Pedro e as Paredes



O sol estarrecedor batia sobre a cabeça e também parecia cega-lo, por
um minúsculo tempo pairou sobre ele uma cegueira branca e em camera
lenta ele só observara o balé que era tudo e todos a sua volta. De
volta a realidade os sons da selva faziam o balé parecer um show de
rock e ele novamente se lembrava o por que do sol estar naquele
momento desmantelando a pele de sua nuca e queimando os neurónios de
sua cabeça: era NÃO de mais uma entrevista de emprego naquela semana,
a vida era dura ele pensava enquanto entrava no ônibus mais uma vez
para explicar em casa que era incapacitado para vender ventiladores,
como já fora para atender telefones e digitar uns números ou para dar
bom dia e apertar botões de elevadores em um prédio gigante no centro
da cidade.
Todos diziam ser culpa da sua falta de inexperiência visto seus vinte
e poucos anos e uma carteira de trabalho totalmente virgem, mas ele
pensará que ninguém gostaria de ter a companhia de um rapaz com uma
barba de revolucionario em um elevador, por isso raspou ela totalmente
como não fazia a quase meia década fruto dos tempos de juventudes
rebeldes; também percebeu que mesmo com a cara limpa era difícil para
seus colegas trabalhar atendendo telefone em um ambiente onde ele no
alto de seu 1.90 ter aquela cabeleira volumosa fazendo inveja nos
black powers do anos 80 tamanha a quantidade de cabelo, mesmo com uma
década ali dedicados aquele troféu ele cortou pois sabia que o próximo
ele não erraria afinal era jovem, esperto e agora não possuía mais
nenhum empecilho estético.
Pendurado com todo o peso no corrimão superior do ónibus ele conseguia
se ver no espelho e lembrar o quanto ele tinha mudado esteticamente,
mesmo assim não era necessario para conseguir um emprego. Nunca foi
muito animado com isso de trabalhar "sério", preferiria ficar ali
criando algo em sua mente como a poesia que tinha feito no oitavo ano
e tinha sido a melhor da escola lembra até hoje os seus quatro versos:
"Por ti eu vejo/as vezes me cega, mas as vezes vejo/nem ouço, nem
sinto, só vejo/fechado, aberto......vejo". Uma lágrima ainda escorre
toda vez que ele lembra de seu feito, "Vejo" foi o nome de sua maior
obra, e a anos diz para todos que a próxima poesia já está madura e
que se não fosse seu bloqueio criativo já estaria ai publicada em
algum lugar. Mas ainda se vendo por entre as luzes solares que
refletem no espelho do ônibus não enxerga onde fracassou pela terceira
vez, lembrara por um segundo do dia que sua mãe lhe disse que ele
poderia criar suas poesias a qualquer hora mas comer e ser
independente só tendo um emprego mas ela não disse o quanto ele teria
que ser diferente.
Saindo do coletivo sua casa já podia ser avistada e dela apenas alguns
metros o separava de mais um regresso mesmo que esse seja como os
últimos: com o sabor do fracasso. Andara olhando para os lados como se
preocupado pois preferiria dar uma primeira explicação para sua
matriarca convincente para só depois pensar em uma desculpa um pouco
mais encantadora para seus "chapas" da rua. Ao chegar em frente ao seu
enorme portão cercado por cercas elétricas de lado a lado percebera
que tinha esquecido sua chave em casa, afinal "quem lembra de algo as
6 da manhã?!" ele pensara. Depois de inúmeras tentativas percebia que
sua mãe não estava em casa e que pela hora, 10 e meia, deveria ter ido
à venda que se localizava 5 quadras ao norte de sua casa. Com  aquele
sol rachando a cabeça decidiu por unanimidade escorar no portão e
esperar afinal pula-lo estava fora de questão.
    - Marcos! Sua mãe saiu!?, ele ouviu essa indagação enquanto
pensava no calor e sem saber quem perguntava respondeu:
    - Quem?, enquanto levantava e tentava saber de onde vinha o som.
Quando enxergou aquele senhor ele respondeu:
    - É garoto sua mãe foi na venda ali da rua das flores. Ela acabou
de sair deve demorar um pouco, você não quer vir aqui na varanda para
não ficar ai no sol? Vem te arrumo agua!
Quase caiu para traz quando reconheceu quem era aquele senhor, seu
Pedro. Não sabia como ele percebera sua presença ali, seu Pedro era
cego e muitos o achavam mudo pois não falava com ninguém. A única que
desmentiu o boato foi sua mãe que já tinha lhe dito que a alguns anos
ele era bem comunicativo e chegou a ser presidente da associação de
moradores do bairro isso até ficar cego e meio que se isolar de tudo e
todos, apesar de tudo não parecia infeliz pois toda tarde ouvia-se uma
suave melodia de sua casa enquanto ele pacientemente regava suas
plantas e sentava em uma velha cadeira de balanço da época em sua
esposa ainda era viva.
Não pensou duas vezes em aceitar o estranho convite afinal a sede era
grande e o sol não dava trégua alguma e não poderia perder a
oportunidade de conversar com a lenda do bairro que pra todos que ali
cresceram se alimentava de musica e samambaias pois ninguém via ele
sair de sua casa todos só o viam sorrindo e seguindo seu ritual
diário.
    - Ta quente né garoto! Faz dias que o sol não da sossego, sorte
que eu rego minhas plantas todos os dias senão estariam morrendo as
coitadinhas. -- dizia o simpático senhor aparentemente olhando nos
olhos de Marcos.
   -  Então seu Pedro, hoje parece um daqueles típicos dias de outono
aqui na nossa cidade, nunca sabemos se irá queimar nossa cabeça ou
torrar nossa sola de sapato!Oh dilema! -- pronunciara o jovem tentando
esmiuçar um sorriso que logo se recolhia pela indiferença do ouvinte.
Marcos viu que aquele era um daqueles momentos em que o silencio
governava o tempo, olhando apenas para face daquele idoso não sabia o
que esperar; o próximo ato poderia muito bem ser um grito de fúria ou
simplesmente um "para de falar porcaria moleque, não tenho tempo pra
piadinha"; Tudo era possível!
  - Oh garoto esqueci sua agua senta ai que já vou buscar! - disse
saindo meio estarrecido. O jovem que suava mais a cada momento sentia
um sensação fria e ao mesmo tempo quente; os olhos enxergavam e também
se contraiam a ponto de não quererem se abrir; enfim parecia primeiro
dia de aula para ele! E nesses dias muitas coisas normalmente
aconteciam!
Mas ele sentou, e ali também tomou em um só gole o copo de água.
Enquanto observara o liquido adentrar sua garganta com um olho, com
outro observava o senhor que acabara de lhe entregar o copo sentar-se
na cadeira e como num piscar de olhos abrir a boca:
 - É, não sei se você sabe mas a alguns anos isso aqui era pior sabe?
Uns 20 anos atrás esse bairro aqui só tinha duas ruas, e praticamente
3 casas. Justamente a minha a de sua mãe e essa ai da frente que na
época era do Sr. Oswaldo Pinheiro de sua mulher Leninha e da adorável
Lelé, a filha deles. -- pela primeira vez o senhor sorria de olhos
fechados como se naquele momento só visse aquela imagem.
 - Mas o senhor se lembra disso....
 - Eu não nasci cego rapaz, eu escolhi ser assim! -- disse ainda com
mais satisfação, -- Tem certos momentos que é melhor você apenas
guardar aquilo que te deixa feliz, e no dia que fiz minha escolha o
apce da minha felicidade já estava ditado e o resto era só ladeira
abaixo.
 - Mas como...--interrompendo de novo.
 - Eu sempre fui muito feliz desde que cheguei aqui nesse bairro,
nessa rua, nessa varanda. Lembro-me bem das tardes em que mamãe ficava
regando suas samambaias tranquilamente enquanto eu montava minha frota
de transporte de cargas. Garoto, eu tinha 15 caminhoezinho de madeira
de mais ou menos um metro de largura por trinta centímetros de altura
que olha.....era A frota, e eu estava me preparando pra quando elas
aumentassem de tamanho. Era meu sonho! Ser o dono, o cara do boné! E
quando tivesse um filho eu ia levar ele comigo pra podermos ficarmos
juntos sabe?Como naquele filme do cara que fez o Rocky, como era o
nome.....bom enfim, eram as melhores tardes. Ah e os domingos! Papai
sempre ligava a vitrola dele e colocava um disco lá que ninguém
cantava nada de um tal de David, Davis.....algo desse tipo, mas era
uma melodia tão linda e simples que eu num sabia o que fazer eu só
escutava. Bons tempos aqueles garoto, o duro é que tudo muda. Mas
antes da tempestade a bonança, né? -- e o seu Pedro parecia uma
criança contando do mais novo brinquedo que ele havia ganho, era a
felicidade em pessoa.
Marcos não sabia se imaginava aquele cenário ou observava o velho
tamanha a desenvoltura com que ele contava a história.
 - E a bonança vei do outro lado da rua. Eu no alto dos meus vinte e
poucos anos já não sonhava com frotas de caminhões, agora esses sonhos
tinha nome: Lelé. Ela tinha lindos cabelos encaracolados, mas não
crespos; pele branquinha e suave; rostinho meio onduladinho; e era
alta hein! E como os seus passos pareciam o caminhar de anjos entre
lirios por cima da água de uma nascente, tão leves que flutuavam. Eu
tava aqui né nessa cadeira balançando como agora e só observando.--
nesse momento parecia que uma lágrima escorrida dos olhos dele.
 - Olha garoto um dia meu pai me disse: "Não importa o que aconteça
você deve seguir em frente, por que senão o que ficou nunca vai deixar
de te puxar". Eu nunca tive a chance de perguntar pra ele se eu tinha
entendido certo, mas acho que se eu me imaginasse uma sala sem teto eu
só teria 1 parede colocada nas minhas costas para toda vez que eu
tivesse a vontade de ver eu não conseguisse até que a vontade
passasse. Papai se foi numa segunda. Uma semana depois mamãe foi
também. E eu aqui sentado com 20 e poucos anos.-- o semblante de seu
Pedro já não era mais o mesmo, nem do jovem que naquele instante não
tinha a menor noção do que estava escutando só queria saber o fim da
história.
 - Vi Lelé atravessar essa rua mais 3 vezes antes dela ter ido também.
No dia seguinte tive um sonho estarrecedor, nele eu nasci numa
contrução de um prédio. Vivi a infância carregando tijolos de um lado
para o outro, na juventude só sabia fazer a massa com cimente e no fim
da vida vi que apenas tinha construido 3 paredes de minha casa e que
nada mais dava tempo. Dai quando eu acordei eu entendi que depois
disso tudo minha casa já estava completa mas talves eu não tivesse
chegado no fim da linha. Foi então que fechei o olho, quando abri já
era cego.
Sem saber se o que escutara era real o garoto estava perdido...-- E a
vida seu Pedro?....
 - A vida continua sempre, mesmo que as vezes algumas coisas estejam
cobertas no final você sempre tem aonde ir nem que seja dentro de sua
cabeça.
Nesse momento ele ouve o barulho do portão e o velho homem anuncia a
chegada de sua mãe só pelo barulho de seu tamanco. Ainda atordoado com
tudo aquilo o garoto caminha sem direção alguma, no piloto automático;
a magnitude imensurável daquelas palavras eram incomprienciveis para
ele ainda e num piscar de olhos se vira para traz e ve o velho homem
regando suas samambaias, ligando sua vitrola; ao voltar de seu
"transe" percebe que estava do outro lado da rua e ali talvez por um
momento pudera entender o sentido daquelas palavras.
Autor: Phelipe Fabres


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