Razões e desrazões lulistas



Le Monde (otimista): Lula estava com razão quando falou em marolinha, se referindo à crise econômica.

A Folha (pessimista): Você quer dizer desrazão... Que marolinha, que nada! O povo, que sentiu e ainda sente os efeitos da crise na barriga, sabe que a coisa ficou preta e suas consequências vão continuar por um bom tempo.

 

Le Monde: O grande irônico disse na ocasião que o tsunami, ao chegar aqui, não ia passar de uma simples marola.

A Folha: Irônico, simplório e superficial!

 

Le Monde: Os especialistas estão dizendo que ele acertou na ferida. Ou na mosca, se você prefere...

A Folha: Esse pessoal continua deslumbrado com o sindicalista metido a estadista... Também pudera: presidente exótico de um país bizarro...

 

Le Monde: Lula é o cara...

A Folha: ... de pau!

 

Le Monde: Seja realista, companheira. O Brasil foi atingido pela recessão mais tarde que os outros países, mas foi o primeiro a tirar de letra.

A Folha: Não diga besteira...

 

Le Monde: Digo mais: aqui a recessão durou apenas um semestre, como prova o aumento de 1,9% do PIB no segundo trimestre deste ano, após queda nos dois trimestres anteriores...

A Folha: 1,9% de aumento? Vou ter uma crise de riso ou de desgosto!

 

Le Monde: A prova é a recuperação do real e da Bolsa de Valores de São Paulo... Mas, para que isso ocorresse, Lula agiu estrategicamente, estimulando o mercado interno.

A Folha: Inclusive reduzindo impostos em favor das indústrias de automóveis e de eletrodomésticos, que se deram bem às nossas custas...

 

Le Monde: Reconheça que foi uma decisão esperta (no bom sentido), para estimular a economia e dar um chega-pra-lá na crise...

A Folha: Mas precisava ajudar os banqueiros, esses aproveitadores de uma figa?

 

Le Monde: Para beneficiar a coletividade, qualquer sacrifício vale a pena. O povo precisa estar sempre em primeiro lugar. Assim não restou alternativa ao grande líder senão exigir que o Banco Central ajudasse os bancos em dificuldades, retirando de suas gordas reservas – US$ 200 bilhões – para irrigar o mercado que estava à míngua. Deu certo. Ponto pro presidente.

A Folha: E mais sacrifício pro povo...

 

Le Monde: Aliás, na primeira oportunidade, o presidente reconheceu a confiança inabalável dos brasileiros na economia local. Sem essa confiança, teríamos um tsunami em vez de uma marola...

A Folha: Não aguento mais esse teatrinho econômico!

 

Le Monde: Não se irrite, companheira, pois o gigante sulamericano vai recuperar em 2010 sua capacidade de crescimento anterior à crise, em torno de +4,5%...

A Folha: Quem viver verá.

 

Le Monde: Com certeza, será mais um gol de placa.

A Folha: Até porque as exportações estão 30% menores, e a dívida pública não para de subir. O desemprego, esse começou a mostrar a cara já em dezembro de 2008, no iniciozinho da crise. Naquele mês, 655 mil pessoas foram demitidas do mercado formal, o pior resultado desde 1999. A situação se agravou nos quatro meses seguintes. De janeiro a abril, o desemprego no país subiu de 8,2% para 8,91%...

 

Le Monde: E, mais uma vez, nosso guia agiu estrategicamente no sentido de aquecer a economia, lançando mão de medidas fiscais, como a redução do IPI sobre os carros, e assim por diante.

A Folha: A crise se agravou no país, o desemprego aumentou e, como consequência, a renda do trabalhador ficou negativa, com uma perda acumulada de 2,5% no semestre... Os brasileiros sentiram o baque da crise nas costas e no bolso.

 

Le Monde: Mas agora, companheira, é só alegria...

A Folha: Felizmente o povo, que é tudo menos besta, disse não ao governo que aí está, como revelou a mais recente pesquisa Sensus/CNT.

 

Le Monde: Peraí. A queda na popularidade do presidente não se deve à crise financeira, mas...

A Folha: À crise política? Dá no mesmo.

 

Le Monde: Nada disso, companheira. Sejamos justos. Esse vilão aí tem outro nome.

A Folha (irônica): Lulinha Paz e Amor?

Le Monde (feliz da vida): Monsieur Sarney!

 

(A. Zarfeg)


Autor: A. Zarfeg


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