APRENDENDO COM A FOME



 




             Banquetes não começam com a comida que se serve. Eles se iniciam com a fome. O segredo do mestre cuca é a arte de produzir fome, por isso os grandes mestres enfeitam seus pratos, como uma técnica para despertar, primeiro, a fome pelos olhos...

 

            A experiência da verdadeira aprendizagem deve iniciar com uma experiência efetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Esta fome, por analogia, dou o significado de afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não devemos confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim afettare, quer dizer  “ir atrás”.

 

            É o movimento da alma na busca do objetivo de sua “fome”. É o 'eros platônico', a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado.

 

            Quando era criança, ao lado de minha casa, no vizinho, tinha um pé de romã enorme e quando era época de frutificação devorava seus frutos com os olhos, eu ficava espiando por cima do muro, com água na boca, aqueles frutos com a casca rachando de tão maduros que estavam.

 

            Certo dia, provocado pelo meu desejo em comer pelo menos uma daquelas romãs, minha máquina de pensar se pôs a funcionar. Foi o pensamento criado como uma ponte construída pelo meu corpo, para ter acesso ao objeto do meu desejo.

 

            Se não tivesse o desejo de comer aquelas romãs, minha máquina de pensar teria ficado parada. Se a vizinha me desse algumas romãs, meu desejo teria se realizado por meio de um atalho, sem que eu tivesse a necessidade de pensar. É bom sempre lembrar: quando um desejo é satisfeito a máquina de pensar para de funcionar.

 

            A maneira mais fácil de abortar um pensamento é realizando um desejo. Considero esse o pecado daqueles que ensinam as respostas antes de haver o questionamento, e isso, na maioria das vezes ocorre no meio educacional (nas escolas e em casa).

 

            Voltando ao tempo de criança, lembro-me que pensei até em pular o muro à noitinha e pegar a tão desejada romã, mas acabei desistindo da idéia pelo perigo que isso poderia acarretar.

 

            O desejo continuava e tive que encontrar outra solução: tinha que construir uma máquina ou apetrecho qualquer para pegar uma romã sem ter que pular o muro. Um professor canadense de comunicação, Marshall McLuhan, ensina que todos os meios técnicos são extensões do corpo de quem os utiliza. Carros são extensões das pernas, óculos são extensões dos olhos, facas são extensões das unhas, etc.

 

            Então a minha engenhoca tinha que ser a extensão do meu braço. Um braço comprido, com cerca de três metros mais ou menos. Peguei uma vara de uma acácia que tinha no quintal de casa, o braço eu já tinha, mas braço sem mão não funciona, precisava de uma “mão”. Foi aí que tive a idéia de pegar uma lata de azeite vazia e amarrá-la com um arame na ponta da vara. Pronto, minha máquina estava pronta, foi só colocar para funcionar, subi no muro e peguei todas as romãs que quis e satisfiz o meu desejo. Essa é a prova de que os conhecimentos são extensões do corpo para a realização de nossos desejos.

 

            Resumindo, “nunca se deve esperar que lhe deem as romãs”, elas têm que ser buscadas e você tem que ter, primeiramente, a vontade de comê-las. Assim é o saber. Segundo um grande filósofo e escritor do início do século XX, Miguel Unamuno: “saber por saber é inumano”.


Autor: HERÁCLITO NEY SUITER


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