PERIGO SILÊNCIOSO: AS EPIDEMIAS NA AMÉRICA COLONIAL



Leandro da Silva Moraes[1]

RESUMO

Este artigo tem como objetivo fazer uma análise historiográfica sobre as epidemias na América Colonial, percebendo sua importância fundamental para a construção do cenário econômico, demográfico e cultural do século XV ao XVIII.

Palavras-Chave:Epidemias, América Colonial, historiografia.

A epidemia é um fator que convive com o homem desde seus primórdios, ou seja, por volta da datação de 8.000 anos a.C quando os indivíduos passavam pelo período neolítico, os seres humanos já morriam por doenças que manifestaram – se em cadeia. Tais mortes caracterizam – se por vários fatores, dentre os quais podemos ressaltas o fato de que muitas pessoas estavam vivendo em um só lugar, deixando de se comportar como nômades para viverem de forma fixa, plantando, praticando o cultivo de animais pastoris e estabelecendo organizações sociais que futuramente ganharam maior estrutura e dinamismo.

Trazendo as doenças para a época contemporânea e conseqüentemente para as nossas vidas, percebemos claramente que é um fator que ainda influência o nosso cotidiano, pois basta lembrarmos um momento em que estivemos doentes para percebemos o quanto tal situação nos deixa mais sensíveis, cansados e com pouca motivação para encararmos os desafios do dia-dia.

Não podemos esquecer que as epidemias são sempre alvo de pânico, abordadas pelas redes de comunicação no formato de revista, jornais televisivos e internet, bem como ainda continuam trazendo bastante desespero para a vida do ser humano e influenciando os diversos pilares econômicos e culturais como foi o caso do vírus influenza (H1N1) ou Gripe Aviária em 1997 ou mesmo o vírus (H5N1) que manifesta – se na forma da doença conhecida como Gripe Suína sendo endêmica no ano de 2009.

O objetivo principal desse trabalho é analisar de forma cuidadosa os efeitos epidemiológicos na representação indígena-européia e seus reflexos econômicos, demográficos e culturais no período colonial, tendo como base a reflexão metodológica do paradigma – indiciário apresentado pelo historiador italiano Carlo Ginzburg.

Isolamento dos Povos Ameríndios

Para podermos entender o fenômeno epidemiológico que aconteceu no período colonial, devemos nos remeter a cerca de 40.000 anos, quando povos nômades asiáticos deslocaram – se para o imenso território americano passando pelo estreito de Behring. Pois nesse momento, no ponto de vista biológico, havia certa equivalência nas resistências que esses homens tinham para com alguns seres patológicos que se encontravam no terreno eurasiano. Então, antes dos movimentos migratórios e do processo de sedentarização que ocorreu por volta de 10.000 anos antes de Cristo, os diversos clãs possuíam um nível de resistência que não era muito diferente dos outros povos na Ásia oriental. Tal idéia conversa com Jean Sournia e Jacques Ruffie na passagem:

Quando os primeiros asiáticos, verossimilmente mongóis e antepassados dos Ainos, ultrapassaram o estreito de Behring cerca de 40.000 A.c e se espalharam pouco a pouco nas duas Américas, traziam já consigo os traços de um passado patológico que não deviam ser diferentes do dos habitantes do continente eurasiano.[2]

Devemos lembrar para essa análise que quando em nosso meio existe seres patológicos que oferecem perigo para o nosso sistema imunológico, criamos mecanismos de proteção que são desenvolvidos por um longo período de tempo para resistirmos aos avanços de possíveis seres causadores de doença. Da mesma forma, os agentes causadores de patologias criam formas de burlar nosso sistema de defesa, ou seja, existe uma evolução histórica - biológica entre nossas estruturas de defesa imunológicas e os mecanismos de introdução externo/interno que as doenças vão assumindo gradualmente. Quando estamos em uma situação geográfica diferente, na qual, nos não passamos por agressões contínuas, existirá tendenciosamente uma perca do nosso sistema de proteção para aquelas determinados seres maléficos ao nosso corpo, pois como haverá outros motivos essenciais para a vida, novas seleções naturais acontecerão, fazendo com que apenas os seres aleatoriamente escolhidos continuem sobrevivendo e relacionando entre si. Então, as características que eram determinantes para a sobrevivência na Eurásia não necessariamente são os do território ameríndio, tendo muitas possibilidades para uma seleção natural que não precisasse de resistências a doenças vindas do "velho mundo", ou seja, como ter resistência agora no mundo americano não é um fator essencial para sobrevivência, muitos seres que não possuem essas proteções gênicas sobreviveram dando prosseguimento as suas proles que cada vez mais, terão menos resistências as doenças que estavam se proliferando nos territórios europeu, africano e asiáticos que continuaram a desenvolver na perspectiva biológica elementos imunológicos. Dessa maneira, as doenças irão evoluir juntamente com o meio humano em que estão articuladas, enquanto outros seres humanos (aztecas, Maias, Incas, Tapuias e etc) não acompanharão esse processo histórico-evolutivo. Podemos também refletir que muitos dos agentes infecciosos possuem um grau de mutação alto, sendo assim difícil o tratamento, principalmente o caso dos vírus.

A hipótese mais verossímil, já evocada, é que os imigrantes do estreito de Behring teriam sido parcialmente imunizados contra estas doenças tal como os povos de que provinham, mas que, pouco a pouco, por falta de agressões renovadas, teriam perdido esta proteção.[3]

Além do processo de isolamento cultural que os povos ameríndios sofreram, passaram também por um isolamento biológico, tornando – se vulneráveis a qualquer outro tipo de doença que não estivesse em seu meio geográfico.

Para acentuar o grau de isolamento dos povos ameríndios, podemos perceber que o continente americano possui uma imensidão territorial, causando dentre vários efeitos a dispersão acentuada dos povos nômades nesse terreno. Essa dispersão acentuada tem como conseqüência uma variedade de culturas, podendo para alguns olhares classificar os índios em baixas e altas culturas, pelas suas diferentes estruturas sociais.

Esse longo isolamento propiciou dentre várias características, uma diversidade lingüística, religiosa e social podendo ser evidenciada nos achados arqueológicos já estudados e interpretados por vários estudos, como a do historiador búlgaro Tzvetan Todorov.

Durante quarenta mil anos a América viverá como um imenso espaço isolado em relação ao resto do mundo habitado, um desses universos encravados de que fala Chaunu. Quando os migrantes atravessaram o estrito de Behring, ignoravam que se cortavam por muito tempo do resto da comunidade humana. Mas o seu pequeno número e a vastidão dos territórios que ocupavam fracionaram – nos em outros espaços isolados: entre os Cheyenes, os Olméques e os Mochicas. Os contatos foram tão reduzidos que se edificaram culturas e línguas muito diferentes uma das outras. Esta explosão lingüística que, em algumas dezenas de milênios, deu lugar a centenas de linguagens muito diferentes, agrupadas em volta de algumas dezenas de famílias, é testemunha de um isolamento rigoroso dos povos humanos.[4]

Como podemos ver nessa passagem, esse isolamento é visto por Jean Sournia e Jacques Ruffie como sendo não um simples processo de distanciamento, mas de um isolamento rigoroso causando uma produção cultural excepcional, porém, uma falta de resistência a diversos tipos de agentes infecciosos que futuramente assolarão tais povos autóctones, causando uma grande quantidade de mortes e refletindo em diversas áreas, nas quais, ainda precisam de bastante atenção e estudo para compor o desafio do "quebra – cabeça" proposta pela História da América.

Contato macroscópico e microscópico entre o "velho" e o "novo" mundo

"Matavam mais que as guerras, e nestas recrudesciam,

até como um sortilégio venenoso do inimigo".[5]

Existiram vários fatores que levaram o europeu a saída de sua terra apelando para grandes navegações, como o mercantilismo com novas rotas comerciais. Com a chegada de Cristovão Colombo na América em 1492, chega- se uma imensa bagagem histórica – cultural e histórica – biológica. Podemos fantasiar de forma macro-cultural o quanto pode ter sido diferente para os dois povos encarar moldes culturais bastante diferentes, sendo configurados em vestimentas, ritos religiosos, alimentos, dentre outros, porém, é difícil calcularmos a proporção epidemiológica que foi esse contato biológico, pois como foi aludido, os índios estavam com baixa imunidade para com aqueles determinados tipos de micro – organismos que tiveram juntamente com a maior parte do globo diversos níveis de mutação.

Nesse fragmento, podemos perceber a análise do autor referente ao contato indígena com o europeu, sendo ainda dificultado pelo longo período em que os marinheiros precisavam navegar em condições de higiene bastante precárias.

A chegada de cada nova frota trazia uma nova infecção, porque à partida da Inglaterra os controles sanitários não eram rigorosos e conhecemos bem a horrível promiscuidade e a deficiente higiene que existiam a bordo durante a viagem de vários meses; à chegada, as autoridades locais não podiam impor quarentenas aos navios da coroa![6]

É notável que os europeus trouxessem consigo uma variedade imensa de patógenos que aos poucos iriam manifestar nos corpos dos povos autóctones, em forma de variadas doenças que possuíam um grau de virulência marcante, causando dessa maneira processos epidemiológicos em cadeia, provocando as famosas Epidemias na América Colonial, como a Varíola e o Sarampo.

Do ponto de vista dos europeus, as doenças não os assolava efetivamente, porque já traziam consigo um patrimônio genético capaz de imunizá-los contra as manifestações epidemiológicas que apareciam num espaço de tempo cada vez menor em uma maior proporção, destruindo muitos pilares da sociedade daqueles povos nativos. Tal pensamento dialoga no trecho:

Mas a chegada dos europeus (sobretudo portugueses e espanhóis) teve como conseqüência, nos primeiros tempos, o que Vellard chama o "choque" biológico da conquista, que perturbou o meio seletivo da conquista das populações indígenas, introduzindo massivamente os germes vindos do velho mundo. Contudo, os conquistadores levaram consigo os patrimônios genéticos capazes de enfrentar essa ameaça permanente que conheciam bem.[7]

Essas doenças desconhecidas provocaram diversos efeitos, dentre eles podemos marcar como mais considerável no ponto de vista demográfico, a morte de centenas de índios e por efeito um despovoamento da região. Então, de forma inicial podemos perceber que geograficamente houve um impacto considerável, porque se o ambiente influência os homens e o mesmos agem de forma recíproca para com seu meio, com a morte de muitos índios, o ambiente físico passará por muitas modificações, até porque esses índios consumiam determinados tipos de alimentos retirados naquele territórios e o povoava de forma que atendesse as necessidades daquelas determinadas contextos sociais em que estavam inseridos. Tal pensamento conversa com a passagem a seguir:

The native people of the Americas were exposed, through contact with Europeans and Africans, to numerous and multifarious adverse effects. Without doubt, the most drastic of these was the transfer to the new world of hitherto unknown diseases, which manifested themselves in the form of devastating epidemics. It was, above all else, epidemic outbreaks that brought about the alarming drop in indigenous numbers (90 percent and more and more in certain cases) and the virtual depopulation of vast regions (Joralemon 1982).[8]

Devemos ressaltar que o índio não permaneceu passivo ao processo de colonização e não foi o grande "coitadinho" desse encontro, porque desde o início do processo de colonização, muitas tribos participaram de forma ativa na dissolução de outras e passaram a se beneficiar com o decorrer do processo, porém, inevitavelmente esse encontro teve seu lado trágico, porque existiram vários vetores de transmissão de microorganismos que vão desde os animais que eram trazidos nas embarcações com objetivo bélico, como o cavalo, até animais para fins alimentícios como é o caso dos porcos que mantém vários agentes infecciosos em seus organismos, mas não manifestam tal patologia.

Essas mortes aconteceram também de forma maciça porque existia uma quantidade populacional expressiva indígena, pois jamais teria se matado tanto se existisse nas regiões de contato uma quantidade populacional baixa. Tal idéia liga – se com Jacques Ruffie no fragmento "Nesse grupo, o contágio só pode fazer-se se a concentração humana é bastante densa, isto é, suficiente para que a probabilidade de passagem do indivíduo infectado para o indivíduo virgem e receptivo seja grande".[9]

Conseqüência Econômica das Epidemias para os europeus

Com a morte descontrolada dos povos indígenas na América, torna – se cada vez mais difícil explorar o novo território, pois como a quantidade de colonos era baixa e os poucos que vinham se aventurar na América dividiam – se nos vários reinos, vice – reinos, capitanias hereditárias e condados, então, o objetivo maior orientado pelo mercantilismo ou qualquer outra forma de enriquecer trazendo a soberania para a monarquia tornavam – se complicadas de estabelecer – se em um terreno onde a base da mão de obra morriam em massa.

Os europeus enfrentavam vários desafios para uma estabilização efetiva da colonização no território americano, dentre eles, podemos levantar como relevante é a falta de mão de obra, que nos primeiros contatos fixam – se com a indígena, porém, com a baixa demográfica causada por epidemias devastadoras nesses povos autóctones, fica cada vez mais difícil estabelecer uma demanda de produção satisfatória, porque os índios estão ficando escassos e os poucos que se encontram morrem facilmente, até por simples "resfriados" que para os europeus seriam banais.

Essas mortes já podem ser evidenciadas num período de menos de 100 anos, na qual sem dúvida, trazem um reflexo claro para a produção européia, tanto no na ótica de facilitar o processo de dominação quanto para a quantidade de metais extraídos e diversas matérias primas produzidas como a cana - de –açúcar e as chamadas drogas do sertão[10]. Tal idéia conversa com o trecho: "Os demógrafos e os historiadores calculam atualmente que em 1568 a população do México não tinha mais de três milhões de almas, ou seja, a décima parte de antes da conquista.".[11] Nesse trecho percebemos que desde os primeiros contatos com Cristovão Colombo em 1492 até 1568 ouve uma diminuição demográfica indígena de fácil percepção, ou seja, em 76 anos morreram uma quantidade de índios por epidemias que influenciaram na quantidade de riquezas extraídas ou produzidas no novo mundo.

No Brasil, os aldeamentos[12] eram feitos com freqüência, para se ter uma maior proteção e quantidade de mão de obra imediata, todavia, essa forma de exploração do trabalho índio causou ainda maiores índices de baixa demográfica, pois os índios eram vulneráveis as doenças trazidas pelo "homem branco", fazendo com que os portugueses aos poucos diminuíssem o trabalho indígena para um processo de inserção da mão de obra escrava negra que era explorada desde o início do século XIV no Celta da África. Essa entrada da mão de obra negra em massa também foi causada pelo benefício de custo do mercado negreiro que mesmo sendo complexo pela quantidade de mortes de negros pelo mar atlântico traz grande lucratividade. Tal idéia concorda com o historiador Luiz Felipe de Alencastro na passagem:

De verdade, a vulnerabilidade dos índios ao choque epidemiológico – resultante da união microbiana do mundo completada pelos Descobrimentos – constituiu um fator restritivo à extensão do cativeiro indígena e, inversamente, facilitou o incremento da escravidão negra.[13]

Os portugueses possuíam o pensamento de continuar na exploração dos índios, porém, pela entrada cada vez maior de europeus e com eles de vários agentes infecciosos, causam uma queda demográfica indígena, sendo desta forma cara de manter essa mão de obra em decadência, pois as expedições de bandeirantes e até de próprios índios para a captura de outros índios era dispendioso, então, se houvesse muitas mortes nos aldeamentos os investimentos dariam prejuízos que a coroa portuguesa não queria mais sofrer. Essa ótica concorda com Stefan Cunha no período:

(...), a varíola, que dizimou populações indígenas e facilitou a tarefa de conquistadores como Cortez e Pizarro. Os índios não tinham defesas contra tais enfermidades e até a gripe podia mata – los. A diminuição da população indígena foi uma das razões para a introdução de escravos africanos.

Conseqüências sociais e culturais das Epidemias para os povos indígenas

Para podermos entender os efeitos das ondas epidemiológicas para os povos autóctones devemos antes pensar como seria a rotina desses homens antes da chegada dos europeus em 1492.

Em geral, temos uma grande diversidade de tribos, então, é errante falarmos de povos indígenas com uma homogeneidade, porém, sem dúvida, mesmo existindo muitos hábitos e culturas indígenas, podemos imaginar como as rotinas existentes na América foram bruscamente modificadas com a chegada de várias monarquias européias na América.

Com a baixa demográfica, os índios vão mudar de forma relevante seus muitos hábitos, bem como modificar de forma diferente seu ambiente, pois o homem influência de forma recíproca sua geografia. Ou seja, as epidemias irão causar um efeito marcante nas sociedades indígenas e esses reflexos sociais causaram também uma influência cultural para com as muitas tribos americanas.

Other factor, including population loss due to violent wars of conquest, food shortages caused by disruption of agricultural routines, the depresses psychological state of the vanquished, or the end of political, economic, and cultural autonomy, were crucial, but most likely did not, alone or in mutually reinforcing interaction, unleash such accelerated population decline.[14]

Além de modificar a rotina dos povos indígenas, essas violentas doenças irão ajudar ainda mais para a morte indígena, pois se você muda uma tribo de índios de seu ambiente comum para o trabalho em minas de Prata, como acontecia em Potosí ou em minas de outro em Zacateca ou mesmo nas plantations, estamos diminuindo o potencial de sobrevivência dessas tribos, porque como vão cassar em um território bastante desconhecido sendo submetidos a muitas horas de trabalho compulsório, além de estarem se juntando e aumentando o potencial de infecção das doenças. Tal pensamento pode ser também exemplificado em diversas tribos que cederam território para os espanhóis como é o caso dos Aztecas e mantiveram – se em extinção após ondas epidemiológicas de Varíola posterior a conquista de Tenochtitlán.

Na parte cultural, podemos evidenciar a presença das doenças no panteão indígena, como podemos ver nessa passagem do livro "O Trato dos Viventes":

Traços do trauma gerado pelas pestilências pós – cabralinas podem ter se cristalizado na mitologia tupi. Quatro entidades maléficas se destacavam na região desses índios no final no século XVI: Taguaíba (fantasma ruim), Macacheira (o que faz a gente se perder), Anhangá (o que enfia a gente no saco) e o Curupira (o coberto de pústulas).[15]

É evidente a presença das epidemias influenciando o modo social indígena, sendo também configurada na forma de interpretar religiosamente as epidemias que matam em massa.

Alguns índios interpretavam o deus do "homem branco" sendo mais poderoso que o dele, sendo agente justificador da derrota no campo de batalha ou até mesmo as doenças que trazem tantos óbitos; causando ainda maior sofrimento a alguns povos que estavam passando pelo processo de dissolução.

Varíola

Dentre várias doenças que assolaram os índios no período colonial, a varíola foi uma das mais freqüentes nos episódios epidemiológicos americanos.

A varíola é uma doença contagiosa provocada pelo vírus Orthopoxvírus variolae, é admitida como um dos vírus mais antigos na vida do homem, sendo conhecido quando uma múmia de 1550-1307 a.C. apresentava vestígios do vírus.

Ao entrar no organismo humano, o vírus se hospeda em uma determinada célula, onde fabrica suas proteínas e multiplica-se no citoplasma da mesma. O sistema imunitário do organismo reage contra o vírus destruindo as células antes que o vírus se multiplique, porém, o sistema imunitário não consegue bloquear completamente a multiplicação do vírus, pois a proteína que produz faz com que o mesmo fique resistente aos anticorpos.[16]

A transmissão da doença ocorre através do contato com doentes e pelos objetos utilizados por essa mesma pessoa. Após 14 a 20 dias de incubação a doença começa a se manifestar, os primeiros sintomas são: febre, mal-estar, fadiga, dores pelo corpo, manchas avermelhadas, vômitos e náuseas. As manchas avermelhadas que aparecem na pele se transformam em bolhas purulentas que após um período secam e formam crostas.
Como a doença fragiliza o sistema imunitário do indivíduo há grande possibilidade de, nesse período, contrair novas doenças e infecções, conhecidas como doenças oportunistas. Como é uma doença provocada por vírus, não existem tratamentos específicos, porque a quantidade de mutação do vírus traz uma dificuldade notável e controlar a doença.

No período colonial, podemos ver vários episódios dessa doença, como é o caso da onda epidemiológica vista em Tenochtitlán após a captura de Montezuma por Cortez em dezembro de 1528, na qual, enfraqueceu a resistência azteca de maneira considerável.

A presença da varíola na América colonial pode ser vista no trecho:

Even in the late 1800s - several centuries after smallpox was brought to the Americas - the disease swept through Indian communities in the united state, killing between 55 and 90 percent of those who contracted it (Ashburn 1947; Crosby 1972; Shurkin 1979; Stearn and Sterarn[17] 1945).

Essa doença que possui uma taxa de mutação alta, também pode ser evidenciada na passagem:

Smallpox is by nature a highly contagious disease and is readily transmitted in respiratory discharges from individuals who have contracted the disease and are in the two - week postincubation period of infectivity - Pregnant women also can pass the disease on their infants in utero (Downie and Mc Carthy 1954:196.[18]

Uma das características da Varíola é seu contágio ser feito de maneira fácil, e essas descargas respiratórias vistas nessa citação são um grande perigo onde existe uma quantidade demográfica expressiva, pois além de se espalhar com facilidade, não se manifestam rapidamente, o que aumenta o poder de contágio, pois o doente dificilmente será isolado dos outros antes que apareçam os sintomas, o que só acontece em média como já foi dito, entre 14 a 20 dias.

Podemos ver também a resistência e poder de virulência da varíola no trecho:

The food, bedding, clothing, or other possessions of smallpox vietins as well as the smallpox corpse itself also can harbor variola. Experiments have shown that scabs from a sigle smallpox temperature for 530 days, still retains viable virus (Dixon 1962:304). Experiments of this kind give credence to reports of raw and fished cotton serving as smallpox vectors (cook 1939; Deutschmann 1961:7; Dixon 1962:303 - 7; steam and stearn 1945:44).[19]

Resistencia dos PovosAmeríndios

Um dos fatores que devem ser analisados nesse estudo historiográfico é o processo de reminiscência dos povos índios, porque este ajuda a compreender o cenário posterior aos enormes índices de infecções de muitas patologias.

Podemos perceber dois grandes interesses presentes nesse período. O primeiro é o desejo das coroas européias em intensificar o processo de extração de recursos naturais, bem como consolidar a conquista. O segundo é a intenção indígena em reorganizar a sua sociedade assegurando o seu futuro.

Essa forma de resistência indígena para com as muitas adversidades existentes na América tanto para as epidemias quanto para os trabalhos compulsórios fez com que em um longo processo existisse um período de mestiçagem que foi de extrema importância para esses povos que estavam adquirindo cada vez mais formas de proteção que haviam perdido na evolução histórico - biológica conseqüente de um processo de isolamento de cerca de 40.000 anos. Essa idéia conversa com a passagem:

Por um momento (1545 - 1570 aproximadamente), trataron de recuperarse del trauma de la conquista y no obstante todas las presiones, el tributo, el trabajo forzado y las epidemias, lograron um desarrolo económico y cultural natable.[20]

Do ponto de vista cultural, existiram várias resistências relevantes, como elementos cultuais por excelência, como é o caso da língua que permaneceu mesmo ao choque e imposições culturais provenientes dos contatos entre os europeus e os povos autóctones. Essas formas de preservação da cultura indígena, como foi o caso das línguas quécha, nuatla e aymara foram de extrema importância, pois reforçam a identidade cultural de um determinado povo e ajudam no processo de reminiscência a diversos aspectos adversários, como a catequização forçada. Tal pensamento vem de encontro com o trecho:"A partir dessas ilhotas foi - se pouco a pouco reconstituindo um povoamento local e conservaram- se as línguas indígenas, quécha, nuatla e aymara, etc." [21]

Esse longo processo de miscigenação fez com que pouco a pouco se estabelece nos povos índios resistências contra diversos patógenos agentes de doenças devastadoras. Essa união entre estas muitas etnias (índios, negros, europeus e asiáticos) será uma espécie de "adaptação índia" ao choque entre culturas bastante diferentes. Esse momento de mistura entre etnias fará com que o índice demográfico volte a crescer até o momento de estabilização que aconteceu em maior predominância no século XVIII em diante.

Essa idéia pode ser vista na seguinte passagem "Os sobreviventes mestiçaram - se muitas vezes com os Europeus e alguns casos com os negros. Tendo adquirido desta maneira a "proteção genética" que lhes faltava, o crescimento demográfico recomeçou".[22]

Conclusões Gerais

Admitindo a complexidade do assunto, devido haver diversas matrizes indígenas diferentes e por conseqüência várias situações distintas onde as epidemias assolaram com maior proporção e em outras localidades não manifestaram - se com rigor, posso perceber o quanto tal assunto é transversal, porque aborda o objeto com um amparado biológico, histórico e geográfico. Cada caso mostra suas peculiaridades, pois como estamos lhe dando com seres que tentam sobreviver com o homem, estão sujeitos a muitas adversidades como a temperatura, quantidade de nutrientes para e vida e a não predacão.

É notável que as epidemias foram muito importantes no período colonial, pois como foi visto, influenciaram tanto do ponto de vista dos europeus quanto indígena, várias estruturas com o econômico, cultural, geográfico e demográfico.

As epidemias passaram por várias situações e momentos distintos e não se restringem apenas em uma linha de pensamento que foi traçada nesse ensaio como processo de isolamento dos povos ameríndios - contato macro e micro entre o "velho" e o "novo" mundo – Baixa demográfica - processo de mestiçagem entre os índios e os outros povos, fortalecendo - os e havendo o retorno do aumento demográfico. Tal linha segue uma visão evolucionista do processo histórico, mais admitite que possui diversidade de traços físicos - culturais nesses eventos.

No século XIX, o grande estudioso Charles Darwin ao vir a America, percebe as contínuas manifestações de epidemias no território da Polinésia, Cabo da Boa Esperança e Austrália que assolavam, desencadeando invariavelmente febres, disenterias e algumas outras doenças que matavam grandes quantidades de pessoas em uma vasta região desse continente que para o mesmo era tão belo e tão misterioso.

A temática não esta esgotada e o tema cabe muitos estudos e analises, pois seus reflexos não serão evidenciados apenas no período colonial e sim ate hoje, pois mesmo evitando anacronismos, podemos perceber que em muitos aspectos o sentimento de pânico do ser humano no mundo contemporâneo assemelhasse com os índios no período colonial.

Voltando ao comentário inicial pergunto a você amigo leitor, qual e a diferença entre suas motivações quando você esta doente para quanto você não encontra- se debilitado por algum motivo patológico?

Sem duvida, somos dois individuo distintos nessas duas situações e quando estamos ligados a um cenário onde as pessoas também encontram – se doentes, a sociedade muda sua forma de interpretar a realidade, colocando – se muitas vezes em uma posição sensível, frágil e debilitada.

Referência Bibliográfica

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico sul século XVI e XVII.São Paulo: Campania das Letras, 2000.

COOK, Noble David; LOVELL, W. George."Secret Judgments of God": Old World Disease in Colonial Spanish.U.S.A: University of Oklahoma, 1992.

FRANKLIN PEASE, G.Y/ PONS, Frank Moya. Historia General de América Latina: Valume II: TROTTA.

REFF, Daniel T. Disease Depopulation and Culture Change in Northwestern New Spain 1518 – 1576: University of Utah Press, 1991.

SOURNIA, Jean – Charles; RUFFIE, Jacques. AsEpidemias na História do Homem.São Paulo: Edições 70, 1986.

UJVARI, Stefan Cunha. A História e Suas Epidemias: a convivência do homem com os microorganismos. 2. Ed. Rio de Janeiro: SENAC RIO, 2003.


[1] Graduando em História da Universidade de Brasília (UnB).

[2] SOURNIA, Jean – Charles; RUFFIE, Jacques. AsEpidemias na História do Homem.São Paulo: Edições 70, 1986. P.162-163.

[3]SOURNIA, Jean – Charles; RUFFIE, Jacques. AsEpidemias na História do Homem.São Paulo: Edições 70, 1986. P.163.

[4]SOURNIA, Jean – Charles; RUFFIE, Jacques. AsEpidemias na História do Homem.São Paulo: Edições 70, 1986. P.165.

[5] UJVARI, Stefan Cunha. A História e Suas Epidemias: a convivência do homem com os microorganismos. 2. Ed. Rio de Janeiro: SENAC RIO, 2003. P.9.

[6] SOURNIA, Jean – Charles; RUFFIE, Jacques. AsEpidemias na História do Homem.São Paulo: Edições 70, 1986. P.167.

[7]SOURNIA, Jean – Charles; RUFFIE, Jacques. AsEpidemias na História do Homem.São Paulo: Edições 70, 1986. P.67.

[8]COOK, Noble David; LOVELL, W. George."Secret Judgments of God": Old World Disease in Colonial Spanish.U.S.A: University of Oklahoma, 1992.P.20.

[9]SOURNIA, Jean – Charles; RUFFIE, Jacques. AsEpidemias na História do Homem.São Paulo: Edições 70, 1986. P.42.

[10] As chamadas drogas do sertão abarcavam uma série de produtos como o guaraná, o anil, a salsa, o urucum, a noz de pixurim, pau-cravo, gergelim, cacau, baunilha e castanha-do-pará.

[11]SOURNIA, Jean – Charles; RUFFIE, Jacques. AsEpidemias na História do Homem.São Paulo: Edições 70, 1986. P.154.

[12] Formas de exploração do trabalho indígena, na qual, através de várias formas da obtenção de índios pelo regate, cativeiros e/ou descimentos nos sertões, coloca – se vária tribo de índios em um determinado lugar para diversas tarefas entre elas pode citar: Obras públicas, força militar e apoio para expedições exploratórias.

[13] ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico sul século XVI e XVII.São Paulo: Campania das Letras, 2000. P.131.

[14]COOK, Noble David; LOVELL, W. George."Secret Judgments of God": Old World Disease in Colonial Spanish.U.S.A: University of Oklahoma, 1992.P. 20-21.

[15] ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico sul século XVI e XVII.São Paulo: Campania das Letras, 2000. P.131.

[16] http://www.mundoeducacao.com.br/doencas/variola.htm

[17]REFF, Daniel T. Disease Depopulation and Culture Change in Northwestern New Spain 1518 – 1576: University of Utah Press, 1991.P.99-100.

[18]REFF, Daniel T. Disease Depopulation and Culture Change in Northwestern New Spain 1518 – 1576: University of Utah Press, 1991.P.100-101.

[19]REFF, Daniel T. Disease Depopulation and Culture Change in Northwestern New Spain 1518 – 1576: University of Utah Press, 1991.P.101 e 102.

[20]FRANKLIN PEASE, G.Y/ PONS, Frank Moya. Historia General de América Latina: Valume II: TROTTA. P.153.

[21] SOURNIA, Jean – Charles; RUFFIE, Jacques. AsEpidemias na História do Homem.São Paulo: Edições 70, 1986. P.156.

[22] SOURNIA, Jean – Charles; RUFFIE, Jacques. AsEpidemias na História do Homem.São Paulo: Edições 70, 1986. P.160.


Autor: Leandro da Silva Moraes


Artigos Relacionados


Lixo Importado / OctÁvio Guerra

Pensamenteando...

O Papel Do BiomÉdico No DiagnÓstico Da Hemofilia A

O Ciclo Do Nitrogênio E A Camada De Ozônio

O Que Ofuscou A Crise Econômica

Perigo SilÊncioso: As Epidemias Na AmÉrica Colonial

Dança Dos Mascarados: Cultura E Tradição Poconeana