UM BRASIL PARA BRASILEIROS?






 

Historicamente podemos afirmar que a soberania nasce com o Tratado de Westfalia, de 1648, após a derrota do Sacro Império Romano-Germânico, na Guerra dos Trinta Anos. Esse Tratado restabeleceu a paz na Europa e inaugurou nova fase na história política daquele continente, propiciando o triunfo da igualdade jurídica dos Estados, solidificando as bases de uma regulamentação internacional positiva.

 

            O fato eliminou o poder da Igreja nas relações entre os Estados conferindo aos mesmos o direito de escolher seus próprios caminhos econômicos, políticos ou religiosos. Eis que surge, a partir daí, o consagrado modelo da 'soberania externa absoluta', iniciando-se uma ordem internacional protagonizada por nações com poder supremo dentro de fronteiras territoriais estabelecidas.

 

            Um pouco mais tarde, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (surgida com a Revolução Francesa) criou algumas características da soberania, que foram adotados por várias Constituições: unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade.

 

            No limiar do século XXI o termo soberania vem sendo bastante discutido no meio acadêmico e junto às sociedades civis organizadas. A complexidade dos problemas surgidos na contemporaneidade, principalmente em função da chamada 'Economia Globalizada' vem colocando em cheque o conceito do que realmente vem a ser soberania.

 

            Se você só consegue enxergar a questão de soberania com relação a questão de limites de domínio territorial, você pode estar equivocado. Explico. A dependência econômica, implementação de hábitos e costumes de forma exagerada visando o consumo de produtos produzidos por país 'X' ou 'Y', também pode culminar na perca de soberania. Para ser mais claro, um país que não tem identidade cultural perde uma parcela considerável de sua soberania – e neste caso o Brasil já perdeu a sua a muito tempo.

 

            Outros fatores têm contribuído sobremaneira para a redefinição do conceito de soberania: o agrupamento dos países em blocos, os direitos humanos e o meio-ambiente. Este último, inclusive vem sendo muito comentado no Brasil em função do 'olho grande' que nações poderosas têm colocado sobre a nossa Amazônia.

 

            Quando lecionei história, nas aulas sobre o período antigo, época expansionista do Império Romano, costumava sintetizar (grosso modo) a estratégia de consolidação do 'Império de César' e um dos motivos de sua conseqüente queda, da seguinte forma: o erro dos romanos foi invadir territórios sem antes invadir seus costumes, línguas, e outros detalhes imperceptíveis, para só então tomar a força as cidades... bom, para um bom entendedor, um pingo é letra, afinal é só observar que nos dias atuais estão utilizando de um 'técnica romana invertida', ou seja, primeiro se impõe os costumes, a língua, a dependência econômica e monopólio da moeda, e depois... bom, o resto dá para imaginar...

  

            Deixando os trocadilhos de lado, fato é que o Estado já não é mais soberano absoluto nem dentro de seu território, em relação a seus próprios súditos.

 

            Pode-se dizer que a soberania apresenta dois aspectos: o interno e o externo. O primeiro reflete a vontade soberana do Estado, quer dizer, a vontade que predomina sobre a dos indivíduos e grupos sociais existentes em seu território. É o "direito de mandar". O segundo aspecto refere-se à vontade independente do Estado, ou seja, a vontade que não permite que o Estado se subordine, total ou parcialmente, à vontade de outros Estados.

 

            Na prática, entretanto, tem-se percebido que o Estado não possui vontade inquestionável e ilimitada para se relacionar com outros países, e tampouco tem o poder de decidir o que quiser com relação à sua população.

 

            Mas podemos afirmar que, com relação aos limites da soberania, ela não será afetada, desde que as limitações, a interdependência, ocorram devido à vontade do Estado, a acordos espontâneos que ele faz com outros Estados soberanos – lembramos que o Estado é formado pela nação, por representantes escolhidos pela vontade de seu povo, ou pelo menos deveria ser assim em um Estado Democrático.

 

            A soberania parece estar intrinsecamente ligada ao poderio econômico; ela não passa do plano conceitual para o real se não estiver acompanhada de poder econômico. É claro que os Estados sempre interferiram uns na soberania dos outros, invadiram, colonizaram, escravizaram, mas na atualidade a limitação da soberania por meios não bélicos tornou essa interferência muito mais sutil: o Estado é soberano em teoria (por isso é Estado), mas, na prática, gerencia seus assuntos internos e internacionais mais pensando na reação mundial ou de determinados países do que conforme aquilo que poderia fazer enquanto Estado soberano.

 

            Na prática, o que se vê é que a soberania tem graus quase infinitos, que variam de acordo com o poder econômico que cada país possui, ou seja, a soberania muda conforme as formas de organização do poder e, hoje, quem tem o poder é quem tem o poder econômico.

 

            Essa disparidade entre o conceito e a realidade só tende em aumentar se tema não for exaustivamente debatido para rever o conceito de soberania. Ademais, a soberania do Estado não é ilimitada e tampouco é o Estado completamente independente.

 

            Os EUA é um caso que merece destaque. Eles são a prova viva de que "uns países são mais soberanos do que outros". Eles praticamente não precisam de outros países, ou, melhor dizendo, os outros países precisam infinitamente mais deles do que o contrário. Com isso, os EUA sofrem muito menos limitações à sua soberania do que qualquer outro país do planeta: eles não assinam acordos relacionados ao meio ambiente, não respeitam os direitos de prisioneiros de guerra, declaram abertamente que torturam presos suspeitos de terrorismo e invadem países contra a vontade do mundo inteiro, mas pressionam, quase obrigam outros países a fazer o que eles (EUA) querem com relação aos seus (dos outros países) bens ambientais, e assim por diante. O tema é bastante polêmico e merece um exaustivo debate da sociedade brasileira para definir-mos qual o Brasil queremos deixar para nossas futuras gerações.

 

 

 

* Texto publicado em jornal impresso e escrito pelo autor com base em anotações de aula de Ciência Política proferida pelo Advogado e Professor Sady Pigato (2002) e consulta a obra de Paulo Bonavides, Ciência Política, cap. 9, Malheiros, 2002 e diversos textos na internet.


Autor: HERÁCLITO NEY SUITER


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