UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS SOB A TUTLA DOS INSTITUTOS LEGAIS DE ELITE



No Brasil o sistema democrático tem sido alvo das maiores incompreensões e os direitos humanos, como seu subproduto, tem sofrido os abalos práticos de tal ignorância. Já tivemos alguns avanços na implementação dos direitos humanos, mas ainda há muito por fazer. Alguns efeitos são sintomáticos na fraqueza de consciência do cidadão que limita sua igualdade política e social apenas ao direito do voto e, ainda assim, facilmente manipulável tornando-o num produto auferível em preço monetário desmoralizando o instituto do sufrágio.

Aquele conjunto de direitos inerentes ao homem, que costumamos chamar de direitos personalíssimos, nada mais é do que enfeite de bolo ou, quando muito; meras cópias de padrões normatizados e praticados em países onde a diferença e exclusão social não se podem comparar aos brasileiros. Afirmar que somos uma sociedade em desenvolvimento, enquanto aqueles países são desenvolvidos é subestimar o potencial natural e intelectual desta terra e povo. Plenos direitos humanos não serão medidos, necessariamente pelo potencial econômico de um povo, mas pela sua capacidade de transformar seu rendimento bruto revertendo-o às melhores condições de saúde, educação, moradia, alimentação, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (art 6º da Constituição Federal), distribuídos com eqüidade.

Semelhantemente à democracia praticada na antiga Grécia socrática, onde os escravos eram impedidos de participação nas diretrizes políticas e sociais, pratica-se em nosso país algo semelhante a um escravagismo capitalista, já que milhares de brasileiros produzem sem justa participação nos lucros que, por sua vez, potencialmente trarão melhores condições de educação, saúde e cidadania.

Os institutos legais acabam funcionando como uma engrenagem do aparelho estatal liberal e elitista quando se trata a lei segundo uma hermenêutica tecnicista que só favorece o racionalismo capitalista, ao passo que os direitos humanos caminham à margem da história, cuja avenida do tecnicismo racionalista favorecerá tão somente hipócritas organismos internacionais com seus fétidos discursos que se projetam apenas na base da demagogia. É com esta mentalidade sofística que os Estados Unidos, por exemplo, participa da lista dos países que defendem a bandeira da ecologia, quando tais lideranças políticas, sequer movem um dedo em seu favor.

Neste rumo se popularizou a Amazônia como o pulmão do mundo quando as intenções veladas, principalmente norte-americanas, não são com pulmões, pés, intelecto estrangeiro e seus direitos; mas com riquezas naturais exploráveis e passíveis de conversão em capital. Assim como a política de guerra norte-americana, de forma moralista dizia do terrorismo como uma ameaça à paz mundial, quando era o petróleo iraquiano que significava uma ameaça, longo prazo, ao capitalismo e à política de Bush.

Não sejamos ingênuos. Não pensemos que as ações de banqueiros internacionais, grandes industriários estrangeiros, e tecnocratas do direito formal, simpatizam-se com os direitos humanos porque atrás dele está o detentor de direitos no estado democrático, porque esta luta não alcança êxito nas ações de grandes capitalistas, mas sua base tem que ser construída a partir dos explorados e excluídos. Os efeitos dos discursos dos direitos humanos na boca dos elitistas e madames do estado burguês são como o efeito placebo na medicina, ou como complexo B para hipocondríaco; tem rótulo, mas sua fórmula é neutra. Podem até traçar diagnose, mas pouco se importam com curas físicas e com o psiquismo humano.

É preciso informar a consciência de que os propagadores dos direitos humanos se ocupam em distorcer seu sentido em três vias:

Primeira: Através de ações internacionais visando minorias que são iludidas de que países como Estados Unidos, através de uma ditadura de direitos humanos feitos por imposição estão apadrinhando seus ideais de valores humanos.

Segunda: De que os direitos humanos se constroem na base dos sofismas e da retórica. Direitos humanos não são da metafísica, nem muito menos, da sofística elitista. Não são para as cátedras áridas das grandes Universidades, ainda que os valores da cidadania aparecem aí, como uma proposta nobre; mas os direitos humanos são para a prática intrínseca e urgente.

Terceira: O imperioso engano de que o direito formal já estatuiu tudo o que é inerente aos direitos do homem, basta aplicar a lei de forma tecnicista. Diz Mascaro: "O jurista que se utiliza dos direitos humanos porque são lei não faz mais nada a não ser respaldar a legitimação do sistema que confina o direito às leis inefetivas" (MASCARO: 2003, 56).

Dados estes três pontos de distorções na propagação dos direitos humanos nota-se que a questão deve ser tratada radicalmente e não com paliativos das teorias jurídicas, como vem sendo feito até o presente momento. O tratamento de forma radical das questões humanas no âmbito social tem sido bem discutido a partir de Marx na relação que estabelece entre o social e o conjunto de ações humanas capazes de criar as indispensáveis condições à existência da sociedade (praxes). No marxismo os direitos humanos saem da discussão para a prática, da mera resolução formalista para o exercício pleno dos direitos humanos, da declaração universal para a conduta individualizada e generalizada. É no aspecto social do homem que Marx ocupou lugar perene na órbita dos direitos humanos porque conseguiu sensibilizar o problema das relações sociais e explorações dos excluídos.

Mas é preciso criticar as generalidades formais como estando a serviço da burguesia, pois os direitos humanos a partir do marxismo deixam as generalizações e encontra o indivíduo nas lutas de classes. A igualdade, a liberdade ou a isonomia formal que não se concretiza joga no time da igualdade, da liberdade e isonomia burguesa. A vitória dos direitos humanos na burguesia é a vitória do capitalismo. Portanto, a sensibilidade de mentes e corações que se voltam para as propagações de grandes lojas que tiram parte de seus lucros, uma vez por ano, para ofertar a uma causa social, não passa de sentimentalismo, cujos cidadãos embriagados de sentimentos, não conseguem ver o retrocesso aos grandes problemas sociais, aos antigos problemas da violência e o retrocesso aos direitos humanos formais, universais e burgueses.

Por isso, não se pode olhar os direitos humanos fora da realidade interna e da ótica dos explorados e não da visão capitalista da globalização. Os violadores dos direitos humanos são os da burguesia e eles se personificam na estrutura social, nos aparatos estatais de repressão e na mídia. A participação ativa nos princípios de cidadania deve ser do interesse da sociedade civil, pois o Estado não se ocupa de tal labor e quando o faz, não deixa de ser superficial e casuísta.

Os direitos humanos precisam travar duas grandes lutas para sua efetivação:

Primeira: Não permitir a desmoralização dos direitos humanos, quando as leis são compradas pela elite.

Segunda: A luta deve ser para tirar os direitos humanos das mãos de uma minoria burguesa, por que aí se liberam as estruturas econômicas, sociais, produtivas e políticas. Será preciso aperfeiçoar e modernizar o Estado para que seja o tutor de seus cidadãos, mas também conscientizar, passar segurança e garantir que o cidadão é participante das políticas sociais e não permanecer a atual noção de que o Estado transmite medo e pune.

Problematizando o Assunto

Finalmente, cabe uma crítica a atual insuficiência da propagação dos direitos humanos formais. A compreensão meramente formalista e individualista, que por definição está a serviço dos grandes grupos multinacionais como uma reflexão e ação burguesa é a grande causadora dos imensos problemas de se implantar em solo rochoso a plenitude dos direitos humanos no nosso país?

Os direitos humanos formais, sociais principalmente, são antagônicos aos interesses de mercado em todo o mundo? De quem é o dever de estancar a barbárie, através de direitos humanos hoje, é do Estado ou é do direito formal? São os "senhores feudais do capitalismo", com suas empresas transnacionais, as maiores barreiras para a liberação dos direitos humanos plenos? É o narcotráfico um problema sintomático de falta de consciência dos direitos humanos?

"A luta pelos direitos humanos sempre foi a luta pela sociedade justa. Sua tutela formal é imprescindível aos nossos dias neoliberais, porque prepara o chão da batalha. A consciência da transformação social (...) é a parede que se levanta deste chão forte, é o abrigo da sociedade plena e da humanidade justa" (Mascaro: 2003: 66).


Autor: Abner Carneiro


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