A Visão Constitucional Da União Estável Homoafetiva



Uma questão de suma importância  é a demonstração de que o Texto Constitucional Brasileiro, ainda que implicitamente, protege, permite e acima de tudo admite a homossexualidade, na medida em que veta qualquer tipo de distinção entre os cidadãos do País.

Ainda que tenha vindo a atual Constituição, com ares de modernidade, consagrar a proteção do Estado à Família, independentemente da celebração do casamento, continuou a ignorar a existência de entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo.

O núcleo do atual sistema jurídico brasileiro é o respeito à dignidade da pessoa  humana, que ocupa uma posição privilegiada no texto constitucional (inciso III do art. 1º). A base da Constituição são os princípios da liberdade e da igualdade. Esses enunciados não podem se projetar no vazio, não se aceitando como normas programáticas, sendo necessário reconhecer sua eficácia jurídica no Direito de Família.

Historicamente nota-se que as transformações sociais sempre antecipam-se aos acontecimentos jurídicos. A sociedade, em seu contínuo processo de mudança, não espera imóvel pela edição de leis, percebendo-se assim a atual situação experimentada pelos cidadãos homossexuais que clamam por proteção estatal e uma solução justa dos conflitos a eles inerentes.

No artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e ao artigo 126 do Código de Processo Civil, aplica-se a tais casos a aplicação da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito com o fim precípuo de assegurar uma interpretação honesta e justa dos diplomas legais vigentes, especialmente do ponto de vista social e humano.

Ao buscar-se identificar o conceito de família, a primeira visão é a da família patriarcal, nitidamente hierarquizada, com papéis bem definidos, constituída pelo casamento, com uma formação extensiva. Hoje a família é nuclear, horizontalizada, apresentando formas intercambiáveis de papéis, sem o selo do casamento.

Não se diferencia mais a família pela ocorrência do casamento. Também a existência de prole não é essencial para que a convivência mereça reconhecimento e proteção constitucional, pois sua falta não enseja sua desconstituição sequer perante o Direito Canônico. Se possuir filhos ou a capacidade de possuí-los não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, não se justifica ter a Constituição deixado de abrigar, sob o conceito de família, a convivência entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que a própria lei não permite qualquer distinção em razão do sexo.

Após o quanto explanado, centrado na análise do tema sob a visão constitucional,  resta o reconhecimento de que o ser humano não se depara com limitações ou óbices de qualquer espécie para exercitar sua orientação sexual, qualquer que seja ela. Pode-se chegar até à afirmação da existência do direito constitucional de ser homossexual, ainda mais levando em consideração o recém-lançado plano governamental denominado " Programa Nacional de Direitos Humanos " (PNDH) que afirma:

(...) direitos humanos são direitos fundamentais de todas as pessoas, sejam elas mulheres, negros, homossexuais, índios, idosos, pessoas portadoras de deficiências, populações de fronteiras, estrangeiros e emigrantes, refugiados, portadores de HIV positivo, crianças e adolescentes, policiais, presos, despossuídos e os que têm acesso à riqueza. Todos, enquanto pessoas, devem ser respeitados e sua integridade física protegida e assegurada.

Mesmo diante do exposto, a verdade é que ainda existem pessoas que defendem amplamente a exclusão desse segmento social da proteção de direitos fundamentais fundada no texto constitucional, podendo-se citar, por exemplo, o posicionamento do Primeiro Secretário da Câmara dos Deputados Brasileira, Severino Cavalcanti, que diz:

" Não posso aceitar uma aberração como esta, de homem com homem, de mulher com mulher, isso é contra as leis de    Deus, contra os princípios éticos e morais. Não concordarei. Estarei na linha de frente para combater, como sempre fiz aqui na Câmara dos Deputados".

O preconceito não pode ensejar que um fato social não se sujeite a efeitos jurídicos. Não se pode impor o mesmo caminho percorrido pela doutrina e pela jurisprudência nas relações entre um homem e uma mulher fora do casamento, que levou ao alargamento do conceito de família por meio da constitucionalização da união estável.

O Direito passou a valorizar a afetividade humana, abrandando preconceitos e formalidades. As relações familiares impregnam-se de autenticidade, sinceridade e amor, deixando de lado a hipocrisia da legalidade estrita.

Se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua, em um verdadeiro convívio estável caracterizado pelo amor e respeito mútuo, com o objetivo de construir um lar, inquestionável que tal vínculo, independentemente do sexo de seus participantes, gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da lei.

As uniões estáveis homossexuais não podem ser ignoradas, não se tratando de um fato isolado, ou de frouxidão dos costumes como querem os moralistas, mas a expressão de uma opção pessoal que o Estado deve respeitar.

Assim, a perspectiva de que pessoas com orientação sexual diferente daquela levada em consideração pela maioria da sociedade são cidadãs como outras quaisquer, passíveis assim, de direitos e deveres, como faz eclodir o pensamento de Luiz Carlos De Barros Figueirêdo, que ao analisar o tema assim ponderou:

"Existe a homossexualidade. Existem preconceitos fortíssimos. Existem pais e mães homossexuais com filhos biológicos ou adotivos. Não se trata de seres de outros planetas ou de um problema distante e sim, de algo presente em cada cidade, em cada esquina, em cada família. É uma crueldade contra a espécie humana tentar retirar o tema da agenda de discussão e deixar de se buscar soluções que atendam a todas as partes envolvidas. Não se trata de lixo, e muito menos de se varrer para debaixo do tapete, mas de vidas humanas que merecem respeito e dignidade".

Não há, portanto, como deixar de visualizar a possibilidade do reconhecimento de uma união estável entre pessoas do mesmo sexo. O adjunto adverbial de adição "também", utilizado no § 4º do art. 226 da CF (Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes), é uma conjunção aditiva, a evidenciar que se trata de uma enumeração exemplificativa da entidade familiar. Só as normas que restringem direitos têm de ter interpretação de exclusão.

Não se pode confrotar a liberdade fundamental a que tem direito todo ser humano no que diz respeito a sua vida. Presentes os requisitos legais, vida em comum, coabitação, laços afetivos, divisão de despesas, não se pode deixar de conceder-lhe os mesmos direitos deferidos às relações heterossexuais que tenham idênticas características.

Como bem referiu a ex-Deputada Marta Suplicy na justificativa do seu Projeto: "Se todos têm direito à felicidade, não há por que negar ou desconhecer que muitas pessoas só serão felizes relacionando-se afetiva e sexualmente com pessoas do mesmo sexo. Valores e normas sociais são modificados, reconstruídos e alterados de acordo com as transformações da própria sociedade".

Enquanto a lei não acompanha a evolução dos usos e costumes, as mudanças de mentalidade, ninguém, muito menos os aplicadores do direito, podem, em nome de uma postura preconceituosa ou discriminatória, fechar os olhos a essa nova realidade e se tornar fonte de grandes injustiças. Não se pode confundir as questões jurídicas com as questões morais e religiosas.

Uma sociedade que se quer aberta, justa, livre, pluralista, solidária, fraterna e democrática, às portas do novo milênio, não pode conviver com tão cruel discriminação, quando a palavra de ordem é a cidadania e a inclusão dos excluídos.


Autor: Bruno Landim Maia


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