As Penas Privativas De Liberdade: Funções E Execução



1. AS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE: PRINCIPAIS CONCEITOS

Pena ou penalidade, sugere a forma como alguns poucos subjugam a vontade de muitos, enquanto pena é “ sanção legal, punição ou cominação prevista em lei, que o Estado impõe àquele que infringe norma de direito ” 6 e penalidade significa: “ castigo, punição. Sistema de penas cominadas pela lei. ” 7 . As penas privativas de liberdade configuram a forma que o Estado, então detentor do jus puniendi, pune àqueles que violam regras ao cometerem crimes que a própria sociedade rotula como tais, como assinala Dotti 8 A pena privativa de liberdade é a mais grave das sanções previstas pelo ordenamento jurídico- penal. Não admitidas as penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento, e nem qualquer outra de natureza cruel (C.F. art.5º. XLVII), permanece a pena de prisão à frente de todas as demais sanções criminais. A sociedade, através do Estado, utiliza a pena privativa de liberdade para contra- atacar a lesão ocasionada pelo infrator, ou seja, no entendimento de Hobbes 9 : Pena é um dano infligido pela Autoridade Pública, àquele que fez ou omitiu aquilo que, pela mesma autoridade é julgado transgressão da Lei, com

finalidade de que a vontade dos homens fique, desse modo, mais inclinada obediência.

As penas privativas de liberdade configuram o núcleo central de todas as principais formas de métodos de punição da sociedade contemporânea, é a forma como a sociedade vem costumeiramente buscando que os condenados “ expiem ” seus pecados, e a nesse ponto tão bem critica Zaffaroni 10 : “ A este respeito, coloca-se o mesmo dilema suscitado pelo velho problema da expiação a pena será expiação apenas para quem a experimenta como tal, e, para aquele que não a sente desta maneira, a única coisa que se pode fazer é tentar ensinar-lhe

experimentá-la daquele modo. O castigo é sempre objetivo, mas a expiação é algo que seproduz no interior do homem, e não há força material capaz de fazer com que seja experimentada de forma inexorável. ” . Ou seja, busca-se sempre que os apenados façam a remissão de sua culpa cumprindo uma pena, no entanto, por diversos motivos não são alcançados esses objetivos. As penas privativas de liberdade se subdividem em dois tipos, segundo o modo como ela se deverá se processar, e quanto aos meios de sua execução, no entendimento de René Ariel Dotti 11 : “ A pena privativa de liberdade é executada em meio fechado e em meio livre. Os estabelecimentos destinados ao primeiro tipo de cumprimento da pena são a penitenciária e as colônias (agrícola, industrial ou similar). E o reservado para o segundo tipo é a casa do albergado, que se caracteriza pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga ” . A propósito ver a LEP (artigos 87 à 94) que explicita o modus operandi dessas duas formas de sistema. Em nosso atual sistema penitenciário, temos duas espécies principais de pena privativa de liberdade: a reclusão e a detenção, a reclusão como atesta Dotti é: 12 “ uma espécie de pena privativa de liberdade que deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto ” , face ao disposto no CP, primeira parte do artigo 33; já com relação a detenção assim se manifesta o citado Professor: “ A detenção é uma espécie de pena privativa de liberdade que deve ser cumprida em regime semi-aberto ou aberto, salvo a hipótese de transferência para regime fechado ” ,(grifos nossos), conforme preleciona a segunda parte do aludido. Percebe-se portanto que, a distinção entre os dois sistemas não reside apenas ou tão somente no tipo de regime, mas como tão bem afirma Dotti: “ Uma das características diferenciadoras entre a detenção e a reclusão consiste na maior gravidade dos crimes apenados com reclusão. A diferença aparece nos momentos de cominação e aplicação da pena. ” Existe ainda uma terceira espécie de pena privativa de liberdade, é a denominada prisão simples, prevista apenas para os chamados crimes de menor potencial ofensivo, ou ainda de contravenções, tendo como característica principal ser esta cumprida em estabelecimentos especiais, sem o “ rigor ” das penitenciárias, e esta prevista na LCP – decreto lei 3688/41). Importante também neste ponto verificar que a penas podem permutar, ou seja, há uma conversão em situações mais brandas ou mais severas, a depender do comportamento do apenado, e de suas possíveis transgressões. Configuram a conversão o avançar e o retroagir, nos casos de progressão e regressão, respectivamente. A propósito dessas situações, verificar o artigo 44 do CP, que alude as causas em que se permutam determinadas penas, para melhor ou para pior.

1.1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

O homem moderno utiliza a pena privativa de liberdade como forma de punir os delitos cometidos, contudo nem sempre foi assim. Na realidade, esta pena marcou uma verdadeira “ evolução ” humanista na forma de punição, como analisa a professora Irene Batista Muakad: “ A privação de liberdade já representou algum freio do comportamento humano, sendo vista com respeito ou, pelo menos, conseguindo, em uma determinada época da história, fazer surtirem os efeitos da política criminal. Enfim, olhando-se para o passado, verificar-se-á que as penas privativas de liberdade, mesmo cumpridas em regime fechado, representaram um progresso no sistema penitenciário vigente até então ” . O que pode depreender é que, ainda que insatisfatória atualmente, a pena privativa de liberdade representou em certa medida, um avanço na forma de punir, em face das penas corporais cruéis que antes eram aplicadas. Ao analisar o contexto histórico a partir do qual surgiu na nossa sociedade a legitimação da força, através do sistema acusatório e o direito de punir, percebe-se nitidamente uma variação de tipos e modelos diferenciados de penalizar aqueles que cometem atos que são repudiados pela sociedade. Foucault em sua obra “ Vigiar e Punir ” (1) nos remonta alguns exemplos dos castigos corporais impostos àqueles que infringiam as leis.

No final do século XVIII e início do século XIX, contudo, vai-se extinguindo aos poucos o próprio corpo como alvo principal da repressão penal. Para o citado mestre, as execuções públicas, a utilização de suplícios e castigos corporais, passam a ser vistos de maneira ruim pela sociedade, posto que instigava ainda mais a violência, transformando os próprios carrascos em também criminosos, posto que eles utilizavam a violência “ legal ” do sistema na execução dos condenados. A justiça moderna passou a ter vergonha de punir, a execução da pena distanciando dos juízes da época, tanto que nos rituais modernos de execução capital (ou pena de morte), não mais se impõe dor e sofrimento aos executados, como bem atesta Foucault “ Desaparece, destarte, em princípios do século XIX, o grande espetáculo da punição física: o corpo supliciado é escamoteado;exclui-se do castigo a encenação da dor. Penetramos na época da sobriedade punitiva ” .( fls 16 grifos nosso). Ainda que permanecesse, e como de fato permaneceu durante um grande período (e ainda permanece!), a punição física já não configurava mais a espetáculo dos horrores que até então prevaleceu como cerne principal do sistema punitivo.

Essas vertentes históricas estão intrinsecamente entrelaçadas, como uma trajetória natural da humanidade, como ressaltou novamente o mestre Beccaria 13 , que no séc. XVIII, pareceu antever os dias atuais: “ [...] que o sistema atual da jurisprudência criminal apresenta aos nossos espíritos a idéia de força e de poder, em vez de justiça; é que se atiram, na mesma masmorra, sem distinção alguma, o inocente suspeito e o criminoso convicto ” . E nesse último aspecto, permito-me discordar do ilustre filósofo, vez que a nenhum ser humano é vedado a capacidade de mudança, e até mesmo “ criminosos convictos ” podem mudar, posto que nós tenhamos o livre arbítrio para tal. A evolução histórica não parece ter em muito contribuído para que pudéssemos nos declarar como sociedade evoluída, nos resta ainda muito de crueldade, e afinal, como não mencionar o tão ventilado caso do menino João Hélio, caso este que nos abalou fortemente? Sendo certo que o homem sempre foi, e sempre será movido pelas paixões, faz-se muito prudente então, que devemos por isso mesmo, nos conscientizar de nossas vicissitudes e abrandar a nossa constante necessidade de castigar, bem como de obter a qualquer custo, a solução imediata da criminalidade. Como se a solução fosse simples, e a equação fosse meramente matemática, nesse sentido claro é o posicionamento de Sérgio Habib 14 : “ A razão não reside aí, mas, ao contrário, está bem distante ” , afirma ele, quando trata das soluções imediatistas que sempre buscamos, por ser de certa forma, mais fácil de concretizar, e mais ainda, diz O referido autor: “ É preciso melhorar o homem, enquanto indivíduo, despertar a sua consciência ética, mostrar-lhe, de forma clara e direta, que deve praticar o bem e as conseqüências de exercitar o mal. ” 15 . O problema é conjuntural, e soluções imediatistas não solucionarão essa crise. Outrossim, o problema perpassa pelo nosso próprio sistema acusatório, que ainda se mostra inquisitorial, sobretudo para uns poucos que não possuem a devida e justa defesa processual.

2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FUNÇÕES DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

2.1 A EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO BRASIL

O Sistema Penitenciário Brasileiro passa por um caos generalizado de crueldade, degradação e descontrole, no livro A Prisão, de Luís Francisco Carvalho Filho, há dados alarmantes do completo descaso do governo e da sociedade como um todo para os problemas enfrentados pelo sistema carcerário, para o aludido advogado criminal “

As prisões são insalubres, corrompidas, superlotadas, esquecidas. A maioria de seus habitantes não exerce o direito de defesa. Milhares de condenados cumprem penas em locais impróprios. ” Os presídios brasileiros estão superlotados, e não resta dúvida que as mazelas desse sistema perverso já não solucionam como deveriam a questão da segurança pública. Os dados estatísticos nos dão uma dimensão do problema e quem são os que efetivamente se encontram encarcerados: são os mesmos que há muito estão excluídos socialmente do nosso sistema!. Ora, todos estão buscando soluções possíveis para a redução da criminalidade, e não por menos foi feito um estudo pela Comissão de Direitos Humanos, como afirma também o citado advogado “ O Relatório da caravana da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados por diversos presídios do país, divulgado em setembro de 2000, aponta um quadro “ fora da lei ” , trágico e vergonhoso, que invariavelmente atinge gente pobre, jovem e semi-analfabetizada. ”

2.2 AVALIAÇÃO CRITICA ACERCA DOS LIMITES DA EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: ATIVIDADE COERCITIVA EM DEFESA DA SOCIEDADE OU MANUTENÇÃO DE “ STATUS QUO ” ?

Ora, é através da Autoridade política que os homens utilizam o poder coercitivo sobre todos da sociedade, e dessa forma se tem a legitimidade para punir. Os homens se reúnem por meio de pactos, com o fim de legitimar a força e o poder, nesse sentido esclarece Jean-Jacques Rousseau 17 : “ Visto que nenhum homem tem qualquer autoridade natural sobre seu semelhante e visto que a força não produz direito algum, resta, então, as convenções como base para toda autoridade legítima entre os seres humanos ” . A manutenção do Status Quo de poder não é nenhum fato novo, e a muito que a própria justiça humana se confunde com a justiça política em benefício de alguns, como tão bem afirmou Beccaria 18 : A justiça humana, porém, ou se preferir, a justiça política, não sendo senão relação que se estabelece entre uma ação e o estado mutável da sociedade, pode igualmente variar, à proporção que essa ação se torne vantajosa ou imprescindível ao estado social. Ademais, é sobejamente sabido que, numa reunião de homens em sociedade, seja ela qual for, é humanamente impossível fazer valer as virtudes apenas, sem incorrer nos vícios, oriundos da própria existência e condição humana, além do fato incontestável de que o homem sempre preza pela concentração de poder nas mãos de poucos, a fim de manipular muitos. E é do próprio Beccaria 19 tal entendimento: “ Entretanto, numa reunião de homens, percebe-se a tendência contínua para concentrar no menor número os privilégios, o poder e a ventura, e restando à maioria miséria e debilidade ” . A história de dominação e de poder se confunde com a própria linha da evolução da pena e do direito de punir. O direito e o sistema penal são a demonstração dessa força legitimizada, e em muitos e muitos casos, esse sistema se separa do justo e do moral,Norberto Bobbio 20 nesse particular, assim se manifesta sobre a manifestação do poder e o uso da força:

A norma fundamental está na base do direito como ele é (o direito positivo), não do direito como deveria ser(o direito justo). Ele autoriza aqueles que detêm o poder a exercer a força, mas não diz que o uso da força seja justo só pelo fato de ser vontade do poder originário. O Direito, como ele é, é expressão dos mais fortes, não dos mais justos. Tanto melhor, então se os mais fortes forem também os mais justos. (grifos nossos). Em face dessas análises, é que nos cabe como cidadãos questionar, até que ponto e em que medida o poder e a força estão sendo utilizados para resguardar efetivamente a sociedade, ou estão elas apenas ocultando e fortalecendo esse status quo de dominação permanente entre os que tudo tem e os que nada tem. Em que medida também o sistema carcerário, e em especial o baiano, vem buscando o fim útil e verdadeiro da pena privativa de liberdade, tida entre nós como a mais severa, visto que não adotamos (pelo menos não de forma legitimada) a pena de morte. Em nosso ordenamento deve prevalecer a coerência do sistema em relação a Magna Carta, art. 5º. LVII, que leciona claramente “ ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória ” .

Ora, um sistema coerente e harmônico deve pugnar por seus valores, devendo portanto, haver estrita relação entre as leis e o sistema, seja ele qual for, esse é o entendimento de Bobbio 21 quanto ao sistema coerente do ordenamento jurídico: Em linha geral, caso se entenda por lex favorabilis aquela que concede uma liberdade (ou faculdade, ou direito subjetivo) e por lex odiosa aquela que impõe uma obrigação (seguida por uma sanção) não há duvida de que uma lex permissiva é favorabilis, e uma lex imperativa é odiosa. Está claro que no nosso sistema penal, onde temos no cárcere a face mais cruel dele, com um conjunto de medidas punitivas por vezes perversa e desumana, resta bastante duvidoso antever mudanças e reais possibilidades de ressocialização dos apenados; e estarealidade (infelizmente!) não é prerrogativa apenas nossa, o mestre Zaffaroni 22 assim se pronunciou acerca do temor empreendido nos sistema penal argentino: Los múltiplos poderes que sustentan esta realidad letal se apoyan en buena medida en el ejercicio de poder de las agencias de los países de la region, operan con un nivel tan alto de violencia que causan más muertes que la totalidad de los homicidios dolosos entre desconocidos cometidos por particulares. O ilustre mestre também ressalta a importância de que a pena deverá se dar por exclusão, ou seja, num sistema que se tem como racional, deve-se aplicar outros métodos no sentido de alcançar o verdadeiro sentido da pena, e assim ratifica: Si el sistema penal es um mero hecho de poder, la pena no puede pretender ninguna racionalidade, es decir, que no puede explicarse más que como uma manifestacion de esse poder. No siendo la pena racional, ésta sólo puede distinguirse de las restantes sanciones jurídicas por exclusión 23 .
Autor: Bruno Landim Maia


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