OS NEOLOGISMOS EM SAGARANA, DE GUIMARÃES ROSA



OS NEOLOGISMOS EM SAGARANA, DE GUIMARÃES ROSA.

Alisson Luiz da Silva

A SAGA

Sagarana, obra de estréia de João Guimarães Rosa, anteriormente era conhecida por “Contos”, e somente em 1946 passou a ser chamada pelo título criado a partir da junção das palavras Saga, que significa: narrativa fecunda em incidentes; narrativa, história, conto; e a palavra Rana: pospositivo, do tupi ‘rana’; semelhante, parecido a, da feição de; é uma obra de grande valor histórico e estilístico para a literatura regional que se fazia naquele momento.

Foi através de seu renovado léxico, que Guimarães Rosa revitalizou o regionalismo, que estava estagnado, quase desaparecido. Este escritor com seus “nomes novos”, que impregnam toda a obra, nos faz pensar no grande potencial criativo que a Língua Portuguesa tem em si mesma, portanto, é com essa obra dividida em contos que João Guimarães Rosa debuta no universo literário e nos presenteia com a mais bela demonstração do quão magnífica é a nossa língua.

O autor atribuía o mais alto valor à linguagem, pois não querendo se sujeitar ‘à tirania da gramática nem à dos dicionários dos outros’; concebe a linguagem como ‘metáfora para honestidade’: ‘o brasileiro ainda fala, também no sentido filológico, honestamente’; cria um novo dicionário, uma nova língua dentro do português para suprir suas necessidades lingüísticas.

A GERAÇÃO REGIONALISTA

A literatura moderna pode ser considerada, em um plano histórico mais geral, com todos os abalos que sofreu a vida brasileira em torno de 1930 (a crise cafeeira, a Revolução, o acelerado declínio do Nordeste, as fendas nas estruturas sociais), uma literatura de estilo marcada pela rudeza do naturalismo, bastante funcional no plano da narração-documento que então prevaleceria. Os anos trinta, marcados pelo regionalismo, onde seus autores-narradores preferiram, em vez de uma escrita impessoal, sem maiores preocupações sociais, uma visão crítica das relações sociais. Surge, assim, uma escrita denunciadora das mazelas do sertanejo, que entregue a seu destino, resignava-se a ser “fera” entre “homens”.

Toda a literatura que fora criada no decênio de trinta, introjetada por um “realismo bruto”, beneficiou-se amplamente da descida à linguagem oral, aos brasileirismos e regionalismos léxicos e sintáticos; porém, no plano vocabular, os escritores regionalistas da década de trinta, enfrentavam um problema de suma importância para a criação literária: como descrever a fala sertaneja: com o léxico culto, próprio do autor, ou a fala simples, própria do sertanejo? Ou a junção das duas? Encruzilhada que levou ao enfraquecimento do movimento regionalista.

Na década de quarenta, surge uma geração, que imbuída de toda carga política e amadurecimento próprios de quem passou por tantas crises, principalmente da própria influência da geração de trinta, refaz o percurso natural à revitalização do regionalismo. É João Guimarães Rosa com sua prosa, junção de poesia e mitologia, que refaz e reinventa a linguagem.

Imerso na musicalidade da fala sertaneja, ele desfaz as dúvidas com a criação de um léxico próprio que pudesse representar a fala sertaneja. A força da linguagem particular de Guimarães está nos neologismos, na recriação e na invenção das palavras, sempre tendo como ponto de partida a fala do homem do sertão.

AS CONSTRUÇÕES LINGÜÍSTICAS

A linguagem diferenciada de Guimarães Rosa se deve à incessante busca do autor por perfeição, como afirma Edna Nascimento a respeito da tendência perfeccionista do escritor, “apenas sou incorrigivelmente pelo melhorar e aperfeiçoar, sem descanso, em ação repetida, dorida, feroz, sem cessar até o último momento, a todo custo. (...).” As inovações lingüísticas de Guimarães não se resumem ao léxico, que já estaria de bom tamanho, mas a incessante busca do autor por grandeza no ato de escrever o tornou, sem exageros, um escritor sem igual em nossa literatura, pois ao transcrever a fala sertaneja, criou, também, uma sonoridade nova no modo de narrar. Trabalhou a escrita de forma a concatenar ritmo e melodia dando à literatura regionalista uma nova dimensão, uma nova língua.

Toda voltada para as forças virtuais da linguagem, a escritura de Guimarães Rosa procede abolindo intencionalmente as fronteiras entre narrativa e lírica, distinção batida e didática, que se tornou, porém, de uso embaraçante para a abordagem do romance moderno.

Guimarães Rosa foi um prosador de língua própria, com um vocabulário seu. Em Sagarana, podemos perceber o iniciar do que se acredita ser o caminhar do homem ao diferente, ao novo, presente desde o primeiro conto O burrinho pedrês. E sendo a vida um constante fluir, ou seja, algo em perpétua mutação, a linguagem também deve constantemente evoluir. Como tudo na vida, as formas da língua também envelhecem e se tornam completamente inexpressivas após uso prolongado: palavras perdem o seu significado original, expressões se tornam obsoletas e ao autor cabe revitalizar a linguagem.

Nos nove contos, encontramos o predomínio da palavra, sua importância no ato de viver de cada homem. A palavra é a personagem principal, é por ela que se vive, e as personagens são seus veículos, coadjuvantes do comunicar, é como se a palavra existisse independente da pessoa que fala e isso é representado beneficamente em cada conto. As construções lingüísticas ocorrem de maneira fluida, natural, tal como se pudéssemos ouvir e ver as personagens falando ao nosso lado. Podemos observar na escrita de Guimarães a evocação da pureza do primeiro “dizer”, da criação do mundo. E seus personagens são os criadores e criaturas do verbo.

A matéria prima da qual Guimarães faz uso para a recriação é o neologismo, a palavra nova, o mundo a ser reinventando a partir da manifestação verbal de um léxico particular. Segundo Ieda Alves, “o acervo lexical de todas as línguas vivas se renova. Enquanto algumas palavras deixam de ser utilizadas e tornam-se arcaicas, uma grande quantidade de unidades léxicas é criada pelos falantes de uma comunidade lingüística.” Do processo de criação de novas unidades léxicas resulta os neologismos.

No português do Brasil, as construções neológicas se dão de várias formas. Os neologismos podem ser formados por mecanismos oriundos da própria língua, os processos autóctones ou por itens léxicos provenientes de outros sistemas lingüísticos.

Os exemplos mais comuns de neologia em Sagarana surgem por sufixação, não obstante a derivação prefixal ser extremamente produtiva no português contemporâneo. Ou seja, a maior parte de suas criações são elaboradas a partir da derivação sufixal, tais como: bovinamente; desberganhar; querência; circundução; boamente; e muitas outras construções que se subdividem em derivação por prefixação e parassíntese.

OS TEMAS E AS INOVAÇÕES

Aos ler os contos de Sagarana, devemos ter em mente, que ao pano de fundo da vida do sertanejo acrescentou-se toda a mitologia do sertão. Cenário de todos os contos. Os enredos se chocam entre o plausível e o intangível, onde Guimarães soube criar, como ninguém, o belo a partir do que o sertão tem de amedrontador: as forças naturais com sua evolução constante. Para que isso fosse feito, buscou na melodia e sonoridade, própria do ser humano, o material essencial de sua construção literária. Sendo assim, nenhum de seus neologismos foi criado do nada e para nada e sim da matriz que é a própria linguagem humana.

Modismos, formas populares de dizer as coisas, tudo isso era cuidadosamente absorvido e reelaborado. A sua ‘linguagem espontânea, que crescia como o mato e se coloria como as flores, sem pedir licença.’ Foi o que disse Cândido Motta Filho. E Raymundo Magalhães Júnior nos afirma? ‘Os seus neologismos não eram fabricados à toa. Trabalhando à maneira de Rebelais, ele os fabricava como quem fabrica um filigrama. Mas ia buscar as raízes na língua húngara, na língua alemã, nas línguas escandinavas, por que passava a sua curiosidade.’

Sendo Guimarães um homem que cria a partir da palavra, antes de tudo, não era de se esperar outra coisa se não a busca incessante pela perfeição ao recriá-la como léxico do falante sertanejo. Suas inovações reinventaram a prosa regionalista, e a puseram em destaque novamente. O seu alto apreço ao léxico como faculdade da alma, fora a porta de entrada para criações como: merenguém, zaranza, catacega, santiamém, saudadear, ferrabrás, poitar, varejoadas, aquerenciado, etc.

CONCLUSÃO

O livro Sagarana pode ser considerado como um arcabouço para todas as outras obras, sendo assim, o autor não podia falhar em mostrar que era o discurso que estava em jogo. Com isso, fez do léxico sua ferramenta perfeita e de Sagarana sua obra determinante.

Conhecedor das artimanhas do português fez da estrutura padrão a não padrão, ou seja, inverteu a estrutura sintática rompendo os limites da língua, porém dentro das regras que ela mesma impõe, pois como todo bom conhecedor sabe que a língua é instrumento de liberdade apenas se você a conhece e domina.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

-ALVES, Ieda Maria. Neologismos: criação lexical. 2 ed. São Paulo: Ática, 2004.

-BOLLE, Willi. Fórmula e Fábula. São Paulo: Perspectiva, 1973.

-COVIZZI, Lenira M. & NASCIMENTO, Edna M. F. S. João Guimarães Rosa: Homem Plural e Escritor Singular. São Paulo: Atual, 1988.

-MARTINS, Nilce Sant’Ánna. O Léxico de Guimarães Rosa. 2 ed. São Paulo: Edusp, 2001.

-ROSA, Vilma Guimarães. Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai. 2 ed. Rio de Janeiro, 1983.
Autor: Alisson Silva


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