PARALELO ENTRE O FILME ''MY FAIR LADY'' E O LIVRO ''PRECONCEITO LINGUÍSTICO''



MY Fair Lady (Uma Bela Dama).Direção: George Cukor. Produção: Jack L. Warner. Coordenação: Gil Gagnon. Warner Bros Pictures, 1 DVD de vídeo (172min), son, color.

BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. 48. ed. São Paulo: Loyola, 2007. 183 p.

Resenhista: Maura Schwanck Maia

O filme "Uma Bela Dama" aborda questões relativas às variedades linguísticas do dialeto inglês, mostrando que valores como o respeito ao ser humano, por exemplo, perdem espaço na sociedade na medida em que se sobressaem atitudes mesquinhas e ignorantes que tratam (consciente ou inconscientemente) com diferença àqueles cujo dialeto não corresponde aos preceitos da língua considerada pelos linguístas como culta ou padrão. Além disso, o filme mostra também a proporção do desnível entre a língua padrão e a não-padrão, visto o sofrimento (físico e psicológico) e a humilhação que o indivíduo deve enfrentar para apreender [1] a fala culta, dita correta, em seis meses. Isso parece mesmo um grande engano: aprendizagem cronometrada. É verdade que podemos estimular um período em que certo conhecimento deve ser "adquirido". No entanto, ao final desse período, devemos avaliar se o objetivo principal do nosso trabalho foi atingido ou não, jamais desconsiderando a hipótese da necessidade de prorrogação desse prazo. Afinal, a capacidade de raciocínio do ser humano varia de indivíduo para indivíduo, não podendo, então, seguir um tempo determinado.

Mas, foi bem isso que pudemos acompanhar no enredo da longa metragem dirigida por Cukor: o drama de uma jovem vendedora de flores, dona de um dialeto cheio de vocábulos "errados" na concepção de um professor linguísta, especialista em análises fonéticas e "detentor" da língua culta que, por isso, resolveu "ensinar", "passar" ou "transmitir" à jovem o seu conhecimento linguístico, submetendo-a a exercícios repetitivos, tais como provas de resistência física e psicológica.

Relacionemos nesse contexto a ideia de Bagno (p. 40), quando o autor fala sobre o mito de que "as pessoas sem instrução falam tudo errado". Diz ele, ainda, que esse pensar está ligado a um outro mito, o número um dentre os oito citados por ele: "A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente". Ou seja, o (pre)conceito da "unidade lingüística do Brasil" (p. 15) leva-nos a crer na existência do erro na língua quando em uso (oral ou escrito, já que temos uma tendência maior a escrever de acordo com o modo que falamos), não aceitando, muitas vezes, nem mesmo o fenômeno da variação linguística, tão defendida por Bagno em seus escritos.

Segundo o autor, ainda, o preconceito linguístico é um codinome do preconceito social, porque o português não-padrão pertence à classe social desprivilegiada, que não tem acesso à escola e à cultura da elite. Sendo assim, a língua falada por essas pessoas "sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada 'feia', 'pobre', 'carente', quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola" (p. 42) [grifo do autor]. Desse modo, afirma que o problema não está naquilo que é falado, mas em quem fala o quê. E prossegue esclarecendo a questão da diferença como uma consequência de fenômenos perfeitamente explicáveis pela linguística, citando o exemplo do rotacismo, que participou da formação da língua portuguesa padrão (p. 43).

Consideremos também o mito número seis de Bagno: "O certo é falar assim porque se escreve assim" (p. 52). Infelizmente essa é a tendência do ensino do Português nas escolas: querer obrigar o aluno a pronunciar "do jeito certo que se escreve". O autor concorda com o ensino da língua escrita de acordo com a ortografia oficial, mas desconsidera a criação de uma língua falada "artificial". Diz ainda que esse ensino não pode reprovar como "erradas" as pronúncias que são resultado natural das forças internas que governam o idioma (p. 52-3). Percebemos, assim, implícitas nessas palavras de Bagno, a influência de Chomsky e Pinker, que defenderam a teoria da linguagem instintiva.

Bem diferente de tudo o que é defendido por Bagno, acontece no filme "Uma Bela Dama", pois a todo momento a jovem florista, que é a personagem principal, sofre pelo preconceito da sua fala "errada", fator esse que foi o impulsor do seu desejo de querer lutar contra as suas forças internas e adquirir uma nova língua que lhe desse uma nova imagem social.

Bagno critica essa ideia rotulando-a como mais um grande mito: "O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social". E continua ironizando: "Ora, se o domínio da norma culta fosse realmente um instrumento de ascensão na sociedade, os professores de português ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e política do país, não é mesmo?" (p. 69). No entanto, o filme retratou uma visão diferente, pois ao final dele entendemos que a personagem da florista conseguiu, depois de muito sofrimento, adquirir uma nova língua (bastante artificial, por sinal, conforme já citado por Bagno) e, tendo ela como objeto de privilégio, exibiu-se à elite como uma dama de ouro, despertando o desejo de vários homens, inclusive o de seu próprio professor que, depois de "moldar" uma mulher humilde transformando-a em um "ser possuidor do português, da cultura prestigiada e de uma infinita beleza", apaixonou-se e quis ficar junto dela, o que nos induz a imaginar que ela também passou a ser rica como ele.

Outro ponto do filme que contradiz Bagno é a visão de que "é preciso saber gramática para falar e escrever bem". O autor coloca isso como mais um mito presente na sociedade, pois, se assim fosse, "todos os gramáticos seriam grandes escritores (o que está longe de ser verdade), e os bons escritores seriam especialistas em gramática". E prossegue citando como exemplos figuras muito reconhecidas no campo das letras, tais como Ruben Braga, Carlos Drummond de Andrade e o tão fabuloso escritor Machado de Assis. Já o filme, sob uma influência bem estruturalista, remetendo-nos, então, a Saussure, demonstra a importância da gramática para adquirirmos uma linguagem correta, culta, prestigiada.

Como vimos, a obra de Bagno, "Preconceito Lingüístico", diverge em vários aspectos com o filme "Uma Bela Dama". Porém, há um ponto em comum entre eles: ambos reconhecem a existência do fenômeno das variações linguísticas, mesmo não tendo a mesma opinião sobre elas. Afinal, Bagno as trata como formas diferentes de falar, enquanto "Uma Bela Dama" considera como errada qualquer manifestação da fala que não seja correspondente às normas ditadas pela gramática tradicional, que, para Bagno, é "totalmente artificial, exige treinamento, memorização, exercício, e obedece a regras fixas, de tendência conservadora, além de ser uma representação não exaustiva da língua falada" (p. 55).

Depois desse estudo e reflexões e com esperança de que a sociedade mudará seu pensamento para mudar a realidade, acabando com o preconceito que é crime e fere a dignidade humana, finalizamos com as sábias palavras ditas por Bagno ao falar do preconceito linguístico defendendo a importância de assumirmos "[...] o tom apaixonado de quem não tolera nenhum tipo de intolerância, principalmente quando é fruto de uma visão de mundo estreita, inspirada em mitos e superstições que têm como único objetivo perpetuar os mecanismos de exclusão social" (p. 12).




Autor: Maura Maia


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