Café Amargo



Está tudo escuro, não dá pra ver nada.
Meu corpo está todo dolorido. A dor é tanta que parece chegar até os ossos ! Minha cabeça dói  demais.
Sinto muita poeira no ar.
Estou deitado com as costas voltadas para o chão.
Tento esticar a mão para cima, mas bato com força no teto !
Começo a tatear a minha volta.
Que lugar apertado !
Onde estou ?
Será que fui enterrado vivo !?
Meu Deus, preciso sair daqui !
Começo a gritar, mas ninguém responde.
A sensação de claustrofobia se abate sobre mim.
Tento empurrar o teto desesperado, mas ele fica imóvel.
Entro em pânico e grito novamente, gritos de pavor.
Fico chorando e gritando como criança... perdi a noção do tempo.

...

Depois de algum tempo eu paro... estou cansado e ofegante... não consigo controlar a respiração e suo abundantemente.
Desespero !
Me tire daqui, meu Deus !
Como fui parar aqui !?
Espere ! Ouço gemidos vindo de perto, mas não vejo ninguém.
Ei ! Tem alguém aí ?
Gemidos....só ouço gemidos e choros.
Será isto o inferno !?
Alguém grita: Me ajude, por favor !
Apesar da dor, tento me sentar, mas tudo o que consigo foi bater a cabeça no teto.
Mas que lugar apertado !
O chão está irregular, sinto como se estivesse em uma pequena rampa, tem pedras nas minhas costas e à minha volta, e elas se esfarelam.
Volto a tatear e percebo que tudo parece irregular... será uma caverna ?
Preciso manter a calma e entender o que está acontecendo. Procuro respirar profundamente, mas meu peito agora dói.
Minha última lembrança era de estar em minha mesa, no escritório onde trabalho. Conversava em tom de crítica, com um colega, sobre o amargor do café que serviam na copa. Ainda era de manhã, quando, de repente, ouvi uma explosão. Isso ! Houve uma explosão !
Estava trabalhando e, então... aqui !
Lembro também de, um segundo antes, alguém gritar algo que não entendi bem, algo sobre a aproximação de uma aeronave.

...

Minha vista está se acostumando... vislumbro uma tênue e trêmula luz amarela ao longe.
Agora posso perceber que, à minha volta, há destroços.
Parece que o edifício desabou !
Já deve haver equipes de resgate trabalhando.
Será que vão me encontrar ?
Sinto cheiro de queimado.
Os gemidos diminuíram, e os apelos cessaram.

...

Acordo assustado com um grande estrondo !
Meu Deus ! Não !

...

Abro os olhos... sinto cheiro forte de poeira ! Está difícil respirar ou abrir os olhos.
O espaço disponível no lugar em que estou parece ter diminuindo ainda mais.
Volto a ficar ofegante.
Recomeçaram os gritos e os gemidos por toda parte... acho que vou enlouquecer !

...

Os gemidos diminuíram, a poeira e a dor no corpo também.
Agora posso ver a fonte da luz amarela, são chamas !
Está ficando quente.
Se tiver que morrer, que eu morra logo, antes que o fogo me alcance.

...

Ouço algo !
Acima de mim parece que o teto vai ruir !
Pedras caem sobre mim !
POR QUE  fui pedir para morrer !?

...

Sou acordado com uma luz forte no rosto.
Parece que vai me cegar !
Alguém pergunta se estou bem.
Será um anjo ?
A dor é tanta que não consigo responder.
Tento entender o que está acontecendo.
Percebo que estou sendo retirado dos destroços por voluntários e posto numa maca, quando um deles me olha nos olhos e, como se achasse que eu pedia alguma resposta, me diz: "Foi um bombardeio".
Foi então que senti o reconfortante sol de Bagdá em meu rosto.
Que Alá seja louvado !

Autor: Mario Zavarese


Autor: Mario Paulo Zavarese Soares


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