LESÃO CORPORAL NOS EMBATES DESPORTIVOS



Como é de notório conhecimento, a violência no esporte ocorre em todos níveis, desde as categorias de base até a profissional, seja no alto rendimento, seja nas atividades amadoras que caracterizam o desporto como participação.

O fato é que o desporto como atividade profissional é a vitrine para todos os participantes das demais categorias, e apenas a divulgação e/ou mudanças em suas regras não dão garantia para que a ofensa física seja coibida e aplicada a todos os participantes.

Fora do âmbito penal, associações desportivas tentam ao máximo resolver a questão de diversas maneiras, seja através da mudança de regras, seja através de incentivos como o jogo limpo, ou fair play, fazendo-se necessário que os atletas profissionais adquiram conhecimento sobre origens e aspectos que levam ao comportamento agressivo no desporto, para que também possam atuar de forma mais eficiente ao combate da prática da violência.

Para o promotor público e jurista de notório saber jurídico Fernando Capez (2003) a violência é uma das expressões primitivas mais significativas do ser humano, pois em todas as épocas e em todas as sociedades a violência sempre existiu e no campo desportivo não poderia ser diferente.

Por outro lado Balbino ( 1997 ) manifesta uma outra opinião, relatando que a agressividade, inserida no âmbito desportivo, ocorre de acordo com as normas e regras definidas, não sendo toda modalidade do desporto necessariamente violenta.

Nesse mesmo sentido, podemos destacar acerca do que muitos denominam como agressão boa no esporte, também analisada como agressividade bem canalizada. Esta agressividade seria efetuar a atividade do desporto de acordo com as suas regras com alta intensidade e ativação, porém sem a intenção de lesionar.

Há diferentes tipos de modalidades desportivas, tendo cada uma suas regras e maneiras de se executá-las. Para tanto, haverá modalidades em que ofender a integridade física do outro participante terá uma maior intensidade, e porque não dizer, até mesmo ser inevitável.

No caso do esporte mais conhecido em nosso país, o futebol, este se coloca como uma atividade de agressão limitada, onde há confrontos e contatos diretos entre os participantes, sendo que, ocasionalmente, pode ocorrer algum tipo de lesão, mas as regras não permitem agressão direta.

Para Betti (1997), esportes como o Futebol e o Handebol são atividades nos limites máximos dos indicadores que delineia como base da lógica interna dos esportes. A distância de confronto, o espaço individual de interação, o grau de violência e a facilidade de domínio da bola, fazem com que a lesão entre os participantes possa ocorrer.

Portanto, a própria dinâmica de algumas modalidades trazem um potencial para que suas regras sejam transgredidas.

Assim, podemos dizer que todos os esportes são competitivos por sua própria natureza e conduzem à agressão e violência. Algumas modalidades como o Futebol, o Boxe e o Rúgbi são formas de expressão da ofensa física socialmente aceitável.

Para Capez (2003), a violência associada ao desporto sempre existiu sendo que, nos últimos anos, despertou-se a necessidade da aprimoração e do aprofundamento dos estudos para análise a respeito do assunto.

Nesse sentido, o jurista Fernando Capez (2003) caracteriza o Futebol e o Basquete como uma atividade desportiva de violência eventual, diferenciando-o das modalidades com violência direta e necessária, como o Boxe, o Kung-fu e outras artes marciais, onde todo desportista, ao praticar estas atividades, consente na diminuição de seu nível de segurança, haja vista serem esportes que previamente o praticante assume o risco inerente a esta modalidade mais "violenta". Desta forma, a escolha prévia do atleta é clara: ou este assume ou risco ou não exerce este tipo de atividade. Sendo, portanto, irrelevantes para o Direito Penal as lesões que forem originadas destes esportes

Ainda para Capez (2003), há ações dentro do esporte que são previsíveis que se ocorra, encontrando dentro do risco normal inerente ao esporte, como é o caso de "carrinhos" no Futebol, uma queda mal planejada ao sofrer o nocaute no Boxe, dentre outros. Porém, o que não pode ser tolerado são lesões alheias às ações normais que ocorrem na modalidade desportiva. No entanto, o que não pode ser tolerado são lesões com origens diversas da atividade desportiva.

Por fim, para que se de início a uma ação penal na esperança de condenar judicialmente um desportista violento, é necessário que o caso se enquadre dentro de uma imputação objetiva, onde é necessário que haja uma série de fatores normativos, entre eles o conflito entre a conduta do atleta e os valores sociais; a atuação desse atleta fora do papel social que se espera dele; e a criação de um risco intolerável ao à integridade física dos desportistas envolvidos. seja agravada pela imputação subjetiva, ou seja, por dolo ou culpa.

Portanto, é de se notar a relação íntima decorrente do desporto e o instituto da lesão corporal.

O que diz a legislação brasileira

No Brasil, devido a uma maior preocupação mais recente do Poder Público, especialmente do legislador da Assembléia Constituinte de 1988, os desportes tiveram uma explícita previsão constitucional.

É o disposto no artigo 24, inciso IX, da Constituição da República de 1988:"Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: IX – educação, cultura, ensino e desporto" (grifo nosso)

Desta forma, podemos concluir que o Estado autorizou a atividade desportiva no âmbito nacional, deixando exclusivamente para os Entes Federativos a função de legislar sobre o desporto.

Nesse mesmo sentido é o descrito no artigo 217, incisos, e § 1º e §2º da Constituição Federal de 05.10.1988:

É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional;

IV – a proteção e o incentivo ás manifestações desportivas de criação nacional.

§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de proteção social.

 

Assim, nesse artigo da Constituição Federal, quis a Assembléia Constituinte criar a justiça desportiva e estabelecer o dever do Estado de fomentar as atividades desportivas.

Ademais, existem outras leis especiais que tratam do desporto, de forma específica e reguladora, como: a Lei Federal n. 9.615, mais conhecida como a "Lei Pelé"; a Lei Federal 10.672/2003, que descreve princípios orientadores dos desportes; o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, vigente pela Portaria Ministerial n. 146, de 06.12.2003; aLei Federal n. 10.671, de 15.05.2003, também conhecida como Estatuto do Torcedor; bem como as regras para o atleta profissional e o atleta não profissional, os problemas advindos da dopagem nos desportes; mais a previsão legal expressa, inserta no Estatuto da criança e do adolescente, por meio da Lei Federal n. 8.069, de 13.07.1990; do idoso, pela Lei Federal n. 10.741, de 01.10.2003.

O que diz a legislação internacional

Acerca das ofensas físicas decorrentes das atividades desportivas, a Justiça Portuguesa, mais precisamente o Supremo Tribunal de Justiça do país europeu, analisou a questão embasando-se no que vem sendo decidido noutras jurisdições, sobretudo à Inglesa, estabelecendo a inviabilidade da presunção que alguém aceite sujeitar-se a lesões corporais de anômala gravidade no confronto daquilo que é razoavelmente de esperar por virtude da participação da atividade desportiva.

A determinação do grau de negligência necessário para consubstanciar uma violação do direito de diligência no desporto é, por hora, objeto de ampla discussão.

Em Portugal a questão deverá ser colocada em termos de negligência consciente ou inconsciente. Parece ser esta a posição do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, ao julgar que um atleta ao, aparentemente, ocasionar um mero erro de caráter técnico, encontrou fundamento para decretar o pagamento de indenização por danos.

Nos Estados Unidos, a posição parece ser a de condenar ações que se revistam de "reckless disregard" pela integridade física de um competidor (ou seja, algo mais do que mera negligência).

Na Inglaterra, segue-se a aplicação dos critérios normais de negligência, sujeitos às circunstâncias particulares do acontecimento, o fato de ocorrer um contato durante um acontecimento desportivo.

Em jurisdições de common law, como a Inglesa, Norte Americana ou Australiana, a negligência contributiva ganhou grande destaque como forma de defesa. A negligência contributiva tem grande utilidade naqueles casos em que o atleta lesionado também contribuiu, de alguma forma, para a verificação do dano. Um exemplo flagrante são as inúmeras lesões cervicais em jogadores de rúgbi da primeira linha, os chamados pilares. Estas lesões ocorrem em grande maioria em formações ordenadas, em que os jogadores encaixam ombro com ombro, numa posição de força. Quando a formação ordenada cai, as lesões surgem. Mas neste caso, de quem é a culpa? Ambos os jogadores empurram, provavelmente com recurso a técnicas cuja legalidade é questionável, e nessa medida ambos podem ter contribuído para a lesão. Nestes casos, caberá ao Juiz decidir a proporção em que cada jogador contribuiu, determinando possíveis indenizações em função do grau de culpabilidade. A negligência contributiva permite a distribuição de culpa e nessa medida é uma figura de grande interesse, cuja aplicabilidade futura é de ponderar.

Esta questão é de suma importância, tendo chamado a atenção destes casos para a doutrina penal, inclusive sendo expressos em diplomas penais estrangeiros: Código de Defesa Social de Cuba, o Código Penal do Equadore o Código Penal da Bolívia. Ainda é interessante frisar que a Constituição Portuguesa contém dispositivo no sentido de prevenir a violência no desporto, que diz em seu artigo 79, inciso II que Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.

Danilo Luis Ferreira.

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Advogado

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Autor: Bento Jr Advogados


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