A LEI 10.639 CLAMA A FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR



RESUMO

A Lei 10.639, que integra no currículo das escolas o ensino da história e cultura da África e Afro-brasileira, ao tempo que instaura uma nova perspectiva no combate ao racismo, evidencia legalmente a existência do mesmo e declara a educação como uma estratégia para atingir os seus objetivos. O propósito deste artigo é abordar a formação continuada do professor para o êxito deste instrumento legal, pois as publicações especializadas no Brasil apontam a formação inadequada nos cursos de licenciatura, notadamente pedagogia, como causas da crise no processo de construção do conhecimento e aproveitamento dos conteúdos escolares. Portanto, não basta a existência da lei, são necessários recursos humanos aptos à sua implementação e sucesso. Palavras-chave: racismo – formação continuada

A idéia deste artigo surgiu a partir do fato de que as normas morais, em vigor no Brasil, em torno do preconceito racial, se constituem em um conteúdo cognitivo mascarado, mas institucionalizado, e, que a partir da lei 10.639, requer professores capazes de identificar este jogo moral, como um fato sócio-histórico-cultural e acima de tudo discutir com profundidade os argumentos de disputa moral que sustentam esta situação e perscrutar a práxis deste universo, e, estabelecer uma crítica que atinja além do círculo dos participantes imediatos.

A qualificação de professores, portanto é condição fundamental para atingir esta meta, em especial para retificar "referências equivocadas que carregamos sobre os africanos [...]". |(OLIVA, 2006, p. 86).

Portanto, esta formação deverá ir além do conceito de formação docente como processos de atualização que se dão através da aquisição de informações científicas e didáticas descontextualizadas da prática educativa do professor, para adotar um conceito de formação que consiste em construir conhecimentos e teorias sobre a prática docente, a partir da reflexão crítica, que possibilite um processo constante de auto-avaliação, para dimensionar os seus efeitos nos alunos.

A formação continuada do professor, para um projeto desta envergadura deverá deixar claro a importância de criticar o próprio currículo escolar, pois este instrumento representa, em última instância, a cultura vivenciada e praticada, cabendo ao educador a capacidade para adequá-lo à sua unidade de ensino de maneira que favoreça o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa para o indivíduo, capacitando-o como um agente ativo em seu contexto social

A cultura de matriz africana, historicamente construída ao longo de séculos é negada e silenciada no currículo, e, quando apresentada nas escolas sonega os seus valores, desqualificando os representantes dos diversos grupos étnicos que formam o continente africano, tratando-a de forma equivocada, genericamente como cultura negra, ou cultura africana.

Esta generalização, também é uma das formas de negar as culturas africanas e uma maneira como o sistema educacional concebe e concretiza a articulação entre diversidade étnico-racial e educação, relacionando concepções filosóficas e pedagógicas, a opções políticas e ideológicas, o que acaba por desenvolverem objetivos e estratégias de atuação diferentes, e, conseqüentemente, significados diversos atribuídos à educação.

O sistema educacional, não tem dado a devida importância à questão, e, despreza a concepção de raça como um "[...] atributo social historicamente elaborado" e que se constitui "[...] como um dos critérios mais importantes na distribuição de hierarquia social", acaba por revigorar a construção coletiva de falsos valores e de falsas verdades ideologizantes acerca dos afro-descendentes. (CAVALLEIRO, 2000, p. 196-197).

Até mesmo nos cursos de formação, este descaso é evidenciado e a generalização e o descaso, culminam naquilo que Jean Houssaye (apud Pimenta, 2000, p. 51), denomina de "ilusões". Resumidamente: "a ilusão do fundamento do saber pedagógico [...] do saber didático [...] do saber das ciências do homem [...] do saber pesquisar [...] do saber-fazer".

Assim, a idéia de uma formação continuada para os professores que pretendam se dedicar ao ensino da história e cultura da África e Afro-brasileira, parte do princípio também de uma formação reflexiva, que não requer apenas do professor o saber fazer, mais que ele possa saber explicar de forma consciente em sua prática, o grau de complexidade que envolve o preconceito racial no Brasil, e, as diversas identidades do negro, geradora de uma multiplicidade de categorias de autoclassificação, dado a quantidade de cores que negros e mestiços se atribuem. (SCHWARCZ 2002).

Tal situação, também ajuda a sedimentar o racismo institucional no Brasil, que é classificado por Nogueira (1985), como "de marca", enquanto nos Estados Unidos é caracterizado pela "origem". Ou seja, no Brasil, conta a aparência física, manifestações gestuais, que permite em função do grau de mestiçagem do sujeito, de indivíduo para indivíduo, decidir a sua inclusão ou exclusão na condição de negro. No país do norte, o preconceito está centrado na definição de origem étnica, definida pela hereditariedade, independente do fenótipo.

O racismo institucional, de acordo com Cavalleiro (2005, p. 197), "[...] engendra um conjunto de arranjos institucionais que restringem a participação de um determinado grupo racial (no nosso caso, o grupo de negros)".

Através do livro didático, este arranjo ganha contornos visíveis, fortalece o alcance das formas e estereótipos racistas nos espaços sociais. Por isso é imperativo que educadores atentem para a intencionalidade das atitudes e posturas dos diversos meios e instrumentos didático-pedagógicos disponíveis na escola.

Neste aspecto, o livro didático é um instrumento recorrente,cujos textos e ilustrações apresentam disparidades na representação dos afrodescendentes, o que promove elementos que impossibilitam a estes se auto-reconhecerem como integrantes legítimos do espaço social e por extensão do ambiente escolar, e, reforçam a condição de inferioridade.

Os livros analisados por Silva (1995) evidenciam a ideologia de inferiorização e do branqueamento. Em suas análises os/as brancos/as são personagens predominantes nas ilustrações e nos textos, enquanto os/as negros/as aparecem como minoria, de forma distorcida, estereotipada e inferiorizada.

O afrodescendente aparece em figuras, gravuras e fotografias, sob a forma de escravos, serviçal, caricaturado, desumanizado, como minoria e em último lugar nos grupos sociais. A criança negra aparece brincando ou trabalhando nas ruas, quase nunca tem nome, e é chamada por apelidos ou por sua cor: negrinho.

O branco aparece como cidadão brasileiro, é associado ao belo, puro, bom e inteligente, tem nome, sobrenome, têm família constituída e exercem papéis e funções conceituadas na sociedade em oposição aos negros/as associados ao malvado, feio, incapaz, com atributos físicos não humanos e sem família.

São fenômenos como este, que possuem um forte viés na constituição da representação social[1] e por extensão como normas morais sobre os afrodescendentes, e que exigem no ambiente da escola professores aptos para se posicionarem criticamente.

Esta crítica, dialeticamente ampla, não pode se perder em detalhes, como as críticas ao modelo das sociedades africanas, que também utilizavam do mecanismo da escravidão, para minimizar o impacto daquela praticada pelo sistema colonial europeu. Ou mesmo, se concentrar no regime de clãs e tribos das diversas etnias africanas.

A crítica que se pretende atingir está associada à imposição hegemônica de uma cultura majoritária, no exercício do poder de Estado, impõe às minorias a sua forma de vida, negando assim a todas as outras formas produzidas por uma cultura diversa, em nome de uma pretensa unidade nacional. (HABERMAS, 2000).

A importância da formação continuada, segundo Freire (2002), está associada à condição do homem como um ser inconcluso, que busca atingir o status de consciência de sua inconclusão, através do movimento permanente de ser algo mais:

A educação é permanente não por que certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de finitude. Mas ainda, pelo falto de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí. (FREIRE, 1997 p. 20).

Portanto, não basta refletir sobre a prática pedagógica docente, é preciso refletir criticamente e de modo permanente. Este processo precisa estar apoiado em uma análise emancipatório-política, para que os professores em formação possam visualizar as operações de reflexão sobre a da história e cultura da África e Afro-brasileira no seu contexto sócio-político-econômico-cultural mais amplo.

REFERÊNCIAS

CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Discursos e práticas racistas na educação infantil: A produção da submissão e do fracasso escolar. In; QUEIROZ, D. M. et. al. Educação, racismo e anti-racismo. Salvador: Novos Toques, Programa A Cor da Bahia, UFBA, 2000 pp. 193-219

FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1997.

HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Rio de Janeiro: Loyola, 2000.

NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto quanto branco: estudo de relações raciais. São Paulo: T. A. Queiroz, Editor, 1985.

OLIVA, Anderson Ribeiro. A história africana nas escolas: entre abordagens e perspectivas. In: CAVALLEIRO, Eliane (coord.). Educação, africanidades, Brasil. Brasília: MEC, 2006.

PIMENTA, Selma Garrido (org.). Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 2000.

SCHWARCZ, Lilia M. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In: História da vida privada no Brasil. São Paulo: Cia das Letras,2002.

SILVA, Ana Célia da. A discriminação do negro no livro didático. EDUFBA/CEAO, Salvador - Ba, 1995.




Autor: JOSÉ TADEU NERIS MENDES


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