Concurso Público e Democracia



No artigo 3º., inciso I, da Constituição Federal (CF) consta que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Tal orientação tem por finalidade minimizar as desigualdades entre concidadãos brasileiros, oferecendo a estes as mesmas oportunidades e condições para exercerem seus direitos e cumprirem seus deveres. O Estado Democrático de Direito não pode ser amoldado a certas condutas estatais que se voltam para a particularidade de uns ou interesse escuso de outros. Um dos dispositivos em nosso ordenamento, que é corolário do princípio democrático e implica no ideal de uma sociedade justa, é o artigo 37, inciso II: “A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

A norma é clara em afirmar que o acesso ao cargo público dar-se-á mediante a concurso. A finalidade é, por obvio, dar igualdade de oportunidade àqueles que almejam atuar na Administração Pública. Isso impede a possibilidade de privilégios ilegais. Qualquer pessoa, desde que maior e ciente de seus direitos e deveres, pode concorrer a uma vaga na Administração Pública. O princípio democrático implícito no dispositivo acima elimina qualquer possibilidade de exclusão social. A própria Constituição nos orienta no artigo 5O., caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade [...]”.

Embora o pleito de vaga na Administração Pública, mediante a concurso, seja constitucional, parece-nos que em Brasília, no Congresso Nacional, alguns parlamentares insistem em ignorar a democracia e tentam a todo custo priorizar na pauta de votação algumas propostas que vão de encontro ao artigo 37, inciso II da CF. Entre elas, a Proposta de Emenda Constitucional 54 de 1999 (PEC 54/99) que tem o objetivo de efetivar, sem concurso, funcionários, estáveis ou não, ao quadro temporário em extinção, à medida que vagarem os cargos ou empregos respectivos, o que seria uma afronta a Constituição.

A PEC 54/99 visa acrescentar dispositivo legal ao ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), deixando claro que quem está, há pelo menos dez anos continuados, trabalhando na Administração Pública, na data de promulgação da emenda constitucional, e que não tenha adquirido cargo na forma prevista pelo artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, por efeito do artigo 19 do ADCT, passa a integrar quadros funcionais de caráter temporário. Funcionários comissionados ou terceirizados, ou seja, sem concurso público, da União, Estados, Municípios, bem como os de empresas públicas, sociedade de economia mista serão beneficiados. A proposta é apenas um dos dilemas que podem ferir a moralidade da Administração Pública e cerceia o princípio da impessoalidade, pois o acesso ao cargo público deve ter critérios, estes somente garantidos por concurso público. Nessa linha, afirma Marçal Justen Filho (2006, p. 597-598): “O concurso público objetiva assegurar que a seleção dos titulares de cargos de provimento efetivo oriente-se pelo princípio da impessoalidade. A escolha refletirá as virtudes e capacidades individuais revelados na avaliação objetiva, segundo critérios predeterminados de virtuosidade física e (ou) acidade intelectual”.

Fabrício Motta (2006) também conclui: “[...] O acesso aos cargos e empregos públicos deve ser amplo e democrático, precedido de um procedimento impessoal onde se assegurem igualdade de oportunidades a todos interessados em concorrer para exercer os encargos oferecidas pelo Estado, a quem incumbirá identificar e selecionar os mais adequados mediante critérios objetivos”. Segundo Mottta (2006), um dos “princípios-maiores” do concurso público, o democrático, é “[...] fulcrado na premissa de que todos têm direito de concorrer para ocupar as posições estatais [...]”.

Mediante aos argumentos acima, concluímos que a PEC 54/99 não deve ser aprovada pelo congresso, pois não tem interesse relevante para a democracia, é uma proposta desprovida de interesse social e abarca somente alguns beneficiados, mas não dá oportunidade a todos, ferindo assim a Constituição Federal. Somente com o concurso público, previsto em nossa legislação, seria possível aparar as arestas da desigualdade.   

Referências bibliográficas:

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. –35. ed. atual. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2005. – (Coleção Saraiva de Legislação).

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo.  São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

MOTTA, Fabrício. Concursos públicos e o princípio da vinculação ao edital . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 972, 28 fev. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8035>. Acesso em: 21 ago. 2007.

Autor: Antoni Tadeu Pansardi


Artigos Relacionados


Efetivo ExercÍcio No ServiÇo PÚblico Como CondiÇÃo Para Aposentadoria VoluntÁria

O Princípio Da Publicidade

Desapropriação Da Propriedade

Nepotismo E Profissionalização Da Administração Pública

Ato Administrativo - Legalidade E Moralidade

A Administração Pública E Seus Princípios.

Jornada De Trabalho No ServiÇo PÚblico