O Abuso De Poder E O Seu Controle Constitucional



A interpretação dos direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição, feita pelo Poder Judiciário não invade a esfera dos demais órgãos políticos, tendo em vista que ela objetiva manter eficaz tais comandos supremos, coibindo abusos ou excessos de poder por parte dos órgãos públicos.

Desta forma, o Direito Constitucional concretizado pelos Tribunais, que Ronald Dworkin defende como “direito constitucional comum” é fortificado pela interpretação da norma legal que assumiu dimensão constitucional, com plena eficácia.

Essa necessária e constitucional interpretação (art. 5º, XXXV, CF) determina, sempre que solicitado, a intervenção do Poder Judiciário, para afastar lesão ou ameaça a direito, independentemente da qualificação da parte passiva na lide. A ordem jurídico-constitucional assegura a todos o acesso ao Poder Judiciário em concepção integral, sem que tal prerrogativa constitua na indesejada invasão de um Poder sobre o outro.

Como todos os Poderes Públicos estão obrigados a respeitar os princípios e as normas constitucionais, qualquer lesão ou ameaça outorga ao lesado a possibilidade do ingresso ao Poder Judiciário, que instado a se pronunciar, possui a indelegável missão de manter a unidade da Constituição, mesmo que ele tenha que adentrar o controle do mérito do ato administrativo discricionário.

Esta responsabilidade pela tutela da ordem jurídica constitucional, afasta a premissa de uma pseudo invasão de competência de poderes, tendo em vista que o uso de uma faculdade discricionária não possui mais o condão de retirar do Poder Judiciário a possibilidade de verificar se houve ou não desvio de poder.

Vigora no campo do Direito Constitucional – Administrativo a influência de preservação dos direitos fundamentais desenvolvidos pela jurisdição constitucional do Bundesverfassungsgericht como “princípios de uma ordem jurídica geral”, capaz de justificar a atuação ampla do Poder Judiciário.

Jürgen Habermas, jusfilósofo alemão, citado por Patrícia Baptista, testemunha a insuficiência da ultrapassada construção clássica do princípio da Separação de Poderes, para defender a irradiação dos direitos fundamentais para todas as esferas do Direito, principalmente para aquelas relacionadas à atuação do Estado: “Esses ‘conteúdos essenciais’ ou ‘limites imanentes’ dos direitos fundamentais, operam, segundo o autor, como parâmetros da atuação do Estado-administrador, no campo onde a lei formal não alcança. Por meio de sua realização pela jurisdição constitucional, servem para superar a insuficiência atual da construção clássica do princípio da separação de poderes, atuando como balizamentos controláveis e aferíveis para a atuação administrativa, sobretudo sob a forma do Estado Social. Trata-se de um efeito irradiador dos direitos fundamentais para todas as esferas do direito e, particularmente, para aquelas relacionadas à atuação do Estado. O direito constitucional, para, assim, assumir o papel de autêntico limite substantivo, e não meramente formal, do direito administrativo.” –[aspas no original]-

Konrad Hesse, mantendo eficaz o atual quadro da ordem democrática, onde o controle de poder estabelece o equilíbrio das forças políticas, em total alteração à construção inicial da divisão de Poderes, estabelece, o Poder Judiciário como o responsável pela manutenção da integridade da Constituição: “Um elemento de equilíbrio dos poderes estatal-jurídico é o controle judicial do poder executivo (art. 19, alínea 4, da Lei Fundamental), nomeadamente, porém, o controle de todos os poderes estatais pela jurisdição constitucional, dotada com ampla competência na Lei Fundamental. Esse controle significa uma incorporação, até agora desconhecida à tradição constitucional alemã, do Poder Judiciário no sistema dos refreamentos de poderes e controles. O elemento estatal-jurídico do equilíbrio de poderes, que se torna eficaz nele, une-se com o democrático, porque ele abre a possibilidade à minoria de recorrer à proteção do tribunal constitucional contra um prejuízo, real ou pretendido, de sua posição e, assim, de consolidar sua situação – em que, naturalmente, o Tribunal Constitucional nenhum outro peso pode lançar no prato da balança senão aquele da sua própria autoridade.”

Estes efeitos refreadores do poder a que aduz Konrad Hesse estabelecem a eficácia da Constituição como uma forma de equilibrar os poderes.

Portanto, fica ultrapassada a assertiva clássica de que quando o Poder Judiciário penetra no mérito, na conveniência ou na oportunidade do ato administrativo discricionário, ele está ultrapassando a fronteira da Separação de Poderes. Como visto, pela atual divisão de funções dos Poderes compete ao Poder Judiciário manter a unidade da Constituição, de forma que o Estado, em todas as suas ramificações preconize os ditames Constitucionais, como uma forma de manter livre e justa toda a sociedade.

Está ultrapassada a barreira dos limites dos Poderes, como uma forma de impedir a devida e constitucional fiscalização do Poder Judiciário, responsável pela realização da efetividade das normas e dos princípios contidos na Lei Fundamental.

Surge, em nossos dias, um novo conceito central do Direito Administrativo, que influenciado pelo direito alemão, incorporou na Constituição o centro da razão do Estado.

Assim, a atual Constituição, como dito por Caio Tácito abriu “novos caminhos para a contenção de abusos do Poder Administrativo, acenando como aperfeiçoamento das instituições democráticas, a valorização do homem comum e a maior proteção dos interesses comunitários.”

A Discricionariedade ampla, desgarrada do Direito e da Lei, que poderia parecer sugerida, onde a oportunidade ou a conveniência administrativa imperavam na tomada do ato livremente, como era compreendida pela Administração do século passado motivou, Hans Huber a afirmar que ela era “o cavalo de Tróia do Estado de Direito”, algo a ser considerado como ultrapassado pelo Direito Constitucional e pertencente à arqueologia jurídica.

E foi justamente pela constitucionalização do Direito Administrativo que houve a devida evolução, onde os princípios fundamentais deste ramo do Direito deixaram de ser exteriorizados pela legislação infra-constitucional para tomar assento na própria Teoria Constitucional, representada por suas normas e seus princípios.

Quanto aos princípios, ainda no meio para o final do século passado, a doutrina, abolindo o recurso à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, utilizados para validar o mecanismo da discricionariedade administrativa, demonstrou que o sistema jurídico não era mais composto somente de regras, mas também de princípios constitucionais, visto que os direitos fundamentais do cidadão não poderiam mais figurar como peça decorativa. E coube a Josef Esser, Ronald Dworkin e Robert Alexy, dentre outros notáveis doutrinadores demonstrar a transformação do Direito, que passou a ter nos princípios constitucionais uma referência capaz de abolir as idéias passadas de que os princípios gerais de direito, os costumes e a analogia é que representavam o sistema jurídico. Com certeza, essa atual concepção trouxe novo status constitucional, através da idéia do controle do ordenamento jurídico pelos preceitos e princípios, consagrando o surgimento da Teoria Geral do Direito Constitucional Administrativo.

O novo constitucionalismo se afastou do modelo positivista da jurisprudência dos conceitos e dos valores, para buscar nos princípios o seu verdadeiro fundamento de validade.

Esta grande virada na interpretação constitucional estabelece a necessidade de se cumprirem não só as normas, mas também os princípios da Lei Fundamental. Os princípios deram novo alcance a todos os ramos do Direito, visto que como vetores da ciência jurídica constituem-se proposições básicas e fundamentais a serem seguidas pelo Poder Público como um todo.

Para Paulo Bonavides, os princípios “são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas.”

Assim, a elevação dos princípios no plano constitucional permitiu uma maior valoração dos direitos fundamentais, como aventado por Karl Larenz: “Entre os princípios ético-jurídicos, aos quais a interpretação deve orientar-se, cabe uma importância acrescida aos princípios elevados a nível constitucional. Estes são, sobretudo, os princípios e decisões valorativas que encontram expressão na parte dos direitos fundamentais da Constituição, quer dizer, a prevalência da ‘dignidade da pessoa humana’ (art. 1º, da Lei Fundamental) [...]; o princípio da igualdade, com as suas concretizações no art. 3º, parágrafos 2º e 3º da Lei Fundamental e, para além disso, a idéia de Estado de Direito, com as suas concretizações nos artigos 19, parágrafo 4º e 20, parágrafo 3º, da Lei Fundamental e na secção relativa ao poder judicial, à democracia parlamentar e à idéia de Estado Social.” -[aspas no original]-

A seguir, o citado mestre germânico arremata: “É reconhecido que estes princípios hão de ter-se em conta também na interpretação da legislação ordinária e na concretização das cláusulas gerais.”

Os princípios constitucionais possuem grande valor normativo, constituindo-se a própria realidade jurídica, com reflexo em todos os ramos do Direito.

Ao constituírem, os princípios constitucionais, a base do ordenamento jurídico, “la parte permanente y eterna del Derecho y también la cambiante y mudable que determina la evolución jurídica”, são idéias fundamentais e informadoras da organização jurídica da Nação.

Portanto, pela nova interpretação constitucional é estabelecida a necessidade de se cumprirem não só as normas mas também os princípios

Os princípios gerais de uma ciência, na visão de Norberto Bobbio, nada mais são que “normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais graves”.

Sugerindo os princípios com a expressão “mandado de otimização”, Robert Alexy escreveu: “Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferente grau em que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos.”

Também merece destaque, as colocações de German Bidart Campos, que ao se referir à hermenêutica constitucional, pontificou “si hay princípios generales del derecho constitucional (y no sólo la integración) deve girar en torno de ellos, em cuanto gozan de la supremacia de la constitución a la que pertencem.”

Para Marcello Ciotola, “os princípios são definidos como verdades de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de Juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Entendidos como verdades fundantes de um sistema de conhecimento, os princípios, tendo por base sua generalidade ou abrangência, se dividem em onivalentes, plurivalentes e monovalentes.”

Como alicerce do conhecimento, os princípios não podem ser dissociados do contexto geral, cabendo, nesse particular, registrar as colocações feitas por Miguel Reale: “Um edifício tem sempre suas vigas mestras, suas colunas primeiras, que são o ponto de referencia e, ao mesmo tempo, elementos que dão unidade ao todo. Uma ciência é como um grande edifício que possui também colunas mestras. A tais elementos básicos, que servem de apoio lógico ao edifício científico, é que chamamos de princípios, havendo entre eles diferenças de destinação e de índices, na estrutura geral do conhecimento humano.”

Tanto os princípios como as regras de uma Constituição se transformam em normas, porque determinam para toda a sociedade o que deve ser seguido e cultuado.

In casu, os princípios contidos no caput do art. 37, da CF são expressos e determinados, fazendo nascer para a Administração Pública a obrigatoriedade de segui-los, sob pena de cometimento de ato ilegal, distanciado do que vem estatuído na Constituição.

Os princípios sub oculis, como conceituado por José dos Santos Carvalho Filho, são “diretrizes fundamentais da Administração, de modo que só poderá considerar válida a conduta administrativa se estiver compatível com eles.”

Funcionam, assim, os princípios, como normas fundamentais para boa gestão da coisa pública.

Com esta fundamentação, onde os princípios constitucionais caracterizam-se como “raízes” do Direito Administrativo, houve substancial alteração deste ramo do Direito, que passou a ser totalmente vinculado a essa nova filosofia de conceitos.

Destarte, através desta vinculação, os princípios constitucionais passaram a controlar a Administração Pública, em especial no aperfeiçoamento do controle desta quanto aos seus atos discricionários, permitindo uma identificação do ambiente decisório do administrador, em virtude da imposição de parâmetros objetivos de valoração a serem seguidos.

Assim, a oportunidade, a conveniência e o próprio mérito do ato administrativo discricionário não poderão ser desprezados pelos princípios da Constituição, que funcionando como critério objetivo de toda a Administração Pública, devem estar presentes na liberdade de escolha do administrador público. Estes limites de ordem constitucional demarcam o espaço de atuação do administrador, como infere Luís Roberto Barroso: “O poder discricionário, portanto, encontra limites, como já referido, na finalidade legal da norma que o instituiu, mas também, e primordialmente, nas normas constitucionais. No normal das circunstâncias, como no caso examinado neste estudo, a finalidade legal do ato a ser praticado e as normas constitucionais são limites que convivem harmoniosamente para demarcar o espaço de atuação do administrador, mas é importante registrar que, em caso de conflito insuperável entre esses dois elementos, a supremacia será sempre das normas constitucionais, admitindo-se até mesmo que o administrador deixe de dar cumprimento à lei em reverência à Constituição.”

Funcionam os princípios como os vetores à guiar todo ato público, inclusive o administrativo discricionário.

Assim, o ato administrativo discricionário, em seu todo, fica vinculado aos critérios objetivos dos princípios constitucionais, não como uma forma de limitação, mas sim como um aperfeiçoamento da medida a ser adotada.

É preciso que se dê um fim a idéia de que com a vinculação do ato administrativo discricionário aos princípios constitucionais, estar-se-ia impedindo a livre movimentação do administrador, pois esta nova filosofia do Direito Administrativo Constitucional amadurece o ato público qualitativamente. Nada é mais nefasto do que atos discricionários ocultando interesses particulares, contrários à finalidade pública. Por esta razão, a vinculação aos princípios da Constituição na tomada de posição do administrador, evita que fins alheios ao interesse público sejam os prevalentes.

Nesse sentido, precisas foram as colocações de Alexandre de Moraes: “O mérito do ato administrativo, que somente existe nos atos administrativos discricionários, deve ser entendido como juízo de conveniência e oportunidade do administrador, que poderá, entre as hipóteses legal e moralmente admissíveis, escolher aquela que entenda como a melhor para o interesse público. Mérito, portanto, do ato administrativo é o juízo de conveniência e oportunidade, dentro da legalidade e moralidade, existente nos atos discricionários. Dessa forma, enquanto o ato administrativo vinculado somente será analisado sob o amplo aspecto de legalidade, o ato administrativo discricionário também deverá ser analisado por seu aspecto meritório. [...] Assim, mesmo o ato administrativo discricionário está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por Chevalier, ‘o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito’.” -[aspas no original]-

Portanto, a verificação dos princípios constitucionais no ato administrativo discricionário não inviabiliza o critério de oportunidade e de conveniência, visto que estes comandos maiores não impedem a tomada de atos, apenas criam condições que evitam a arbitrariedade e o abuso de poder.

Nessa situação é que o controle jurisdicional é imperioso para o equilíbrio de forças, pois o administrado possui nos princípios constitucionais a garantia de que não será oprimido pela envergadura do poder público.

Assim, como conseqüência do Estado de Direito, não há mais espaço para a criação do ato administrativo discricionário desvinculado dos princípios e das normas constitucionais.

Destarte, a vinculação do Estado à legalidade constitucional retira do administrador público a condição de promover uma escolha livre para a tomada do seu ato discricionário afastada dos princípios constitucionais, pois a sua liberdade não é total na atual fase do Direito Administrativo Constitucional, ela é vinculada aos instrumentos contidos na Constituição.

Não é retirado, por esta ótica, o exercício de competência de um poder-dever funcional, relativamente livre, mas é ressaltado que ele será sempre subordinado a realização de objetivos harmonicamente impostos em um Estado de Direito, desde logo fixados pelos princípios constitucionais.

Portanto, a livre escolha administrativa continua a existir, apenas ela é vinculada aos princípios da administração pública, para que a sociedade tenha a garantia de que os homens públicos atuarão direcionados aos interesses de todos (públicos) e não ocorram desvios de finalidade indesejados.

Em alentado estudo, M. Francisca Portocarrero, averba sobre “discricionariedade pura” no novo âmbito constitucional: “Assim, ao utilizar-se a expressão ‘discricionariedade pura’ não poderá deixar de se ter presente o novo quadro constitucional e legal da discricionariedade, nas modernas Administrações de Estados de Direito. [...] Bem como pensamos que não se pode caracterizar, sem mais, aquela escolha discricionária, entre soluções jurídicas, como verdadeiramente livre, uma vez que ela é condicionada pelos pressupostos fixados pela norma, sendo sempre função deles; e é, ainda, função da aplicação dos princípios jurídicos gerais da atividade administrativa, sempre reguladores do exercício da discricionariedade, máxime os da imparcialidade e da proporcionalidade.” –[aspas no original]-

Em um Estado de Direito, as atividades das autoridades administrativas são vinculadas sempre aos princípios e preceitos da Constituição, não existindo uma zona de atuação “completamente livre”, pois a liberdade consiste em conformar a necessidade do ato aos comandos eleitos para a sua boa e eficaz validade. Com isto, não se retira a competência discricionária do agente público, apenas ela é vinculada aos princípios constitucionais para melhor servir ao interesse coletivo. Não se deve esquecer que os princípios ao serem embutidos na Lei Fundamental já foram ponderados pelo Constituinte, de forma que fosse balizada a atuação da Administração Pública.

Não vigora mais a idéia da discricionariedade clássica, onde a oportunidade e a conveniência eram impenetráveis ao controle judicial, pois os princípios constitucionais foram instituídos para disciplinar uma unidade em todos os atos públicos, podendo haver análise de mérito do ato administrativo.

Deturpa-se, por outro lado, o controle do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário, como se ele fosse o intruso aleatoriamente, descartando-se que a sua missão é combater o excesso de poder do órgão público, quando confrontados seus atos com os princípios e as normas legais.

Ou, como deixamos expresso em outra oportunidade: “A constitucionalização das regras da Administração Pública permite ao Poder Judiciário um controle mais efetivo sobre os atos administrativos. [...] Mesmo o ato administrativo discricionário não poderá ser caracterizado em colisão com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.”

A vinculação da Administração à realidade constitucional faz com que seus atos sejam vigiados, não como uma forma de intervenção em sua conveniência e nem na respectiva oportunidade, e sim para mantê-la condicionada aos seus instrumentos condicionantes. É o mesmo fenômeno que ocorre quando o Poder Legislativo edita uma Lei inconstitucional. Ou seja, quando o Poder Judiciário interpreta a norma e aplica a eficácia da Constituição, na prática ele não extrapola a sua função para transformar-se em legislador.

Tem-se, portanto, que com a função da constitucionalização das normas e dos princípios da Administração Pública, o Poder Judiciário amplia o seu leque de controle sobre os atos do Estado.

Exemplo do afirmado tem-se quando o STF, no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 22307-7/DF, determinou que a remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos e militares fosse na mesma data e no mesmo índice, na forma da redação embrionária do art. 37, X e XV, da Constituição Federal.

O princípio da igualdade, seja no enfoque específico dado ao regime jurídico dos servidores públicos e aos demais princípios expressos na Constituição não deve ser entendido como um dever endereçado somente ao legislador de conceder o mesmo tratamento àqueles que se encontram na mesma situação, mas, também, um dever endereçado ao juiz para que aplique diretamente aos casos levados ao Poder Judiciário a norma constitucional que, conforme aduziu o STF neste precedente, é norma constitucional auto-aplicável diretamente pelo Magistrado e, portanto, dispensa integração legislativa.

Também pelo Mandado de Injunção n. 232-1/RJ, que teve a relatoria do eminente Min. Moreira Alves, concedeu seis meses ao Congresso Nacional para que ele adote as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar, decorrente do art. 195, § 7º, da Constituição Federal, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação seja cumprida, o requerente goze da imunidade tributária requerida.

Estes exemplos são robustos para desmistificar que a impenetrabilidade do ato discricionário público não mais vigora, quando confrontado com os princípios e as normas constitucionais.

Vige o princípio da juridicidade e o condicionamento da discricionariedade administrativa aos princípios constitucionais.

Com isto, não é retirada a liberdade administrativa, apenas ela é condicionada para a melhor solução jurídica para o caso concreto de interesse público: “... o princípio da proporcionalidade, por sua vez, que impõe à autoridade administrativa, no procedimento administrativo da escolha da melhor solução jurídica para o caso concreto de interesse público, a de decidir os vários testes de juridicidade a que deve submeter a decisão.”

Confirmando o que foi dito, a Ministra Eliana Calmon, em magistral julgado ressaltou a nova visão do Superior Tribunal de Justiça, quanto ao controle judicial do ato administrativo discricionário: “Administrativo e Processo Civil – Ação Civil Pública - Ato Administrativo Discricionário: nova Visão. 1 – Na realidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador [...]”

Assim, o critério de hermenêutica conforme a Constituição privilegia a interpretação extensiva da norma legal, e via de conseqüência, pode-se desnudar o ato administrativo discricionário para coteja-lo com o estabelecido na Lei Fundamental.

A justificativa oficial para a ilimitada ampliação da abrangência da atuação administrativa, pauta-se em aventada mudança no perfil do Estado, que teria deixado de ser “liberal” passando a assumir posturas “sociais”, com vista a assegurar os direitos à saúde, assistência, educação, etc.

Abstraindo-se da constatação de que tais propósitos não foram atingidos, o que por si só espancaria a validade da justificativa, não se pode olvidar a advertência de Pontes de Miranda, quanto ao risco de supressão das conquistas obtidas com o liberalismo, em nome da suposta efetivação de direitos fundamentais de segunda e terceira dimensões: “Há de aproveitar-se o que já se alcançou; levar-se consigo o que se tem, ao ir-se buscar o que se não tem. Deixando-se o que se tem, ter-se-ão de percorrer outras estradas para readquirir o que se deixou no meio do caminho.”

Assim, a liberdade na aferição da oportunidade e conveniência da atuação administrativa, impõe balizamento não só na Lei, como nos princípios constitucionais, não se autorizando, ao intérprete e operador do Direito, sopesa-los à sua conveniência invocando a preponderância de interesses ditos “sociais”, já ponderados pelo Constituinte originário.


Autor: Bruno Landim Maia


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