PEDAÇOS DE GESSO



PEDAÇOS DE GESSO

Maria uma moça como tantas outras que conhecemos, divide o aluguel do pequeno apartamento com mais duas amigas Márcia e Beatriz.

Maria trabalha em um restaurante, cursa enfermagem e adora dançar.

Sua cabeça é cheia de sonhos, ela tem vinte e cinco anos.

Saiu de Pernambuco quando ainda tinha quatorze anos, em companhia da tia que prometeu um salário para Maria cuidar dos primos para a tia trabalhar.

Nada disso aconteceu. A tia não dava nada a não ser humilhação, teve uma vez que até apanhou. Então assim que Maria completou dezoito anos arrumou esse emprego de garçonete, alugou o apartamento com Márcia e Beatriz e continuou os estudos.

É uma linda sexta-feira, Maria chegou do trabalho e está estudando.

Chega Márcia e Beatriz com seus namorados. Eles convidam Maria para esticar em um barzinho. Ela os acompanha meio a contra gosto. Falou que estava cansada de segurar velas.

Os amigos brincam falando que Maria deveria arrumar um namorado. Maria diz não ter pressa que um dia iria encontrar seu príncipe encantado.

Estão curtindo alegremente a noite quando Maria percebe alguém a olhando. Vira-se lentamente e pensa. Meu Deus! Que homem lindo! Ficou até corada com seus pensamentos.

Sem jeito ela pegou um cigarro e não conseguia achar o isqueiro, baixou para olhar melhor a bolsa quando sentiu uma mão suave erguer seu rosto e acender seu cigarro. Ela pensou  fitando-o. Que mãos macias e cheirosas! Tornou a corar. Ele percebeu seu embaraço e a convidou para dançar.

Maria não respondeu e os amigos quase derrubaram-na da cadeira para ela aceitar.

Os amigos disseram que Maria adorava dançar.

Maria não teve como negar diante desse apelo todo dos amigos e nem queria. Foram para a pista de dança. Maria sentia seu corpo queimar com o contato daquelas mãos macias delicadas e ao mesmo tempo fortes, selvagens. Ela por várias vezes pensou que iria desmaiar, mas ele a segurava tão firmemente que parecia que seus pés nem tocavam o chão.

Nada disseram quase a noite toda, seus olhares diziam tudo. Ele apertava Maria como se quisesse possuí-la ali, perante todos. Somente bem mais tarde quando voltaram para a mesa que fizeram as apresentações. José era o nome daquele homem que havia deixado Maria encantada.

Maria notou uma aliança na mão de José, ela nada falou sobre isso. Ela teve medo. Ele era casado. Ela não se importou. Incrível, o que aconteceu com Maria?  Estavam completamente apaixonados e só isso bastava

Os amigos também perceberam a aliança. Alertaram Maria que não deu ouvido. Os amigos disseram para ela afastar-se  de José, achavam que ele não servia para ela.

O tempo passou. Maria estava cada dia mais distante dos amigos. Saia com José quase todos os dias. Maria também estava faltando no curso de enfermagem e as vezes até no restaurante.

Um dia Beatriz chamou Maria para uma conversa. Disse a ela que estava destruindo a vida. Que estava vivendo para José. Perguntou onde foram parar todos seus sonhos. Beatriz disse que o dono do restaurante estava querendo despedir Maria que estava faltando e não dava satisfação alguma.

Maria de repente explodiu. Disse a Beatriz que estava cheia deles ficarem se metendo em sua vida. Se José era casado qual era o problema? Quantas pessoas não se separam? Que eles se amavam e era só isso que interessava. Disse que iria embora e começou imediatamente a arrumar suas malas.

De nada adiantaram as súplicas das amigas para que Maria não fosse. Ela virou as costas e saiu batendo fortemente a porta.

Maria abandonou o curso, alugou uma pensão barata. Maria foi despedida do restaurante. Um dia José não foi ao encontro. Maria ficou preocupada e notou que não tinha um número de telefone, nem endereço, enfim nenhum contato de José.

No dia seguinte ele apareceu e ela esqueceu de tudo, estava radiante para lhe dar a noticia. Maria feliz comunicou a José que estava grávida. Ele a olhou incrédulo e só aí Maria conheceu o então desconhecido José.

José perguntou a Maria se ela era louca, se não havia notado a aliança em sua mão, que pensou que ela era mais esperta. Falou que só agora havia notado que ela era tão tola como todas as outras que ele havia ficado.

Saiu a empurrando e prometendo que no dia seguinte traria dinheiro para ela se livrar daquele problema.

Isso não estava acontecendo, Maria não estava vivendo aquilo. Maria chorava copiosamente. Olhava para os lados tentando acordar daquele pesadelo.

Ela passou a tarde ali deitada, quando conseguiu levantar-se, queria sair correndo atrás daquele homem que com poucas palavras havia feito ela  ir até o inferno.

Mas ir onde, procurar como se nada sabia desse monstro que a destruiu. Jogou –se novamente na cama. Quando despertou já era dia. Arrumou-se e foi suplicar seu emprego de volta. O gerente foi claro com Maria disse a ela que de uns meses para cá ela havia mudado muito, até os fregueses estavam reclamando dela e que segurou sua barra até onde deu. Disse que sentia muito.

Maria ouviu tudo e saiu sem nada falar. Afinal o que era em emprego? O que era pesadelo? Porque ela não acordava meu Deus?

Resolveu ir ao bar onde conheceu José. Com certeza ele viria correndo pedir perdão, ele dirá que a ama muito, que não sabe onde estava com a cabeça quando disse aqueles absurdos para ela. Dirá também que irá separar-se da mulher e que eles e o bebê serão uma família feliz. Tudo iria ficar bem, é claro, foi tudo um mal entendido.

Ela foi para o bar ainda cedo. José ainda não havia chegado. O bar ainda estava vazio. Esperou, esperou e nada. De repente vê seus amigos entrarem alegremente. Ela escondeu-se , não queria que a vissem naquele estado. Estava chorando. A noite passou e nada de José. Viu quando seus amigos foram embora. Secou as lagrimas e foi embora.

Os dias passaram sem que Maria desistisse um dia sequer de ir ao bar na esperança de encontrar José e nada, ele simplesmente sumiu, evaporou.

Os meses foram passando, Maria estava sem emprego, sem amigos e para piorar o dinheiro do fundo de garantia Maria havia sacado todo de uma vez, ela queria voltar para Pernambuco, o dinheiro que havia sacado. Foi roubado na porta do banco. Deixou de pagar o aluguel e foi despejada.

Agora Maria é uma andarilha  e um dia passando frente a uma boate, Maria desmaiou, pessoas que freqüentavam a boate a socorreram.

Quando voltou a si, estava em um escritório ou algo parecido com duas mulheres e um homem. Começou a relatar sua vida, sem lagrimas, sem emoção. As pessoas se prontificaram a ajudá-la. Falaram que a primeira coisa a fazer seria Maria livrar-se daquele incômodo que era sua gravidez. Falara que ela era muito bonita, que criança não trazia felicidade e nem grana para ninguém. Eles disseram conhecer uma pessoa que faria o aborto de maneira segura. Disseram também que depois disso, Maria poderia trabalhar na boate e pagar tudo a eles. Ela era muito linda e o que não faltaria seria fregueses. Maria entendeu a proposta e aceitou de imediato. Pensou. Se o único homem que ela amou. A tratou como um objeto, ela faria o mesmo com quantos homens quisesse possuí-la, é só pagar.

O tempo passou, depois do aborto Maria começou a "trabalhar" na boate. Tinha vários "fregueses" classe e elegância não lhe faltam. Era nova no ramo e isso aguçava os freqüentadores.

Um dia Maria estava conversando com um freguês quando percebeu uma moça, cliente da casa, olhando em uma direção com insistência. Quando seguiu seu olhar quase desmaiou. Era José, sim aquele homem era José...Era ele.

A moça colocou um cigarro na boca. José apressou-se em acender o cigarro. Maria perdeu-se em seus pensamentos, suas lembranças. Quando voltou a si, notou que José havia sumido com a garota.

Quanto tempo ficou ali olhando a fumaça do cigarro? E José para onde foi? E o que isso importava?

Maria saiu dali... Maquiagem borrada, roupas inadequadas para  andar de dia...e daí? E sem perceber Maria entrou em uma capela. Lá estavam algumas beatas rezando junto ao altar, quando a viram esqueceram que em uma igreja estavam. Acotovelavam-se murmurando dos seus trajes e maquiagem. Maria as olhou e sorri se dirigindo a uma delas perguntou, se não tivesse pecado que atirasse a primeira pedra.

Maria ajoelhou-se perante o altar. Ficou ali esperando ser apedrejada por todas.

Quando ergueu seus olhos, sozinha estava.

Apenas santos de gesso, apenas pedaços de gesso que não a apedrejavam, nem a olhavam, nem perdoavam, não a acusavam...

Apenas a ignoravam, indiferente a tudo e a todos.

Somente pedaços de gesso.

Maria olhou em sua volta, sorriu e dali saiu com sapatos na mão.

Começou a correr nas ruas gritando para todos que eram apenas pedaços de gesso, cheio de poeiras. Não me condenaram...APENAS PEDAÇOS DE GESSO.


Autor: ELISABETH SANTOS DE CARVALHO


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