A Literatura de Luis Eduardo Matta



Luis Eduardo Matta

Caros leitores, tenho a honra de publicar uma entrevista realizada com o autor de thrillers não-policiais Luis Eduardo Matta, que é um dos pioneiros e principais nomes deste gênero na literatura brasileira.

Cucamonga - Luis Eduardo, primeiramente gostaria de agradecer à sua boa vontade em atender a esta entrevista. Prometo que não tomarei muito do seu tempo :)

Luis Eduardo (L.E.) - Se tomar, não tem problema. Tempo é para ser bem gasto.

 

Conexão Beirute-Terran1. Você publicou o seu primeiro livro aos 18 anos. Pode nos explicar como foi o caminho desde o dia em que você pensou em escrever até o dia da publicação?

L. E. - Eu publiquei aos 18 anos, mas tinha 17 quando o escrevi. Comecei em janeiro de 1992, após assistir a uma entrevista de Jorge Amado e Zélia Gattai na televisão, terminei em abril e fechei com uma editora em setembro. Do instante em que decidi seguir a carreira literária até o dia da assinatura do contrato de publicação transcorreram exatamente oito meses. Foi um período intenso e vertiginoso, de um otimismo fora de controle. As coisas comigo não costumam ser fáceis, por isso acho que, naquele ano em especial, houve uma espécie de intervenção divina. Uma intervenção estratégica. Isto porque, se eu não houvesse publicado o livro naquele momento, talvez não tivesse tido o estímulo necessário para seguir adiante.

 

 2. Quem (ou O que) foi a sua maior motivação para dar este importante passo em sua carreira?

L.E. - Muitas coisas. Eu sempre gostei de literatura. E sempre gostei da ficção de mistério. Além disso, por alguma razão que não sei explicar, conservei muito forte dentro de mim o lado da fantasia. É uma característica da infância, que os rigores da idade adulta tentam nos tirar. No meu caso, isso não aconteceu. Em dado momento, senti que precisava dar vida à imaginação e a literatura se apresentou como o caminho ideal.

 

 3. Você passou grande parte da sua infância e adolescência entre o Rio de Janeiro e uma chácara em Maricá. Você acredita que passar parte de sua vida num local mais tranquilo e longe da agitação da grande metrópole favoreceu a sua imaginação para a criação de narrativas baseadas em seus estudos sobre política internacional?

Ira ImplacávelL.E. - Com relação à política internacional, não sei exatamente. É possível, pois em Maricá eu tinha tempo para ler bastante e lia a seção internacional dos jornais e livros sobre geopolítica. O que posso afirmar com segurança é que a experiência de viver no campo contribuiu decisivamente para a minha formação. Me fez descobrir a existência de outros mundos, de outras formas de interagir com o cotidiano. A Maricá dos anos 80 era incomparavelmente menor e menos populosa do que é hoje. Era um município mais arcaico, ainda atrasado sob inúmeros aspectos, mas comovente na sua bucólica atmosfera rural, que servia como uma espécie de refúgio mágico do meu dia-dia no Rio.

Na minha infância tive a oportunidade, por exemplo, de conviver com pessoas muito humildes, que dedicaram toda uma vida à lavoura. Muitas não sabiam ler ou escrever, mas tinham um conhecimento empírico da realidade, um tipo de sabedoria existencial que a correria da metrópole e as demandas sociais da modernidade não nos estimulam a desenvolver hoje em dia. Isso foi importantíssimo na minha vida, pois pude conhecer desde cedo e muito de perto a realidade do povo, o que me ensinou a cultivar e valorizar a simplicidade, e impediu que eu me encastelasse.

É com assombro que noto como muitas pessoas supostamente cultas e esclarecidas pouco sabem da realidade brasileira. São intelectuais cheios de teorias para a melhoria da qualidade de vida do povo, mas que não conhecem verdadeiramente o povo.

 

4. Seus livros carregam bastante mistério e suspense em suas tramas, verdadeiros thrillers não-policiais. Você recebeu influência de algum mestre do suspense, como o diretor de cinema Alfred Hitchcock ou a escritora Agatha Christie?

L.E. - Se eu tive alguma influência literária, foi Agatha Christie, sem dúvida. Com o tempo, venho percebendo o quão marcante foram para mim os livros dela. Embora, como você bem assinalou na sua pergunta, meus thrillers não sejam policiais.

 

 5. Dentre as suas sete obras já publicadas, por qual ou quais você tem um amor especial?

L.E. - Tenho um carinho especial pelo meu primeiro livro, Conexão Beirute-Teeran. É um romance cru, escrito sem muito acabamento, com a linguagem e a visão de mundo canhestras do jovem imaturo de 17 anos que eu era. Mas foi um livro muito importante para mim, que me serviu como passaporte para a carreira literária. Jamais o renegarei.

 

6. Qual obra foi a mais complexa em termos de pesquisa histórica e cultural?

O VéuL.E. - Foi O Véu, meu novo thriller, que sai agora no final de 2009. Da concepção do enredo até o seu término passaram-se dez anos. Reescrevi este livro três vezes e fiz uma pesquisa descomunal. Para você ter uma idéia, todo o material usado para essa pesquisa ocupa duas ou três caixas grandes nos meus arquivos, isso sem contar o arquivo digital. O Véuthriller. aborda dois mundos bastante distintos que se cruzam ao longo da trama: o das artes plásticas e o da política iraniana contemporânea. São temas espinhosos e cheios de pormenores. O Irã é um país de uma complexidade incrível, com contradições desconcertantes. Acompanhar o que se passa lá, e, ainda mais, à distância, e descrevê-lo fugindo da visão estereotipada que a mídia ocidental insiste em nos apresentar, chega a ser quase um ato de bravura. Acho que, dentro das minhas possibilidades, consegui fazer isso neste

 

 

 7. Você tem origem libanesa, por parte de pai. De alguma forma, seu pai o incentivou a criar narrativas onde o pano de fundo seriam os países do Oriente Médio e suas culturas?

120 HorasL.E. - Meu pai já tinha morrido quando comecei a escrever livros. Ele nunca deu grande atenção à situação do Oriente Médio. Eu é que comecei a me interessar pela região depois de ler uma reportagem na revista Veja sobre a guerra civil no Líbano, que ocupava a capa e não sei quantas páginas de uma edição de outubro de 1989. Vinte anos atrás, portanto. Tenho essa revista comigo até hoje. A matéria me impressionou muito, pois alguns dos libaneses entrevistados, cujas fotos estavam estampadas na revista, se pareciam bastante com pessoas da minha família: tios, primos, meu próprio pai… Graças à reportagem, estabeleceu-se uma empatia imediata entre mim e o Líbano. E, a partir de então, as pesquisas prosseguiram de forma espontânea, estendendo-se, com o tempo, a outros países do Oriente Médio, sobretudo depois da invasão do Kuwait pelo Iraque e do fim da guerra civil libanesa, no ano seguinte. Quando comecei a escrever livros, em 1992, eu estava tão mergulhado nessas pesquisas, que o Oriente Médio acabou sendo uma escolha natural de cenário. Além do que é uma região tensa, conflagrada, perfeita para ambientar um thriller.

 

 8. A literatura de entretenimento ou Literatura Popular Brasileira, como você diz, sofre uma espécie de preconceito da elite intelectual brasileira. Qual é a sua opinião sobre esta situação?

L.E. - Nenhuma. Cada um que ache o que bem entender. Se formos nos preocupar com o que pensam de nós, acabaremos não fazendo nada. As pessoas têm todo o direito de se expressar e, sinceramente, não acho que todo mundo deva concordar comigo ou gostar do que eu escrevo. Encaro essa situação com muita naturalidade. O dissenso faz parte da vida.

 

 9. Você, que já está neste mundo produtivo da literatura deste o início dos anos 90, enxerga algum avanço daquela época até os dias atuais, com relação ao pensamento da mídia e da sociedade em geral sobre a Literatura Popular Brasileira?

L.E. - Ah, sim. Muitos avanços. A sociedade, hoje, é muito mais aberta do que no início dos 90 e as oportunidades de externar opiniões, bem maiores. A internet, por exemplo, abriu canais preciosos de debates. Um contingente enorme de pessoas com coisas importantes a dizer e que não tinha como se expressar, hoje está visível. Numa circunstância assim, é mais fácil abordar com franqueza temas polêmicos, como é o caso da literatura de entretenimento, pois os interessados vão se manifestar e o debate se instalar de forma mais democrática, coisa que era difícil em 1993, quando eu estreei na literatura.

 

 10. Você tem vontade de ver algum dos seus livros adaptados para o cinema? Já recebeu alguma proposta do gênero?

L.E. - Juro que ainda não pensei nisso a sério. Mas quem sabe um dia? Não fecho as portas para nada.

 

11. Você tem algum conselho a dar para aos aspirantes a escritor que tenham suas estórias guardadas na gaveta, mas que ainda não tiveram coragem ou oportunidade para publicá-las?

Morte no ColégioL.E. - Não sou a pessoa mais indicada para dar conselhos. Mas eu diria: tenham paixão pela escrita, sejam autocríticos, saibam que escrever é trabalhar duro, persistam, ignorem as vozes que se levantarão para fazê-los desistir e domem a vaidade. Quando se tornarem conhecidos, sejam humildes. Reconheçam que existem e existiram milhões de escritores mundo afora, muitos com obras de altíssima qualidade. E respeitem seus colegas, ainda que não gostem de seus livros. Respeito nunca é demais e é algo que anda em falta nos dias de hoje, inclusive no mundo literário. Essa dica vale, também, para alguns autores renomados – jovens ou veteranos –, que se deixaram embriagar pelo ego e que, sem se dar conta, se transformaram em caricaturas patéticas de si mesmos.

Site oficial de Luis Eduardo Matta

Conheça melhor os livros do autor.

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Autor: Rafael Cruz


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