mais de uma palavra, sem, no entanto, citar exemplos referentes aos de causa e não cita adjunto adverbial tal qual Koch & Silva (2001).

Perini (1995), entretanto, define o adjunto adverbial como uma nova função, caracterizada, entre outras coisas, por uma posição relativamente fixa na oração.

Como adjuntos adverbiais de causa, Neves (2000) exemplifica com por ou de:

(18) A gente brigou por nada, por um balaio sem-vergonha. (NEVES, 2000, p. 436)

(19) Manuel sofria de amor. (NEVES, 2000, p. 437)

(20) Diante do pacote, Ludmila comichavade curiosidade. (NEVES, 2000, p. 437)

(21) Vi um longo corredor de quartos numerados e por curiosidade olhei também para a minha porta. (NEVES, 2000, p. 437)

(22) Mas uma bala estúpida, bala de briga alheia, de homem na mulher infiel, de marido no amante da esposa, de operário matando o patrão, de irmãos brigando por questões de herança. (NEVES, 2000, p. 437)

Além disso, dá exemplos de advérbio interrogativo de causa, afirmando que no português não existe advérbios de causa para enunciador asseverativo, apenas para interrogativos, o que pode ser visto também nos outros gramáticos. Além disso, cita a preposição sob, e dá os seguintes exemplos relacionados à causa:

(23) Se encontra líderes que resistam, liquida-os sob acusação de antipatriotas. (NEVES, 2000, p. 712)

(24) Guedes foi esclarecer se a confissão havia sido obtida sob tortura. (NEVES, 2000, p.712)

Esse tipo de informação não foi encontrado em nenhum outro material analisado e o autor também cita a preposição desde como indicadora de causa, da seguinte forma:

(25)Desde que nos preocupamos com a educação integral devemos prestar atenção necessário tanto aos hábitos mentais e emocionais quanto aos hábitos físicos. (NEVES, 2000, p. 724)

3. Periódicos Especializados

Abreu (1997), em seu artigo, compara as orações subordinadas de modo geral em relação às coordenadas. Afirma que não há uma dicotomia entre subordinação e coordenação, mas sim um continuum e por isso, questiona os conceitos de independência e dependência sintática. Além disso, o autor afirma que a divisão entre coordenação e subordinação em alguns momentos não é muito clara, como no caso das coordenadas explicativas e subordinadas causais. Refere-se à Koch (1984) ao dizer que o funcionamento completo de uma língua só pode ser explicado precisamente por um estudo integrado de três componentes: sintático, semântico e pragmático. Dessa forma, muitos dos problemas existentes com a identificação de orações coordenadas ou subordinadas são explicados pelo fato de serem adotados apenas aspectos sintáticos. O exemplo dado é:

(32) Não fui à festa do seu aniversário: não me convidaram (ABREU, 1997, p. 14).

A oração não me convidaram, apesar de aparecer sintaticamente desligada, apresenta uma relação de interdependência pragmática de subordinação causal em relação à anterior. Cita também o trabalho de Decat (1995), que afirma que o gênero do discurso (narrativo ou argumentativo), a modalidade (oral ou escrita) e a variação individual resultam na articulação das cláusulas adverbiais. Particularmente para Abreu (1997, p.15), "a análise pragmático-discursiva das relações oracionais é de suma importância, mas antes disso, essas relações devem ser objeto de uma breve descrição no nível sintático."

Apresenta o autor as propriedades formais associadas à subordinação de acordo com Haiman & Thompsom (apud ABREU, 1997, p. 15): identidade de sujeito e/ou tempo ou modo; redução de uma das orações (ou por elipse ou por "opossition loss"- perda do tempo finito); e incorporação marcada gramaticalmente de uma das orações, ou seja, nessa última propriedade oração pode ser vista como parte da outra, por critérios gramaticais, a incorporação é analisada em graus:

– 1º grau, aquelas que envolvem argumento (substantivas),

– 2º grau, as que envolvem satélites (adverbiais),

– 3º grau, incorporação mais periférica (adjetivas);

– ligação entonacional; uma oração está dentro do escopo da outra;

– ausência de iconicidade temporal entre duas orações, ou seja, a correspondência entre termos, orações, eventos no mundo real ou em mundo possíveis;

– Identidade das duas orações do ponto de vista da perspectiva do ato de fala, que se trata da diferença entre discurso direto e indireto.

As orações adverbiais, segundo ele, são menos prototípicas que as adjetivas restritivas e substantivas, já que a maioria delas não apresenta ligação entonacional. Ao analisar as orações causais, afirma que são de grau três por apresentarem incorporação marcada, de grau dois devido à sua ausência de iconicidade e, por ultimo, que podem sofrer redução por perda de tempo finito.

Ao aproximar as coordenadas explicativas e as subordinadas adverbiais causais analisando-as de acordo com as propriedades formais associadas à subordinação; mostra que elas se diferem porque as explicativas têm impossibilidade de redução e ausência de iconicidade.

Outro artigo estudado e que também aborda a iconicidade somente de cláusulas causais, porém juntamente com a distribuição de informação, é o de Paiva (1995): "Claúsulas causais: iconicidade e funcionalidade". Analisando as orações de acordo com o princípio de iconicidade e com a distribuição de informação, por meio de dados empíricos, a autora verifica que a anteposição pode ser preferida à posposição ou o contrário, a posposição ser preferida à anteposição. Pelo ponto de vista da iconicidade, a ordenação causa-efeito se dá pelo fato de tentar exprimir lingüisticamente a subseqüência temporal, que fica implícita na idéia de causa. Já pelo ponto de vista da distribuição de informação, o que rege a ordenação é a função comunicativa da linguagem, que depende da relação falante/ouvinte. Ressalta que os dois princípios não entram em conflito, pois atuam numa mesma direção: a motivação pragmática generalizada que se relaciona com a questão da linearidade lingüística.

Na revista Gragoatá, em um artigo da Maria de Conceição Auxiliadora de Paiva e Maria Luiza Braga (1998), intitulado "Conjunções lexicais e gramáticas: o caso de por causa de", que investiga a emergência da locução conjuntiva por causa (de) que no português do Brasil.O objetivo do artigo é discutir o emprego da locução conjuntiva, buscando identificar as equivalências e diferenças que apresenta em relação à conjunção prototípica porque e ao sintagma preposicional por causa de no discurso oral.

Nas construções causais com porque, as autoras afirmam que esse conector que é mais freqüentemente usado para expressar a relação de causalidade, goza de acentuada polissemia e multifuncionalidade, servindo à expressão não de causa estrita, como também de justificativa, razão, motivo. Ao adotar a posição de Swetser (1990), elas afirmam que este conector estabelece relações em diferentes domínios: domínio referencial, domínio epistêmico e domínio dos atos e fala.

a) nível referencial:

(26) E o Tião chegou por ultimo, porque ele passou primeiro na delegacia, não é? (PAIVA & BRAGA, 1998, p. 64)

b) nível epistêmico:

(27) O Serafim ele não gosta da merenda porque ele só leva merenda. (PAIVA & BRAGA, 1998, p.64)

c) nível de atos de fala:

(28) Olha, corre, vem pra cá porque a minha casa foi assaltada. (PAIVA & BRAGA, 1998, p. 65)

No exemplo do nível referencial, a oração introduzida pelo conector porque expressa a causa efetiva do fato expresso na oração núcleo, ou seja, pode-se falar realmente de relação causa-efeito.

Nos exemplos de nível epistêmico e de atos de fala, por outro lado, só podemos falar em causa em sentido mais amplo. No nível epistêmico, a oração introduzida por porque expressa uma evidencia que autoriza o falante a extrair, a partir da sua avaliação, uma determinada conclusão. Trata-se no caso de uma causa formal, realizada no plano das relações possíveis e que opera no plano interpessoal da linguagem.

No nível de atos de fala, estabelece-se uma relação entre um ato de fala e a justificativa para a realização de tal ato.

É importante ressaltar que nas abordagens tradicionais, essa polivalência do conector porque é resolvida pela sua inclusão em dois conjuntos paradigmáticos distintos: no conjunto das conjunções subordinativas causais e estritas e no conjunto das conjunções coordenativas explicativas. Essa solução taxonômica constitui, no entanto, um problema, na medida em que, em muitos enunciados, duas interpretações podem conviver, requerendo a intervenção de fatores discursivos que permitam determinar a natureza exata do uso de porque.

Uma análise de construções causais constituídas com a conjunção lexical por causa de (que) permite mostrar que elas se situam numa interseção das propriedades dos enunciados causais com porque e dos enunciados com por causa de. Um confronto entre os períodos complexos construídos com a locução por causa (de) que e os enunciados com porque, por um lado, e os enunciados com por causa de, por outro, permite identificar a trajetória de inclusão dessa forma no conjunto das locuções conjuntivas de causalidade. No que se refere à correlação modo-temporal, podem ser depreendidas diversas simetrias entre as construções com porque e aquelas com por causa de que. Mantendo uma configuração semelhante à dos períodos composto com porque, os períodos com por causa de que relacionam, mais freqüentemente, verbo no presente do indicativo na cláusula causal e verbo no presente do indicativo na cláusula efeito (53,84%):

(29) Eu gosto da Rosangela por causa que ela é assim parecida comigo. (PAIVA & BRAGA, 1998, p. 67)

(30) O apelido dela é até Claudia Magrinha, por causa que ela é assim Magrinha. (PAIVA & BRAGA, 1998, p. 67)

Como pudemos constatar ao longo desta análise, o deslocamento do sintagma preposicional por causa de para a locução conjuntiva por causa (de) que constitui um movimento que parece ter seu ponto de partida em um conjunto de propriedades semânticas compartilhadas pelo conector porque e pelo sintagma preposicional por causa de que.

4. Análise e interpretação dos dados

A partir dos resultados obtidos com o programa VARBRU, no qual cruzamos os dados de análise, foi possível realizar observações gerais sobre nosso objeto de estudo, ou seja, a relação adverbial causal no português. Utilizamos o corpus IBORUNA para analisarmos como, de fato, ocorrem as relações acima citadas no português falado.

Cada ocorrência foi então analisada acordo com os seguintes fatores:

I. Tipo de entidade expressa pelo constituinte adverbial: zero (indicando propriedade), segunda (estado de coisas), terceira (fato possível) e quarta (ato de fala) ordens.

II. Morfema subordinador: preposição ou conjunção. Segundo Cunha & Cintra (2001), preposições são palavras invariáveis que relacionam dois termos de uma oração, de tal modo que o sentido do primeiro (antecedente) é explicado ou completado pelo segundo (conseqüente). Já as conjunções constituem vocábulos gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração.

III. Posição na oração: inicial, medial ou final, tomando-se o verbo como ponto de referência.

IV. Forma de expressão: sintagma preposicionado ou oração. Sintagma é aqui entendido como um conjunto de elementos que constituem uma unidade significativa dentro da oração e que mantém entre si relações de dependência e de ordem à volta de um elemento essencial, denominado núcleo, que pode, por si só, constituir o sintagma. O sintagma preposicionado é constituído de um sintagma nominal antecedido por uma preposição.

Quando oracional, serão ainda observados os fatores:

V. Dependência temporal da oração subordinada em relação à principal, ou seja, foi verificado se ao mudarmos o tempo verbal da oração principal, deveríamos, necessariamente, mudar o tempo verbal da oração subordinada. Nesse caso há dependência temporal, caso contrário, independência.

VI. Factualidade: factual, não-factual, isso é, se as orações subordinadas expressam fatos reais ou não.

VII. Forma do verbo: finito ou não-finito.

VIII. Codificação dos participantes na matriz: lexical, pronominal ou não expresso

IX. Codificação dos participantes na subordinada: lexical, pronominal ou não expresso.

X. Identidade dos sujeitos das orações envolvidas, ou seja, se os sujeitos da oração principal e da oração subordinada são os idênticos ou não.

XI. Especificação do morfema subordinador.

A aplicação desses fatores ao corpus em análise mostra que a relação adverbial de causa se expressa, no português brasileiro falado no interior do estado de São Paulo, por meio de sintagmas ou orações, nunca por meio de advérbio. Sendo assim, trataremos primeiramente dos 10% de ocorrências sintagmáticas e a seguir nos concentraremos nos 90% de casos oracionais.

4.1 Relação adverbial de causa sintagmática

Com relação aos fatores analisados, as ocorrências que se expressam por meio de sintagmas preposicionados (doravante SP) apresentam propriedades que seguem.

Quanto ao fator tipo de entidade, verifica-se que a maioria (63,7%) dos casos representa entidades de 2ª ordem, ou seja, estado de coisas, expresso pelo substantivo causa, conforme exemplificam (31) e (32).

(31) A pessoa ta aí num tem nada a ver toma um tiro morre por causa de... um traficante. (IBORUNA, AC-59, p.5:243-4)

(32)... acho que tem ciúme da outra por causa da vida dela...(IBORUNA, AC-65, p.1: 11-2)

O restante (36,3%) expressa entidades de 4ª ordem, uma vez que constituem atos comunicativos, como se verifica em (33), em que "por quê?" é o ato nuclear interrogativo, antecedido pelo ato subsidiário de condição "se votou."

(33)... se você votou pro Lula se você votaria novamente se votou por quê que que cê poderia falar sobre tudo isso assim... (IBORUNA, AC-59, p. 5: 198-200)

Sendo assim, os dados revelam que esse tipo de relação adverbial só se expressa por meio de dois tipos de entidades (segunda e quarta ordem), não sendo possível expressão adverbial causal com entidade de zero e terceira ordem.

Com relação ao fator morfema subordinador, todas as ocorrências são introduzidas pela preposição por. Isso indica que essa preposição é, por excelência, o operador da relação adverbial de causa.

(34)... ele começou já nunca/ajudou um pouco em casa mas ele nunca fez nada de extravagante porque?porque lê queria ter os seus próprios objetivos. (IBORUNA, AC- 112, p. 4:148-0)

(35) Augusto chegou aí...e...quis assim impor ah épor causa de uma saia que eu tava entregando. (IBORUNA, AC-120,p.4:136-7)

Outra propriedade das relações adverbiais causais expressas por SP é de se colocarem em posição final de oração, conforme exemplifica (36).

(36)... qualquer coisinha que fosse fazer teria que ir prá clínica né por causa da hemorragia... (IBORUNA, AC- 120, p. 3:114)

Resumindo, a oração adverbial causal sintagmática caracteriza-se por ser introduzida pela preposição por, representar entidades de 2ª ou 4ª ordem e colocarem-se em posição final de oração.

4.2 Relação adverbial causal oracional

Totalizando a maioria das ocorrências (90%), a forma de expressão da relação causal oracional apresenta outras propriedades que a distinguem da sintagmática.

No que tange ao tipo de entidade, no entanto, o total de 96 ocorrências se refere a entidades de 2ª ordem, já que sempre expressam estado de coisas,como exemplifica (37) e (38).

(37) Tudo que ele prometeu acho que veio em vão...porque teve muito roubo. (IBORUNA, AC- 59, p. 5:202-3)

(38) Ela ficou nervosa porque o som tava alto. (IBORUNA, AC- 65, p.2: 35-6)

Como morfema subordinador, os dados revelam que a oração causal é sempre introduzida pela conjunção porque, apesar de os autores das Gramáticas Tradicionais afirmarem que essas orações podem ser introduzidas por que (= porque), porque, como (=porque), visto que, visto como, já que, uma vez que (com o verbo no indicativo), desde que (com o verbo no indicativo), etc.

(39) Pulei a janela escondido porque meu pai não queria deixar... (IBORUNA, AC-65, p.5: 209)

(40) Essa campanha de fome tava dando problema porque tava desviando verba... (IBORUNA, AC-65, p.8: 358-9)

Quanto ao fator posição na oração, a grande maioria das ocorrências (97,9%) se apresenta depois da oração matriz, conforme exemplificam (41) e (42). No entanto, uma minoria (2%) se coloca em posição inicial na oração, como mostram (43) e (44).

(41)... você aprende falar muito rápido porque só tem aquela língua pra se comunicar...(IBORUNA, AC-84, p.2: 35-6)

(42)... esse amigo meu tem um Fiatinho que só anda porque vê os outros andando né...(IBORUNA, AC-79, p.2:62-3)

(43)... porque eu sou católica, eu caso na igreja. (IBORUNA, AC-112, p.3: 120)

(44)... porque eu sou muito ativa... sempre... é... em tudo que eu vá fazer eu faço ou muito rápido. (IBORUNA, AC-148, p.1: 9-0)

Quanto à dependência temporal do verbo da oração subordinada em relação à oração principal, verificamos que das 96 orações, 88,5% apresentam dependência temporal. Em (45), por exemplo, a alteração do presente do indicativo da oração principal implica alteração no tempo da causal. Já em (46), a mudança do pretérito perfeito do verbo da matriz desencadeia alteração no tempo da causal.

(45) Ó compadre cê precisa procurar um médico porque...o o parto ta sendo muito difícil. (IBORUNA, AC-59, p.1: 8-9)

(46) Na época foi um susto porque eu não sabia falar praticamente nada. (IBORUNA, AC-84, p.2: 35-6)

Apenas onze ocorrências (11,5%) são independentes em relação ao tempo verbal, o que é possível de ser afirmado com base na possibilidade da utilização de outros tempos verbais na oração subordinada, como ocorre em (47), em que poderia ser utilizado o tempo verbal de Pretérito Perfeito do Indicativo, e em (48), em que é possível a utilização, por exemplo, do tempo verbal de Futuro do Presente, conforme se constata em (47a) e (48a) respectivamente.

(47)... ficou só no meu pensamento porque também não vou dar meu braço a torcer. (IBORUNA, AC-112, p.1:21)

(47a)...ficou só no meu pensamento porque também não dei meu braço a torcer...

(48)... porque eu sou católica eu caso na igreja. (IBORUNA, AC-112, p.2:84-6)

(48a)... porque eu sou católica eu casarei na igreja.

No que tange ao fator de factualidade, a análise mostra que a maioria das ocorrências (77%) são factuais, como exemplificam (49) e (50), que indicam acontecimento real. Já (51) e (52) exemplificam ocorrências não-factuais, uma vez que indicam acontecimento possível, ou negado.

(49)... agora eu tenho piso em casa graças a deus porque eu também sou alérgica... (IBORUNA, AC-112, p.6: 254-5)

(50)... muitas pessoas da igreja acham engraçado porque falo que a gente tem que criar o filho pro mundo... (IBORUNA, AC-112, p.7: 290-1)

(51)... aí cê só vê calça voando uma joga prá lá outra pra cá porque não tem onde esconder... (IBORUNA, AC-120, p.1: 21-2)

(52)... nós não pagamos nada porque Deus não cobra nada de nós... (IBORUNA, AC-120, p.9: 361-2)

É interessante que todas as orações não-factuais que ocorreram no corpus apresentavam o operador de negação não.

O fator forma verbal das orações subordinadas adverbiais causais revela que no corpus analisado não há ocorrências de orações reduzidas, ou seja, todas as orações causais apresentam-se como desenvolvidas, como exemplificam (53) e (54).

(53)... não tinha feito ultra-som porque na época o ultra-som tava começando ainda havia alguma dúvida a respeito do ultra som... (IBORUNA, AC-148, p.1: 15-7)

(54) Eu cheguei no hospital e me deram anestesia porque eu não conseguia ficar quieta de jeito nenhum.(IBORUNA, AC- 148, p.1: 20-1)

Quanto à codificação dos participantes na oração principal, verificou-se que a maioria (50%) dos sujeitos da oração matriz apresenta-se na forma de pronomes, conforme se observa em (55) e (56). A segunda maior ocorrência (29,2%) foi de sujeitos expressos lexicalmente, como em (57) e (58). E uma minoria (20,8%) não apresentam sujeito expresso, como em (59) e (60).

(55)... ela é linda porque ela é toda de mármore. (IBORUNA, AC-84, p.2: 57-8)

(56)...eles têm que ver isso porque eles têm condição de dar uma saúde pro nosso país. (IBORUNA, AC-101, p.5: 214-5)

(57)... a porta era de frente pra rua né? porque não tinha muro. (IBORUNA, AC-65, p.6: 262-4)

(58)... é um pudim muito prático porque é feito naquelas panelas. (IBORUNA, AC-112, p.1: 21)

(59)... pulei a janela escondido porque meu pai não queria deixar...(IBORUNA AC-65, p.5, 209-10)

(60)... então dormia no sofá porque antigamente tinha esse sofá-cama... (IBORUNA, AC-120, p.4:201-2)

Quanto à codificação dos participantes na oração subordinada, observou-se que a mais freqüente (42,7%) é a pronominal, conforme mostra (61) e (62). Em forma lexical houve um total de 37,5% das ocorrências, como (63) e (64), e apenas 19,8% dos sujeitos das orações subordinadas não se manifestam, ou melhor, manifestam-se como anáfora zero, conforme exemplificam (65) e (66).

(61)... me trazendo embora daquele lugar porque eu já tava muito nervosa.(IBORUNA, AC-112, p.1:16)

(62)... eu acho que isso é uma prova de amor muito grande porque ele renunciou tudo àquilo que ele tinha conhecido pra ficar comigo. (IBORUNA, AC-112, p.2: 84-6)

(63)... pegou todo mundo assim de surpresa porque foi um exame de rotina.(IBORUNA, AC-120, p.4:137)

(64)... o sal cê num precisa pôr porque o caldo Knorr já tem. (IBORUNA, AC-131, p.5: 196)

(65)... é muito legal mesmo porque tem muitas acomodações. (IBORUNA, AC-112, p.5: 191-2)

(66)... a gente acaba também... pegando né... porque acha que vai ser fácil. (IBORUNA, AC-120, p.1:28-9)

O fator identidade dos sujeitos das orações envolvidas tem como objetivo verificar se o sujeito da oração principal é o mesmo da oração subordinada, o que indica o grau de integração entre as duas orações. Verificou-se assim que 68,75% dos sujeitos são diferentes, como se observa em (67) e (68) e apenas em 33,4% dos casos os sujeitos das orações envolvidas são idênticos, como se observa em (69) e (70). Esse fato parece indicar que as orações causais são menos integradas à matriz.

(67) Ó compadre cê precisa procurar um médico porque...o o parto ta sendo muito difícil.(IBORUNA, AC-59, p.1: 8-9)

(68)... eu risco depois porque papelão é muito duro. (IBORUNA, AC-84, p.5: 189-190)

(69)... ele não quer pagar porque ele já pegou a casa pronta...(IBORUNA, AC-65, p.2:35-6)

(70)... você aprende a falar muito rápido porque você só tem aquela língua para se comunicar. (IBORUNA, AC-84, p.2:35-6)

5. Considerações finais

Pode-se concluir que a expressão das relações adverbiais causais não é apenas um processo sintático, pois os dados revelam que além dos aspectos sintáticos, estão envolvidos aspectos semânticos e pragmáticos.

É possível perceber que esse tema não é apenas tratado de forma diferente por perspectivas distintas, como tradição gramatical e a lingüística, mas também por autores de uma mesma perspectiva lingüística.

As aproximações feitas entre as subordinadas e coordenadas que exprimem uma relação semântica similar, como no caso das subordinadas adverbiais causais em relação às coordenadas explicativas, foi de grande importância para a percepção da real distinção entre elas.

Em comparação com o que as gramáticas trazem sobre as orações adverbiais causais, é interessante ressaltar alguns pontos importantes. Primeiramente, apesar de os gramáticos e até mesmo os lingüistas citarem diversas conjunções que podem iniciar uma oração causal, como, por exemplo, visto que, visto como, já que, uma vez que, a única conjunção causal que encontramos em nossos dados foi porque. Lima (1956, p. 87) afirma que

Nas causais, porque é usado mais freqüentemente depois da principal, e para as outras conjunções a posição é facultativa, mas a anteposição, de certa forma, causa ênfase, portanto é mais utilizada.

Essa ressalva se concretizou na maioria dos exemplos (97,9%) em que, realmente, porque foi utilizado logo após a oração principal. Sobre isso, Paiva & Braga (1998), em um artigo da revista Gragoatá, dão uma boa explicação para o extenso uso do porque afirmando quenas construções causais com porque, o conector que é mais freqüentemente usado para expressar a relação de causalidade, goza de acentuada polissemia e multifuncionalidade, servindo à expressão não de causa estrita, como também de justificativa, razão, motivo.

Quando na forma de sintagma preposicionado, a relação causal é expressa pela preposição por formando a locução por causa de.

Portanto, pode-se concluir que a relação adverbial causal expressa por meio de sintagma preposicionado caracteriza-se por ser introduzida pela preposição por, representar, na maioria das vezes, entidades de 2ª ordem e colocarem-se em posição final de oração. A relação adverbial causal oracional, por seu turno, compartilha com a relação causal sintagmática as propriedades de representar sempre entidade de 2ª ordem e posicionar-se no final de oração matriz. Difere, no entanto, por ser introduzida pela conjunção porque e pela freqüente dependência temporal. Além disso, a oração causal apresenta baixo grau de integração com a matriz, uma vez que não apresenta sujeitos idênticos e nunca se apresenta em forma reduzida.

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[1] Iboruna (em tupi-guarani significa 'rio preto') trata-se de um banco de dados anotado com amostras do português falado na região de São José do Rio Preto, mais precisamente em sete municípios circunvizinhos situados na região noroeste do Estado de São Paulo, elaborado pelo Grupo de Pesquisa em Gramática Funcional (GPGF), sediado na UNESP de São José do Rio Preto.


Autor: Carolina Cau Spósito


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